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Álvaro José encara pressão de ciclo olímpico da Record e relata broncas de filha famosa

Álvaro José será uma das vozes da Record nas transmissões do Pan e da Olimpíada - Edu Moraes/Record/Divulgação
Álvaro José será uma das vozes da Record nas transmissões do Pan e da Olimpíada Imagem: Edu Moraes/Record/Divulgação

Bruno Freitas

Em São Paulo

17/08/2011 07h00

Quem de alguma maneira acompanhou a aventura de atletas brasileiros em Jogos Olímpicos nas últimas três décadas certamente identifica a voz de Álvaro José em uma de suas lembranças. O veterano jornalista que já descreveu façanhas de Nadia Comaneci a Cesar Cielo será um dos líderes do ciclo de transmissões da Record, com o Pan deste ano em Guadalajara e a Olimpíada de Londres de 2012.

Em entrevista ao UOL Esporte, Álvaro José fala da responsabilidade de estar à frente do projeto olímpico da Record, emissora que pela primeira vez detém exclusividade nacional em dois anos seguidos de eventos olímpicos. O jornalista ainda revela inspiração em Galvão Bueno e Luciano do Valle em sua formação como narrador/comentarista, conta histórias da pitoresca cobertura dos Jogos de Moscou-1980 e relata as broncas que levava da filha Fernanda Paes Leme. Quando criança, a hoje famosa atriz da Globo odiava os períodos em que o pai passava meses fora em missões esportivas.

UOL Esporte: Você tem oito Jogos no currículo e já foi chamado de a “Voz da Olimpíada” da TV brasileira. Como é carregar um rótulo deste tamanho?

Álvaro José: Esse título começou com o Luciano do Valle que me chamou assim algumas vezes nos Jogos de Los Angeles-84 e de Seul-88, quando eu tinha resposta para tudo, bem antes do advento da internet e do Google. Em Los Angeles, a Band começou em quarto lugar no Ibope, atrás de Globo, Manchete e Record-SBT, para ir ao segundo lugar após três dias de competições e, em alguns momentos, fizemos o primeiro índice. Aí, antes dos Jogos de Atenas-2004, a revista Placar me convidou para sonorizar a história das Olimpíadas e colocou na caixa que a narração era de Álvaro José - A Voz das Olimpíadas. O rótulo não tem peso algum. Primeiro porque sempre me preparei para os eventos. Segundo, adoro o tema. Tenho livros que muitos nem sonham que existam, tipo o media guide (livro de imprensa) da União Soviética para as Olimpíadas de 84, boicotadas pelo bloco socialista. Livro que não deveria existir.

EMOÇÃO OLÍMPICA

Fazer esportes olímpicos no país do futebol é muito difícil

Álvaro José, jornalista da TV Record

UOL Esporte: A mídia brasileira é conhecida por favorecer o conteúdo de futebol. Neste contexto, como é se especializar em transmitir emoções em narrações de esportes olímpicos? Quais as dificuldades técnicas deste caminho que você trilhou?

Álvaro José: Pratiquei vários esportes e nenhum com brilhantismo, isso me ajudou muito a seguir esse caminho. Minha mãe jogou basquete na seleção brasileira. Meu pai foi uma referência no jornalismo esportivo [Álvaro Paes Leme] e dizia que médico, advogado e jornalista estuda e pesquisa até o final da vida. Eu me vejo como um generalista. Conheço vários esportes com alguma profundidade. Hoje, as emissoras utilizam os especialistas, ex-atletas das modalidades que enriquecem as coberturas com sua experiência pessoal.

A emoção eu assimilei de dois mestres. Comecei nos anos 70, na Band, com Galvão Bueno. Depois fui à Globo e trabalhei com ele e com Luciano do Valle. De volta à Band, Luciano me colocou para narrar algumas modalidades em que havia a necessidade de amarração de um comentarista - ginástica, atletismo, natação, judô, tênis e vários outros. Aí fui buscar a emoção nas sutilezas das regras de cada modalidade. Fazer esportes olímpicos no país do futebol é muito difícil.

GALVÃO E LUCIANO: OS MESTRES

Álvaro José diz que os dois narradores foram inspiração em sua formação na TV

UOL Esporte: A Record investiu pesado em profissionais com bagagem para a missão de levar com exclusividade aos espectadores brasileiros o Pan-2011 e a Olimpíada-2012. Dentro da emissora, qual o tamanho dessa responsabilidade para vocês que estão à frente deste projeto?

Álvaro José: A responsabilidade é enorme. A Record é uma emissora gigantesca com um projeto ambicioso. A empresa acredita nos esportes olímpicos e, para nós que estamos no projeto, é sensacional. Meu sonho sempre foi transmitir uma Olimpíada exclusiva na TV aberta e ele está sendo realizado.

Fui contratado pouco antes dos Jogos de Inverno de Vancouver, que foram um sucesso de transmissão e um marco na TV brasileira. Dezenas de horas de transmissão desde o Canadá mostrando modalidades que nada têm a ver com nossa realidade, mas de rara beleza plástica. Algo como o Cirque du Soleil, nem todos entendem, mas todos admiram e aplaudem. Assim foi a Olimpíada de Inverno. Creio que teremos um retorno significativo em Guadalajara e em Londres, com audiência significativa e reconhecimento nacional. Pelo menos foi assim em outras transmissões que tive o privilégio de participar.

UOL Esporte: Você frequenta o ambiente olímpico desde Moscou-1980, deve ter boas histórias das primeiras transmissões, ainda sem a estrutura de hoje das emissoras brasileiras. Você recorda de alguma curiosidade destes anos?

Álvaro José: Moscou fiz pela Rádio Bandeirantes. Foi uma experiência incrível andar na capital dos soviéticos, num dos maiores momentos da Guerra Fria. O maior foi a crise dos mísseis em Cuba nos anos 60, mas em 1980 a União Soviética invadiu o Afeganistão e várias nações ocidentais boicotaram os Jogos. Felizmente o Brasil do governo militar não entrou nessa e pudemos ver momentos incríveis como o início do Ricardo Prado na natação, Oscar e Marcel no basquete e o surgimento da geração da prata no vôlei. Além disso, teve Nadia Comaneci [ginasta romena], a melhor atleta do século 20.

  • Reprodução/Divulgação

    Álvaro José conta que a filha Fernanda lidava mal com sua ausência na infância: "pai porcaria"

Curiosidades? Todos os andares de todos os hotéis de Moscou tinham recepção própria e mulheres imensas tomando conta e checando tudo. A KGB [antiga agência de segurança soviética] dominava. Quando perdíamos o ônibus da imprensa era fácil chegar na TV falando em russo – Gosteleradio (a TV) Stankina (o bairro) e Koroliev (a rua). E lá ficávamos no sol de 40 graus e várias vezes transmiti sem camisa, com boné. Histórias, tenho dezenas que farão parte de um livro que está sendo escrito.

UOL Esporte: Parece que, quando criança, sua filha Fernanda Paes Leme [hoje atriz da Globo] tinha dificuldades para lidar com suas constantes viagens pelo mundo. Isso acontecia mesmo?

Álvaro José: Aconteceu. Em 1986 emendei três meses de eventos na Europa - Goodwill Games em Moscou, Mundial de basquete feminino na Romênia, Mundial de natação em Madri, Mundial de vôlei feminino na Tchecoslováquia e Mundial de vôlei masculino na França. Eu ligava para casa e quando a Fernanda, com três aninhos, falava comigo, me chamava de "pai porcaria". Na verdade ela sempre foi muito ligada a mim nos primeiros anos. Tinha dor de barriga e deitava na minha barriga e aí se acalmava. Em 1986, com três anos, ela sentiu muito a minha falta e se apegou mais à mãe. Hoje, Fernanda e meu filho Alexandre são muito unidos.

CINCO NARRAÇÕES MARCANTES

A pedido do UOL Esporte, Álvaro José lista as cinco narrações mais marcantes de sua carreira com o esporte na televisão brasileira:

1) Joaquim Cruz, Los Angeles-84, vitória nos 800 m rasos batendo o recordista mundial da época, (o inglês) Sebastian Coe. Narrei dentro do programa da Hebe Camargo na Band.

2) Aurélio Miguel-Seul 88 e Rogerio Sampaio Barcelona 92. Aurélio trabalhou comigo na Record no Pan 2007 e Rogerio está na emissora hoje.

3) Michael Jordan-98. O último título do Chicago Bulls, sexto campeonato do Jordan. Emocionante.

4) Cesar Cielo no Pan 2007 , na Record e Pequim 2008, na Band.

5) Jogos de Inverno 2010. As finais da patinação individual - masculina e feminina. Emoção na patinação é um exercício de imaginação.