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A prancha contra as drogas: surfe ajuda a recuperar dependentes químicos

Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

26/09/2015 12h00

Geralmente associado a um estilo de vida saudável, o surfe não está imune às drogas. Elas entram na vida dos surfistas e transformam a rotina de praia, sol e mar em uma mera desculpa para se intoxicar. Psiquiatra em Curitiba, José Leão conhece bem essa história. Vários de seus pacientes eram adeptos do esporte antes de se tornarem dependentes químicos. A solução encontrada por Leão? Devolvê-los ao surfe e fazer da prancha uma aliada na recuperação.

Das drogas às ondas

Há oito anos trabalhando em uma clínica para dependentes químicos, Leão organiza o grupo de “surfe seguro” desde 2010. Ele sempre incentivou seus pacientes a praticarem exercícios físicos, mas notou que uma boa parte deles gostava mesmo era de surfar. Como o próprio psiquiatra também curtia pegar ondas, decidiu bolar uma maneira de "reatar" a relação dos jovens em tratamento com as ondas.

“Os pacientes não podiam surfar sozinhos porque, para muitos deles, o antigo ambiente do surfe estimulava o uso de drogas”, explica Leão. “Por isso, sugeri que começássemos a descer para o litoral para surfar juntos. Eles gostaram da ideia e nos reunimos para discutir como seria a viagem”. Desde então, o psiquiatra desce para as praias da Ilha do Mel, no litoral paranaense, e para algumas praias de Santa Catarina, com seus pacientes em média uma vez ao mês.

“Juntos, os jovens mudaram suas relações com o surfe. Ao invés de começarem a usar drogas já na viagem para o litoral, eles foram conversando sobre seus problemas, ouvindo música. E descobriram como é pegar onda sem estar sob o ofeito de alguma substância”, comemora Leão.

Regras rígidas

O número de participantes que descem ao litoral para surfar varia a cada vez. Eles normalmente usam seus própios carros para a viagem, e alguns passam a descer por conta própria depois que terminam seus tratamentos. Para não colocarem seus tratamentos em risco, porém, os adeptos do “surfe seguro” têm regras rígidas: quem quiser entrar no grupo precisa ser aceito pelos demais. Na hora de surfar, nada de se afastar do grupo, e seus integrantes evitam praias antes usadas por eles para o consumo de drogas.

Leão conta que, além da maconha, o uso de cocaína, e mesmo do crack, é mais comum do que se imagina entre surfistas. Além disso, o psiquiatra esclarece que não é apenas o surfe em si que traz benefícios aos pacientes. “Você precisa ter um bom condicionamento físico para surfar. Por isso, pacientes que antes eram sedentários passaram a se exercitar e melhoraram muito a saúde no geral”, explica o psiquiatra. Leão diz que, em cinco anos de viagens às praias, nunca teve problemas com alguma recaída de um paciente.

34 quilos a menos

Fernando Vianna é um dos que viram o surfe transformar sua saúde. Além de se recuperar da dependência química, hoje ele pesa 58 quilos. No auge de seu sedentarismo, chegou aos 92 quilos. “Eu descia para a praia com os amigos e a viagem já era uma hora e meia de chapação.  E continuava quando chegávamos”, lembra Fernando. Hoje com 33 anos, ele diz que só quando passou a pegar ondas com os colegas de tratamento se deu conta de que não surfava "de verdade" há dez anos. “Rolava maconha, ácido, cocaína. E só não usei crack porque nunca me ofereceram”, diz Fernando. Para ele, "parar de usar drogas não é difícil". "É só enjaular o cara. Difícil é melhorar a pessoa”.

Fernando - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Fernando em ação no mar. "Só não usei crack porque não me ofereceram"
Imagem: Arquivo pessoal

O surfe sem o crack

“Se eu soubesse como era o surfe sem as drogas, teria experimentado muito antes”, confessa Bruno Mayer. O jovem de 26 anos é outro integrante do grupo do “surfe seguro”. “Você aprecia mais as coisas. Antes, eu ficava uma hora no mar e já saia para usar drogas. Agora passo quatro, cinco horas surfando, vejo melhor cada onda”, diz Bruno.

O ex-paciente foi internado depois que seu irmão notou que as coisas não iam bem. “Mas ele achou que era só maconha. Aí o médico disse que tinha mais drogas envolvidas”, conta Bruno. E realmente tinha: o jovem já estava usando crack.

Bruno - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Bruno só descobriu o surfe "verdadeiro" quando largou as drogas
Imagem: Arquivo pessoal

Para ganhar a vida, Bruno se veste de Batman para animar festas infantis. “Ainda bem que fui internado. Senão, meu futuro seria o de todo usuário de crack: crime, cadeia ou caixão”, diz ele.