Topo

Carlos Burle. Profissão? Surfar ondas de sete andares de altura

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

06/02/2015 06h00

Todos os sentidos estão a flor da pele quando Carlos Burle desce uma onda com sete andares de altura. A prancha chega aos 70km/h, vai quicando e quer desgarrar porque a superfície do mar fica turbulenta. A possibilidade de uma queda fatal se reflete fisicamente. “As pupilas dilatam, a visão periférica fica aguçada, a boca seca e o coração bate mais rápido”. Quando pega a prancha, o surfista brasileiro desperta o instinto mais primitivo: o de sobrevivência.

Mas se o corpo está a milhão a cabeça precisa ficar relaxada. “Se falar que não vai conseguir, cai” resume. O plano é manter a mente concentrada para reagir aos solavancos da onda, acreditando nos reflexos e no condicionamento de músculos, tendões e sinapses. Nos 47 anos de vida de Burle a fórmula tem se mostrado infalível.

Não significa que a tarefa virou rotina. A descarga de adrenalina despejada na corrente sanguínea é tão grande que mesmo fazendo acupuntura demora dois dias para voltar a normalidade. Neste período, o surfista fica bastante agitado e dorme mal.

Consequência de estar no topo da carreira de um esporte que começou a praticar em 1981. O então adolescente debutou nas praias de Pernambuco, estado em que nasceu. No ano seguinte, foi para Fernando de Noronha e conheceu ondas maiores. Achou sensacional. A primeira viagem para surfar fora do Brasil ocorreu em 1986, para o Peru, e trouxe a certeza de que precisava conhecer o Havaí. Realizar o sonho mudou um monte de coisas.

Nem o mar brasileiro em suas melhores condições se compara com o que existe nesta parte do mundo. Burle apostou a carreira nas ondas gigantes e foi recompensado. Com talento para dominar paredes imensas de água, tornou-se o primeiro big rider do país. Conseguiu destaque internacional e assim foi parar no primeiro Campeonato Mundial de Ondas Grandes. O resultado não podia ser melhor, desbancou todos os adversários. Não sem uma boa dose de drama.

Durante a competição, Burle foi atingido por uma prancha na cabeça e o local sensível começou a sangrar. Mesmo com vaga na final, os organizadores não queriam permitir a participar na decisão. Mas o surfista estava impassível e aceitou receber atendimento ali mesmo na areia. O médico falou que pontos borboletas podiam resolver a situação e ouviu a resposta obstinada. “Pode fazer ponto do bicho que quiser. Vou pra água”.

O brasileiro conta que a insistência se justificava porque sentia ser seu momento. Estava certo e depois de ganhar a competição começou a estruturar a carreira. Abriu um escritório e investiu numa assessoria de imprensa para explicar o que eram ondas gigantes aos jornalistas. Resumindo, acima de 20 metros. A fama dele foi crescendo e hoje integra a equipe de esportes radicais da Red Bull, o que rende muitas oportunidades e desafios.

Burle lembra que certa vez recebeu uma ligação da empresa informando que estava sendo montado um projeto para surfar um tufão no Japão. Lógico que não era possível prever que dia o fenômeno ocorreria e por seis meses ele precisou acompanhar as previsões climáticas e estar sempre treinado. Na data, pegou dois aviões, um trem e um táxi apenas com um mapa na mão e nenhuma palavra em japonês no vocabulário.

E a rotina dele é assim, estar sempre preparado para pegar ondas que fazem quase todos os surfistas enssacarem as pranchas. Entre novembro e março, fica no Havaí e no restante do ano vai para onde a meteorologia definir. O que nunca muda é a condição de caçador de tempestades. São elas que trazem as ondas gigantes.

Tantos anos no esporte fazem de Burle uma espécie de tutor de novos praticantes e a pensar no dia de pendurar a prancha. Sairá com alguma frustração por causa da famosa onda que pegou em Nazaré, Portugal. Ele impressionou o mundo, mas não homologada pelo Guiness Book. A imagem de 2013 foi vista por 5,7 milhões pessoas somente no You Tube e ganhou comentários como arrepiante, fantástico, suicida.

Um professor da Universidade de Coimbra atestou que tinha entre 32 e 35 metros. Ele fez a comparação com a onda que deu o recorde ao americano Garrett McNamarra, estimada em 30 metros, e afirmou que a do brasileiro era maior. Burle reclama porque o oponente é americano e o Guiness também. Lamenta que a verificação seja feita por um grupo de surfistas amigos ao contrário de profissionais e declara que assim o esporte saí perdendo.
“Sei que eu surfei a maior onda do mundo”.

De qualquer maneira, não há como negar que o brasileiro é dono de uma colossal dose de coragem na profissão escolhida. Burle garante que sente medo e que isto é importante, mas o essencial é estar bem mentalmente. Fala com autoridade, só que a tecnologia também trata de dar uma mãozinha caso algo saia do controle. As roupas usadas tem maior flutuação, os atletas vestem um colete de oxigênio que pode ser acionado para chegar mais rápido a superfície e a prancha é mais pesada para aguentar o impacto com a água.

Nem toda está preparação livra os surfistas de sustos, como aconteceu com Maya Gabeira em 2013. Ela caiu na mesma praia de Nazaré e Burle pilotava o jet ski do resgate. Quando chegaram na areia a atleta estava inconsciente. Um salva-vidas fez os primeiros procedimentos, recuperação cardio-pulmonar e veio o vômito.

Burle explica que a Maya ficou duas ondas embaixo d’água e não teve forçar chegar ao jet ski mesmo que ele estivesse bem perto. Percebendo a gravidade da situação e o que aconteceria se não agisse, mandou que a atleta agarrasse uma corda e acelerou em direção a praia. Só que no caminho Maya perdeu a consciência. O brasileiro chegou na areia com a amiga nos braços. Um baita susto até os primeiros socorros se mostrarem eficientes.

O surfista conta que não é uma situação normal, mas que na hora só pensou no que precisava fazer. A mesma concentração e cabeça fria que trabalha para domar uma onda gigante entrou em ação e garantiu outro final feliz.