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Acabando em cerveja ou ameaça, Meligeni defende as provocações no esporte

Meligeni irritou marroquino; brasileiro defende provocação saudável no esporte - Reprodução/Associated Press
Meligeni irritou marroquino; brasileiro defende provocação saudável no esporte Imagem: Reprodução/Associated Press

José Ricardo Leite

Do UOL, em São Paulo

14/10/2014 06h00

Nos tempos em que o 'politicamente correto' deixou até o esporte chato, ainda há quem defenda a provocação como uma aliada para vitórias. É o caso de Fernando Meligeni, argentino naturalizado brasileiro que ainda hoje, 11 anos após sua aposentadoria no tênis, prega que o uso das palavras pode desestabilizar qualquer adversário. Ainda que isso possa lhe render algo mais grave no final, como uma ameaça de agressão, por exemplo, ou que termine numa noitada com cerveja.

Em entrevista ao UOL Esporte, o carismático ex-tenista e hoje apresentador e comentarista da ESPN relembrou alguns dos casos mais emblemáticos de sua carreira no que diz respeito à ira que ele conseguia despertar nos rivais. “Eu era um cara explosivo. Nunca fui santo", admite ele. Alguns, como o marroquino Younes El Aynaoui, queriam partir para a briga. Mas a maioria levava na esportiva. O carisma, a raça e a irreverência que cativavam o público também caíam nas graças dos tenistas.

“Tênis não é um esporte de santo, e não existe santo em nenhum lugar. Às vezes vejo essa coisa de ´ah, porque xingou o adversário´. Pode tudo, mas não pode um atacante falar besteira para um zagueiro, por exemplo? É muita hipocrisia. É como nas empresas: não tem gente querendo puxar o tapete? Isso pode e provocar no esporte não pode?”, explicou ele, para quem as provocações são saudáveis desde que se respeite a ética e as regras do esporte.

“Eu sempre digo que meu limite era a regra e nunca tive vergonha de falar que não era santo. Mas nunca roubei ponto, menti em alguma bola ou fiz mal a ninguém. Mas seu eu pudesse irritar e tirar sarro, estava dentro das regras.”

Meligeni não chegou a ganhar os títulos mais grifados como Grand Slam ou Masters 1.000, mas, com muita disposição, exigia o máximo dos rivais e tem no currículo vitórias sobre grandes nomes, como Pete Sampras, Gustavo Kuerten, Andy Roddick e Marcelo Rios, por exemplo, todos ex-número 1 do ranking. Chegou às semifinais de uma edição de Roland Garros (1999) e Jogos Olímpicos (1996), venceu um Pan-Americano (2003) e ganhou três títulos de simples da ATP.

Um dos exemplos de que é possível usar do artifício da provocação foi a famosa final em que venceu o chileno Marcelo Rios nos Jogos Pan-Americanos de 2003. A partida era a despedida de “Fininho” das quadras e teve muita dramaticidade, com o brasileiro salvando cinco match-points. Durante o jogo, muitos olhares e cutucadas de ambos os lados. Em uma famosa jogada, Meligeni gritou “aqui tem” e mirou olhares para o chileno. A frase até inspirou o nome de sua biografia oficial em que conta histórias do tênis. Mas ela não foi a única naquela tarde em Santo Domingo. Teve palavras piores de ambos os lados. E sabe como terminou tudo? Com cerveja depois.

“A gente se provocou o dia inteiro. Eu e o Rios não éramos caras assim tão amigos, mas eu me dava bem com ele. Quando nos cruzávamos, sempre tirávamos sarro. Eu chamava ele de gordinho, e ele me chamava de careca. Ele dizia no jogo que eu estava velho e acabado e não aguentaria um jogo de três sets. Eu falava que ele estava gordo e não chegava mais. A gente quase se matou no jogo, mas depois tomamos cerveja numa festa à noite e demos risadas juntos de tudo aquilo. Tivemos problemas no jogo? Sim, mas acabou depois.”

Se no mundo ideal do esporte a provocação é sadia e fica lá dentro, um amigo de Meligeni uma vez não entendeu bem assim e chegou querer levar a desavença para fora de quadra.

O marroquino Younes El Aynaoui ficou irritado quando Fininho abusou da catimba em um duelo entre ambos. Em um jogo no torneio de Barcelona, em 99, Meligeni fez de tudo para desestabilizar o rival e conseguiu. Com provocações e falas, tirou a concentração e ganhou o jogo.

Mas El Aynaoui não levou na esportiva. Após o jogo, ficou fora de si e muito irritado. O problema para Fininho era que o marroquino era grande: 1,93 m de altura e porte físico que metia medo. Hoje, ele lembra com bom humor da “ameaça” do rival e diz que as regras de boa conduta eram sua salvação naquele momento caso cruzasse com ele.

“A gente teve essa rusga em Barcelona e quase saímos no tapa. Mas éramos bem amigos. Foi um jogo tenso. Ei fiquei cutucando, cutucando até que depois do jogo ele queria me matar. A sorte era que agressão física dava um ano de gancho, eu estava sendo salvo pelas regras”, brincou. “Mas não xinguei ele de nada a mais. Tanto que depois voltamos a ser amigos”.

Aula de saibro para Sampras ano mágico de 99

O raçudo tenista teve sua melhor temporada no inesquecível ano de 1999, quando chegou até as semifinais de Roland Garros ao eliminar nomes emblemáticos da chamada Armada Espanhola, como Alex Corretja e Felix Mantilla. Eliminou também El Aynaoui e o australiano Patrick Rafter. Parou no ucraniano Andrei Medvedev, ex-número 4 do ranking.

Mas antes dessa campanha, fez o jogo que deve ser o que mais conta para seus filhos e amigos. No Masters Series de Roma, também no saibro, arrasou o norte-americano Pete Sampras, considerado por muitos o maior tenista de todos os tempos. Soube se aproveitar da impaciência do americano na quadra de terra batida e aplicou um fácil 6-3 e 6-1 no então segundo do ranking.

Sampras, depois do duelo, disse que levou uma “aula de tênis” do brasileiro. “Ganhei de muitos caras legais, como os espanhóis, Rios, Roddick e três títulos. Mas o Sampras era fodido. Foi um ponto fora da curva no tênis, um ponto muito fora da curva. Era considerado o maior de todos os tempos até o Federer aparecer. É muito legal ter isso no currículo. É aquele tipo de vitória que depois você pensa...'peraí, eu fui bom também, né, cara?'. Quando eu pegava esses caras, poderia jogar quatro ou cinco vezes que eu ganhava uma”, recordou.

“E foi muito legal isso que ele falou da aula de tênis. Um cara como ele dizer isso no dia seguinte, que tomou uma aula de saibro? Seria mais fácil pra ele dizer que jogou mal, que não estava num dia muito bom”, prosseguiu.

Meligeni celebra vitória fácil sobre Sampras no saibro de Roma - Reuters - Reuters
Imagem: Reuters