Topo

Simplicidade e isolamento são segredos de Larri em seu celeiro de tenistas

Thomaz Bellucci faz treinamento com Larri Passos em Camboriú, em Santa Catarina - Rafael Krieger/UOL
Thomaz Bellucci faz treinamento com Larri Passos em Camboriú, em Santa Catarina Imagem: Rafael Krieger/UOL

Rafael Krieger

Em Camboriú (SC)

20/12/2010 07h01

A academia onde o técnico Larri Passos formou Gustavo Kuerten e atualmente treina Thomaz Bellucci não tem luxo moderno, placas luminosas e nem fica exatamente em Balneário Camboriú, como se costuma divulgar. O UOL Esporte se perdeu em estradas de paralelepípedo e pediu informações até chegar ao isolado bairro de Rio Pequeno, vilarejo situado em meio às colinas da mata atlântica no município de Camboriú, a oito quilômetros do famoso Balneário. Quando se enxerga a placa com o nome “Instituto Larri Passos” talhado em madeira, percebe-se que a simplicidade é a regra do lugar que produziu um número 1 do mundo e continua recebendo as maiores promessas do tênis brasileiro.

A reportagem chegou no meio do treino da manhã, que foi realizado na quadra coberta de cimento por causa da chuva. Isso depois que Bellucci já tinha feito trabalho físico junto com Tiago Fernandes, que venceu o Aberto da Austrália juvenil, e Marcos Daniel, o veterano gaúcho que terminou quatro temporadas no top 100, inclusive a última. Além dos brasileiros, havia o taiwanês Tsung-Hua Yang. Eram 10 horas da manhã, e eles bateram bola sob os gritos do técnico até meio-dia. O cheiro de churrasco tomava conta do lugar, e comer seria a primeira coisa que eles fariam após tomar banho.

Uma pequena mesa de buffet servia comida caseira feita na singela cozinha do local para acompanhar o galeto e a lingüiça - preparadas em uma churrasqueira em frente à sala de ginástica pelo irmão de Larri, que também toma conta do local. O almoço foi animado e contou com a presença dos tenistas que estavam na quadra e alguns dos outros 27 jovens que treinam no instituto. O duplista André Sá chegou bem na hora e se juntou ao papo, relembrando histórias de fuso-horário. Bellucci e Fernandes só ouviam, talvez pensando na turnê do outro lado do mundo que eles vão fazer em janeiro para disputar o Aberto da Austrália e outros torneios.  

Na hora do café, tenistas e técnicos voltaram à rotina, e Larri aproveitou para relaxar com um café na pequena sala do refeitório, que fica entre a academia de ginástica e um jardim com algumas árvores nativas. Bem que ele poderia ter ido até sua própria casa, que fica dentro do complexo. Era só caminhar até a área externa, passar por uma das seis quadras descobertas, olhar para a montanha enevoada à sua frente e notar uma robusta residência de dois andares onde ele mora com a mulher e duas filhas.

FRASES DE LARRI

Não gosto de marketing, meu negócio é bola, é jogo. Marketing a gente faz só para o cara lá de cima

Tentei fazer tudo simples, para ter tudo na minha mão. É o que faz dar certo

Mas Larri preferiu ficar ali mesmo. “Quando a garotada vê que eu estou por aqui, tomo mundo já fica mais ligado”, explicou. Para ele, o foco no treinamento é um mantra. Por isso ele faz questão de manter tudo em equilíbrio, no mesmo ritmo da natureza em torno do local: “Aqui não tem máquina de Coca, Fanta, não tem loja, não vendo camisa do instituto do Larri, nada. O cara chega aqui e já sabe o que tem que fazer”.

Para manter o lugar, ele conta com as mensalidades dos alunos, as contribuições dos profissionais e alguma ajuda do governo estadual, que ele está pedindo só agora para iniciar a construção de mais quatro quadras. Afinal, vai começar uma parceria com a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) para ajudar a desenvolver o esporte. “Não gosto de marketing, meu negócio é bola, é jogo. Marketing a gente faz só para o cara lá de cima”, brincou Larri, assegurando que não tem lucro com o seu instituto. “Não ganho um centavo com técnicos que vêm de longe até aqui para filmar treinamento. Aqueles que aparecem de vez em quando, fazer uma pré-temporada, é só no ‘love’. O que importa é não ficar no vermelho”.

De fato, o instituto começou como vocação social, quando Larri construiu as duas primeiras quadras em 1994, um ano depois de adquirir a área de 7 mil metros quadrados. Depois, o técnico se revelou como formador de juvenis, e entre seus pupilos estava ninguém menos que Guga Kuerten. Mas a filantropia persiste até hoje. Ele chegou a atender 95 jovens da comunidade, e atualmente está apenas com 56. Dois deles são pegadores de bola nos treinos de Bellucci e companhia, e já jogam muito tênis, segundo o treinador. “Não é assistencialismo, porque isso não dá certo. Dou duro com eles”.

O CASO DA ENCHENTE

A aversão ao mercantilismo significa seriedade para Larri, que recebeu bem a imprensa naquela quinta-feira, mas não faz muita questão de chamar a atenção para o seu laboratório de tops.

Olhando para a chuva que não parava, ele se lembrou de quando Santa Catarina foi devastada pelas tempestades em 2008, e não fez cara de choro ao admitir que a sua academia teve parte da estrutura afetada sob meio metro de água barrenta.

"Não deixei ninguém divulgar, ninguém tirar foto. Com tanta gente que estava morrendo, não ia querer que olhassem para cá. Falei: 'Vamos reerguer tudo isso'".

É para não afetar esse trabalho social que Larri justifica a sua postura de recusar a maioria dos convites que recebe para ser treinador. “Um milhão a mais não vai me fazer diferença, vou continuar sendo o mesmo”, disse ele, depois de descrever Bellucci como “teimoso” por pedir, insistir e desafiar até fazê-lo ceder e aceitar treinar o tenista. O técnico se viu em uma missão, e reforçou que o dinheiro não foi a prioridade nessa decisão.

Afinal, ele ainda anda com um jipe pelas sinuosas estradas do bairro, e usa o seu Marea 2000 quando precisa ser mais formal para ir até o centro urbano de Balneário Camboriú. O carro de Larri é um amuleto: ele assegurou que não venderia por nada, e se tivesse que se desfazer dele, doaria para o instituto. Afinal, não se trata de apenas mais um carro.

Quando Guga ganhou o torneio de Stuttgart em 2001, ganhou uma Mercedes de US$ 100 mil, que fazia parte do prêmio. O tenista deu o carro de presente para Larri, que nem quis entrar no possante. Vendeu, foi para a concessionária no Brasil e comprou o carro mais rápido da época, um Marea. “Esses dias troquei o motor e os quatro pneus. Saiu quase mais caro do que comprar outro, mas desse eu não me desfaço”.

Terminou o café, e Larri precisava agilizar o treino da tarde – mais trabalho físico e troca de bola. Antes de se despedir da reportagem, ele falou sobre o que pensa ser o segredo do sucesso de sua academia. “Tentei fazer tudo simples, para ter tudo na minha mão. É o que faz dar certo, é assim que dá certo aqui no Brasil. O país precisa é disso aqui. Não adianta fazer alojamento, centro de treinamento, se não for sustentável. Não quero fazer isso aqui”, concluiu o gaúcho de 52 anos antes de voltar à quadra para arrancar suor da sua equipe.