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Eles pegam bola para os tenistas. E entregam quem são os mais irritantes

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

27/02/2014 10h00

José Ferreira Júnior não aproveitou um momento de sorte. Ninguém menos que Roger Federer entregou a raquete e disse num português macarrônico para o boleiro disputar o match point de uma partida de exibição contra o francês Jo-Wilfried Tsonga realizada em São Paulo ano passado. 

O garoto de 17 anos viu o primeiro serviço acertar a rede a 210km/h. “Acho que ele fez isso só para me assustar, para brincar. Se passasse eu nunca pegaria”. Mas o segundo saque veio fraquinho, quase morrendo. Ainda assim José errou em bola e até hoje é corneteado pelos colegas. “Eu tava nervoso e fechei o olho na hora de bater”, se justifica em meio as gargalhadas dos demais boleiros. Na sequência Federer consolou o garoto. Mais motivos de piadas. Os amigos dizem que desde o dia em que passou a mão na cabeça de Júnior ele nunca mais jogou bem. 

Pode não parecer, mas a garotada que entrega as bolinhas nos jogos de tênis tem um bocado de história. Normal para quem fica muito próximo aos jogadores durante as partidas. Reunidos no treinamento para trabalhar no Aberto do Brasil, os pegadores de bola revelam que existe inclusive uma lista negra de tenista e uma reservada aos queridinhos. Este último grupo tem o ex-boleiro João Souza, o Feijão, no topo.

A posição é um reconhecimento pelo comportamento dentro e fora de quadra. Ele conhece garotos pelo nome, é sempre simpático e conversa com os jovens nos corredores dos torneios. O diálogo também acontece no meio das partidas. Lucas Almeida, 18 anos, conta que já ouviu do brasileiro frases como “eu vou ganhar este ponto pra você”.

O entrosamento é tanto que ambos aparecem numa foto depois que Feijão ganhou o Aberto de São Paulo, no mês passado. “A gente se cruzou e ele falou que ia ganhar o torneio. Respondi que estava na hora porque ele bateu na trave várias vezes. Depois da cerimônia paramos na saída da quadra e tiramos a foto que está no meu Facebook”.

O brasileiro Caio Zampieri também figura na lista dos preferidos dos boleiros. E olha que o jogador teria motivos para não tolerar a garotada. Hoje os pegadores de bola contam e dão risada, mas ficaram constrangidos quando levaram uma bronca do tenista por causa do barulho que faziam em uma guerra de travesseiros dentro de um hotel em Goiás. 

No dia seguinte, Zampieri foi eliminado nas semifinais do torneio. Mesmo assim, não ficaram mágoas e no encontro depois da derrota ele falou que a bagunça podia rolar solta porque já estava fora da competição.

Lucas também lembra que já ganhou um dinheiro inesperado por causa do tênis. O argentino David Nalbandian descontou a raiva pelo mau desempenho numa partida do Aberto do Brasil do ano passado quebrando a raquete.

Terminado o jogo, um segurança pegou o que sobrou do lixo e entregou para o garoto que saiu de quadra com aquele pedaço de carbono retorcido. Um torcedor surgiu dizendo que era fã do tenista e queria comprar a raquete. “Pedi para que falasse um preço e ele disse R$ 150. Aceitei na hora porque se fosse para eu dizer um preço eu venderia por R$ 50”.

Mas também existem os dias ruins. Nenhum boleiro reclama abertamente, mas em conversas reservadas admitem que não são bem tratados por alguns tenistas. No topo da lista dos inimigos dos boleiros está o brasileiro Marcelo Demoliner. O fato de xingar e jogar a toalha no rosto dos pegadores de bola explica a falta de popularidade.

Ao saber da fama entre os boleiros, Demoliner disse “tô surpreso”. Ele afirmou que não costuma ter inimizades no circuito. Acrescentou que todos os árbitros gostam dele, que sempre é simpático com os fã e jamais se recusa a tirar uma foto. O tenista acredita que a situação não passa de um mal entendido. “Vai ver que em algum jogo mais quente eu descontei em alguém. Faz parte”.

Outros dois são espanhóis e frequentam a lista por causa das superstições. Três vezes campeão do Aberto do Brasil, Nicolas Almagro não gosta que a bolinha passe pelas costas dele. Na primeira vez avisa, na segunda reclama.

O número um do mundo, Rafael Nadal, chama atenção pelas manias. “Uma vez a bolinha foi na direção das garrafinhas, eu corri e ele gritou 'no!'”, lembra Lucas. O espanhol é conhecido por vários tiques e um deles é alinhar as garrafas perto da cadeira de descanso.