Zé Roberto não para

Guru fitness, youtuber, ciclista, comentarista, coach, embaixador... dá para chamar de aposentado?

Leandro Miranda e Thiago Tassi Do UOL, em São Paulo Reprodução/Instagram

Antes de encerrar a carreira, Zé Roberto ouviu bastante a pergunta. "E aí, quando você vai parar?". Demorou, mas a hora chegou: o ex-jogador se aposentou em 2017, aos 43 anos. O gosto pelo futebol o fez emendar, no ano seguinte, na função de assessor técnico do Palmeiras, clube em que atuou por três anos e com o qual criou grande identificação.

No fim de 2019, no entanto, Zé alegou não ter a disponibilidade necessária para ser o elo entre o elenco e a diretoria do clube e entregou o cargo — Edu Dracena assumiu a posição. Havia alguns motivos e uma série de projetos pessoais por trás da decisão, que ele detalha nesta entrevista ao UOL Esporte.

O ex-jogador inaugurou um museu próprio, em casa, onde exibe relíquias e objetos dos 23 anos de carreira e histórias por Real Madrid, Bayern de Munique e seleção brasileira, além de Flamengo, Santos, Grêmio e Palmeiras. Também virou referência fitness, influenciador no Instagram e comentarista do SporTV. Para completar, abriu um canal no YouTube para falar de bola e (por que não?) dos treinos que faz na quarentena. Aos 46 anos, o incansável Zé Roberto não para, como sempre. Talvez esteja até pior, a ponto de ser cobrado em casa.

A minha esposa falou: 'Se eu soubesse que a sua vida ia ficar tão ativa assim depois de você ter parado, era melhor ter continuado jogando até os 50 anos'".

Reprodução/Instagram

Quer ter um tanquinho igual ao dele?

Daniel Vorley/AGIF

O Palmeiras é grande...

Zé Roberto defendeu profissionalmente dez clubes na carreira, mas quando se fala no nome dele hoje, o time que vem à mente é inevitavelmente o Palmeiras. Ele parou de jogar há três anos com a camisa verde. Foi onde começou a fazer a transição do campo para as inúmeras atividades que ocupam seu dia a dia atualmente.

Em seu primeiro jogo pelo clube, Zé já mostrou o estilo que rege até hoje sua vida pós-aposentadoria: um líder inquieto, nunca satisfeito com o que já conquistou, sempre querendo mais. O discurso no vestiário antes da estreia contra o Audax, no Paulistão 2015, é visto por ele como o motivo de sua identificação com o Verdão ser tão grande, mesmo — em sua própria opinião — que seu auge como jogador no Brasil tenha sido vestindo a camisa do Santos, em 2006 e 2007.

A primeira coisa que eu falei pra eles dentro do vestiário é que eu não vim pro Palmeiras pra passar somente um campeonato. Eu vim pra entrar pra história de um time grande. Então, já pode virar pro colega, pra pessoa que tá do teu lado, já pode bater no peito dele e falar que o Palmeiras é grande. Aquilo, pra mim, foi um plano de ação, eu precisava mexer com os meus companheiros".

Desde então, quando é abordado por algum palmeirense, quase sempre a lembrança é desse discurso. Mesmo que, em três anos de Palmeiras, tenha conquistado dois títulos do Brasileirão e um da Copa do Brasil. Ao se aposentar, aos 43 anos, ainda passou duas temporadas como assessor técnico, ajudando na transição entre base e profissional, e hoje é uma espécie de embaixador do clube, mas sem cargo oficial.

"Aquilo foi como uma profecia. Deu certo, né?", diz Zé ao lembrar daquele discurso que viralizou. Deu certo.

...e o Zé Roberto também

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É normal que um atleta ganhe peso depois de parar de jogar. E, se levarmos ao pé da letra, Zé Roberto não é exceção. Mas ganhar peso não é igual a engordar. Depois de terminar a carreira aos 43 anos com os mesmos 70 kg de quando começou a jogar, os cinco quilos que adquiriu desde então foram só de músculo.

Desde que pendurou as chuteiras, Zé Roberto está conseguindo deixar o corpo ainda mais definido e forte — quando era jogador, não extrapolava nos exercícios, com medo de perder mobilidade. A paixão pela academia sempre existiu e foi fundamental para estender a carreira até os 43 anos, mas agora não tem mais as "amarras" de precisar manter um biótipo apropriado para o futebol.

Eu sempre gostei de treinar muito, então, assim que eu terminei a minha carreira, eu falei: 'Cara, eu vou fazer alguns tipos de treinamentos que eu não podia fazer quando eu jogava'. Fui pra musculação, hipertrofia, ganhei massa. Hoje, olho pra mim e falo: 'Poxa, hoje, eu me sinto com um shape legal, que eu sempre queria ter, mas não podia jogando'. Eu ia ganhar massa e ia ficar muito pesado pra marcar os caras".

No Instagram, onde tem 1,2 milhão de seguidores, são constantes os vídeos de treinos e dicas de alimentação. Virou mais uma ocupação do Zé ex-jogador: guru fitness.

"Eu percebi que passei a receber muitos comentários após cada postagem, que o pessoal se sente identificado. Então, eu passei a dar mais conteúdo para eles. Em cada treino que eu faço, que é a minha rotina durante a semana, eu filmo e passo pra galera. É prazeroso, saber que com o estilo de vida que eu tenho, eu consigo levar conteúdo, que as pessoas se identificam e que muitas dessas pessoas estão se sentindo melhor".

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Youtuber, influencer... essas coisas de jovem

A nova vida de Zé Roberto, que em muito se assemelha ao passado intenso de atleta profissional, começou a ser registrada no YouTube em abril deste ano. O espaço na plataforma de vídeo conta com mais de 6 mil inscritos em quatro meses de existência e mescla duas paixões do ex-jogador: futebol e atividade física.

Entre uma resenha e outra com boleiros (Zico, Denilson e o ex-zagueiro Juan foram alguns que já marcaram presença no canal), ele faz desafios de habilidades, publica alguns de seus treinos e coloca convidados para suar também. O humorista Thiago Ventura já foi "vítima".

É o que pretende o ídolo palmeirense: pôr a molecada em movimento, seja pelo futebol e os desafios com a bola, seja pela vida fitness.

Eu tô incentivando a molecada a sair do videogame e do sofá. Sendo youtuber e influencer, a gente tem o alcance de várias modalidades".

Pedala, Zé

Um outro projeto que a gente vai colocar em prática quando terminar essa pandemia é contar a minha história do começo ao fim. Pequeninos do Jóquei até Palmeiras pedalando, mostrando o trajeto que era sair de São Miguel Paulista para chegar até o Morumbi. Eu tinha que pegar dois ônibus e um metrô

Zé Roberto, que pretende pedalar pelo mundo

A gente vai mostrar para as pessoas que com o pedal você pode chegar até a Alemanha, você pode chegar até o Catar, até a Espanha, que foram países que eu joguei. É mais um projeto que a gente vai colocar em prática. Vai ser o Giro do Zé, em que eu vou pedalar desde a zona leste (de São Paulo) até a Alemanha

Ex-jogador, sobre projeto em cima da bicicleta

Reprodução/Instagram Reprodução/Instagram

Coach Zé e "Os 5 pilares de uma carreira vitoriosa"

  • 1

    Planejamento

    Sim, Zé Roberto também ataca de coach e palestrante. Em seu Memorial ZR11, o craque ministra uma mentoria voltada para atletas com o tema "Os cinco pilares de uma carreira vitoriosa". O primeiro deles é o planejamento. "Eu sempre tive na minha cabeça dar mentoria, porque muitos atletas me perguntavam: 'Poxa, Zé, como é que você fez pra jogar em alto nível até os 43 anos de idade?'".

  • 2

    Foco

    O segundo pilar do curso do Zé. "Você tem que saber o tempo da festa, o tempo da diversão e o tempo do foco, do direcionamento e de busca dos seus objetivos. Se você não estiver com essa balança bem equilibrada, vai pesar sempre pra um lado".

  • 3

    Disciplina

    "Eu recebo vários relatos de pessoas falando: 'Poxa, Zé, eu queria perder a barriga e queria, pelo menos, ter dois gominhos desses que você tem na barriga'. Aí, eu falo pro pessoal: 'Pra ter o gominho é preciso passar por alguns processos. Cuidar da tua alimentação, pra, depois, baixar o peso. Quando estiver no peso ideal, começar a fazer alguns tipos de treinamento voltados pro core'. São processos que você precisa passar pra buscar os seus objetivos".

  • 4

    Trabalho em equipe

    Zé fala da importância do trabalho conjunto quando lembra da seleção da Copa de 2006, que era favorita por ter uma constelação de craques, mas não conseguiu um bom desempenho coletivo e perdeu da França nas quartas de final. "Foi um conjunto de fatores. Eu mudaria muita coisa. O planejamento de concentração, de treinamentos. Nós tínhamos o melhor time e os melhores jogadores".

  • 5

    Liderança

    Em praticamente todos os clubes em que jogou, Zé Roberto foi um dos líderes do elenco. No Palmeiras, por exemplo, foi capitão logo em seu primeiro jogo no clube, quando soltou a frase que virou meme: "O Palmeiras é grande". "Eu, como capitão do time, percebi que eu tinha que mexer com o brio dos atletas ali".

"Neymar pode buscar o tempo perdido"

LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA

Quando Zé Roberto conversou com a reportagem, o PSG ainda era um time tentando chegar pela primeira vez à final da Liga dos Campeões. Conseguiu, muito pela participação decisiva de Neymar, que foi assunto para o ex-jogador. Ele acredita que o astro brasileiro pode ser o melhor do mundo -- está relativamente perto. "Ainda tem tempo de ele recuperar esses tempos perdidos, quem sabe, poxa, sei lá, ser campeão do mundo, ser melhor do mundo. Acho que ainda tem tempo, sim. Eu estou falando olhando para o meu lado, olhando a questão da qualidade que o Neymar tem", disse.

POOL

Na visão do Zé, o craque do PSG perdeu tempo diversas vezes na carreira. "Tempo perdido em algumas lesões que ele teve. O tempo para ele foi perdido. E eu acho que gestão de carreira também. A transferência dele do Barcelona, ir para o Paris pela questão econômica, e não profissional. Se ele permanecesse, talvez, estaria num momento diferente do que ele chegou até agora. Pode colocar isso como um tempo perdido. Quando você é jovem, você quer viver a sua juventude. Só que quando você é um profissional, precisa focar. Se tratando do Neymar, o lado de festa pesou mais."

E ainda dá tempo de ser comentarista

O SporTV viu que eu não estava mais ligado ao clube, me fizeram um convite, eu aceitei e a gente já deu início desde julho. São participações de uma a duas vezes por semana, geralmente. Eu já tinha feito uma participação no Seleção [SporTV] na Copa América passada, por duas semanas, e foi muito positiva.

Zé Roberto, que participa do programa vespertino Seleção SporTV

Nova vida, novos fãs. A dedicação de sempre

A disciplina e a forma física de Zé Roberto, antes admiradas mais dentro do mundo do futebol, agora atingem um novo nicho de fãs. A quarentena acelerou o processo e aproximou ainda mais pessoas de fora do esporte, que viram no ex-lateral uma fonte de inspiração para se mexer durante os dias em casa.

Zé se tornou modelo, viu crescer uma rede de novos seguidores e surgir outros tipos de patrocinadores e parcerias nas redes sociais. É o legado que quer passar.

"Acho que o papel que eu estou exercendo e que eu estou conseguindo passar para as pessoas é o exemplo. Acho que o exemplo vale mais do que palavras. As palavras voam, e o exemplo contagia. É o legado que está sobre a minha vida e que eu quero passar para as pessoas."

Zé Roberto não parou quando parou de jogar. Não parou na quarentena. Segue se cuidando muito. E vai continuar por prazo indeterminado.

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