Surfista brasileiro muçulmano quase foi barrado nos EUA pelo nome polêmico
Já imaginou chegar a um país para exercer a sua profissão estando com toda a documentação em ordem e ainda assim ter sua entrada barrada pelos oficiais de imigração simplesmente por ter um nome um pouco diferente? Um surfista brasileiro que competiu por anos na elite mundial e chegou a ocupar a 11ª colocação do ranking mundial teve de lidar com esta situação desagradável e constrangedora.
Filho de libaneses e muçulmano, Jihad Khodr quase foi impedido de entrar nos Estados Unidos em 2003 para disputar etapas do circuito mundial. Os policiais americanos suspeitavam que ele pudesse ter ligação com algum grupo terrorista. Dois anos antes, o país tinha sido alvo do maior atentado de sua história.
"Cheguei no aeroporto e me levaram para uma salinha, onde fiquei várias horas respondendo várias perguntas antes de me liberarem. Os policiais me explicaram o momento que o país passava. Eu mostrei que já havia ido várias vezes ao país e nunca tinha tido problemas. Mas minha situação não ajudava muito (risos). Meu nome é forte, estava barbudo, meio largadão e com um monte de prancha que eles imaginavam que podia ser outra coisa. Ali na hora fiquei nervoso, achava um absurdo. Mas entendi a preocupação deles", relembra Jihad, que foi liberado após conseguir provar que era surfista profissional e ainda pagar uma taxa de US$ 200 para poder seguir viagem para a Califórnia para disputa do Aberto dos Estados Unidos de Surfe.
Numa tradução livre do árabe, Jihad é um conceito essencial da religião islâmica e significa empenho, esforço, resistência. Porém, na Idade Média, o termo passou a ser sinônimo de“Guerra Santa”, maneira pela qual é conhecido popularmente até os dias de hoje e ainda desperta polêmica e muitas discussões entre estudiosos do Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.
“O meu nome é bem forte mesmo, mas foi ele que meus pais quiseram dar. Meu filho que tem hoje quatro anos chama-se Gabriel por causa do anjo. Chamar Jihad foi meu karma, mas nunca sofri grandes preconceitos por conta disso, apenas esta vez nos EUA”, diz o surfista.
Em 2006, ele voltou a ser barrado nos Estados Unidos, em Dallas, e desta vez acabou deportado. Os oficiais de imigração exigiam que ele apresentasse um visto de trabalho para poder seguir ao Havaí onde competiria nas últimas etapas do WQS em busca de um lugar na elite em 2007. Só contava com a documentação de turista, que nunca havia lhe trazido algum problema deste tipo. Foi posto de volta no avião.
Na volta a São Paulo, conseguiu regularizar a documentação e embarcou de volta para o Havaí.
A relação com o islamismo trouxe outro problema a Jihad em 2007. Em agosto daquele ano, disputou as etapa do WQS de Lacanau (FRA) e San Francisco (EUA) com um rosto idêntico ao de Osama Bin Laden em sua prancha. Levou um puxão de orelhas do patrocinador, que depois viria a retirar o apoio.
“Eu tinha o apelido de Osaminha aqui no Brasil por conta do nome e da religião. Fiz esta pintura na prancha, mas te garanto que não tinha nada a ver com o Osama Bin Laden. Sou um cara totalmente da paz. Era o rosto de um sheikh amigo da minha família. Não sabia que causaria todo este estrondo na época”, que aposentou aquela prancha rapidamente.
VIDA NOVA E DROGAS NO PASSADO
Hoje, Khodr tem 31 anos e vive com a família em Matinhos, no litoral paranaense e ajuda o pai numa loja que vende artigos de praia. Acorda todos os dias por volta das 5h da manhã para fazer uma das cinco orações que os muçulmanos são obrigados a realizar ao longo de um dia, sempre em direção à Meca.
Continua a surfar, mas deixou de rodar o mundo com a prancha embaixo do braço. Em 2015, seu foco está na disputa do Circuito Brasileiro, que será reativado com a realização de quatro etapas ainda em datas indefinidas. Seu último título no exterior foi em 2013, no WQS de Mar del Plata (ARG).
E neste circuito nacional, o surfista tentará seu terceiro título. Afinal, foi bicampeão do Supersurf (o antigo campeonato brasileiro). A vitória de 2007, entretanto, foi cancelada e ele passou quase um ano suspenso. Isso porque não apareceu para fazer um exame antidoping obrigatório no dia exigido.
Aquele era um período complicado para Jihad, como ele mesmo conta ao UOL Esporte.
“Eu seguia competindo bem e ganhando porque tinha força e o dom para surfar. Mas estava viciado, usando drogas. Bebia muito e cheirava cocaína. O dinheiro que ganhava era usado para comprar drogas. Eu estava dormindo acordado e foi assim até 2009, quando tinha 25 anos”, afirma.
“A partir daí, foi um renascimento. Hoje, estou livre de tudo, os problemas foram superados. Cuido muito do meu corpo, da minha alimentação, me preocupo muito com a questão espiritual. Mas garanto que não chegaria ao ponto que estou se não tivesse passado por tudo isso”, conta Jihad.
Amante do surfe, Jihad vê com bons olhos o momento da modalidade no país e afirma que o título mundial ganho por Gabriel Medina no ano passado é um grande divisor de águas.
“Teve uma galera que abriu as portas no passado e eu também sou da geração mais antiga. Fico muito feliz por termos um novo (Kelly) Slater que se chama Gabriel Medina”, conclui.
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