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Atletas contam o que acontece quando a carreira acaba após um acidente

Adil, ex-jogador do Corinthians, teve a carreira interrompida após um acidente de carro - Arquivo pessoal
Adil, ex-jogador do Corinthians, teve a carreira interrompida após um acidente de carro Imagem: Arquivo pessoal

Verônica Mambrini

Do UOL, em São Paulo

07/04/2014 06h00

Quando Laís Souza se acidentou em 28 de novembro, na cidade de Salt Lake City, nos Estados Unidos, durante os treinos para os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, na Rússia, a única certeza é que tudo seria diferente dali em diante. Ela foi socorrida imediatamente, mas teve uma lesão na vértebra C3, o que torna seu acidente bastante grave. Laís irá passar por uma longa e lenta recuperação, e não se sabe até onde ela vai recuperar a autonomia.

O Comitê Olímpico Brasileiro lançou uma “vaquinha” polêmica, para arrecadar dinheiro para a ex-atleta, apesar de contar com duas apólices de seguro, uma do COB e outra da Confederação Brasileira de Desportos de Neve (CBDN), que estão cobrindo as despesas médicas. A arrecadação irá ajudar Laís a reestruturar a vida depois que sua recuperação estiver consolidada. A vaquinha levantou a questão: quem tem que pagar a conta de acidentes e lesões de atletas?

Em 2006, o piloto Cristiano da Matta passou por uma fatalidade: um cervo atravessou a pista durante testes com um carro da equipe RuSPORT na Road America. Ele ficou em coma e passou por um bom par de anos de reabilitação. “Em 2006, eu não tinha nada. Eu tinha seguro médico, mas seguro de vida, que cobrisse o salário, não dava para fazer. Era muito caro, não fazia sentido para mim. Eu tinha 33 anos e meu plano era mais para frente correr com carro protótipo e corrida de endurance”, diz Da Matta. “Dá para alongar a carreira até os 45 anos de idade, senão mais. De repente o acidente me forçou a parar por motivos médicos.”

No período de recuperação, Cristiano se sustentou com uma reserva vinda do automobilismo. “Os resultados que eu obtinha trouxeram patrocínio rápido. Mudei de categorias, ganhei um concurso da Caixa Econômica Federal”, diz Da Matta. Nos primeiros dois anos depois do acidente, os médicos recomendaram que Da Matta não voltasse às pistas. “Eu ganhava alguma coisa de seguro médico da categoria. Dava para pagar as contas porque eu estava morando de volta na casa dos meus pais.”

Nessa época, o piloto começou a trabalhar os irmãos, que estavam abrindo empresa de acessórios para ciclismo. Da Matta preencheu o tempo da recuperação testando novos produtos e assumindo fluxo de estoque e de caixa, mas com planos ainda de voltar ao automobilismo. Ensaiou um retorno para os Estados Unidos, para categorias de endurance, mas o retorno coincidiu com a crise econômica dos EUA e a tentativa não deu certo.

“Em 2009, voltei 100% para a DaMatta Designs com meus irmãos. Não pensava que seria meu futuro para sempre, mas estou bem. A empresa estava crescendo na época e foi legal participar disso”, diz. “Tudo que eu consegui fazer no automobilismo virou uma reserva. Não sou dono da empresa, mas sou irmão dos donos. E é o que me banca. O que seria se não tivesse a DaMatta? Boa pergunta”, diz o ex-piloto.

Para o ex-ponta esquerda Adil, a esperança de voltar ao futebol ainda está no ar. Há 14 anos, ele sofreu um acidente no banco do passageiro de uma BMW, no interior de Minas Gerais. “Para ser muito franco, nunca pensei que podia me acontecer um acidente. O atleta nunca está preparado para parar. Eu até hoje vivo esse momento de insegurança, de sonhar que estou indo pra concentração, pro jogo. Alguns poucos atletas se preparam pra parar, mas é muito difícil.” Depois da recuperação – Adil chegou a ficar tetraplégico, e hoje caminha com auxílio de muletas e consegue dirigir – ele acompanha ardorosamente o futebol pela tevê e cuida da casa onde mora com seus três cachorros.

Com uma aposentadoria por invalidez, Adil não passa necessidade, mas simplificou o padrão de vida. “Você não pode ter mais a vida que tinha quando jogava, tem que pisar no freio. Consegui me aposentar por invalidez. Hoje tenho uma vida modesta, simples, e sou muito feliz. A aposentadoria banca o básico. Dá para pagar as contas, pra quem vive no interior, como eu vivo.” Quase sem reserva financeira quando ocorreu o acidente, Adil contou com o plano de saúde e a ajuda de amigos para se recuperar. “Uns 90% do que eu gastei – passei 3 meses e meio no hospital, um mês na UTI – o plano cobriu. Só de hospital deve ter sido uns R$ 150 mil.” Fora do hospital, ele teve ajuda de um amigo, que cobriu parte das despesas com clínica particular e remédios que vinham de fora. “Foi um fator fundamental para que eu fizesse o que eu queria, trabalhar na minha recuperação.”

Mas voltar ao futebol, em algum cargo de gerência, é um pensamento que volta a cada dia. “Cabeça vazia é oficina do diabo. Eu penso todo dia em fazer alguma outra coisa, mas acabo voltando pro futebol. Tá no sangue. Não desisti de ter convite de ser um gerente pra um clube, passando minha experiência de vida e do futebol”, diz o ex-jogador. Embora tenha feito palestras em universidades e ONGs, não cobrou por nenhuma. “É importante passar experiência de vida para essas pessoas. Mas talvez eu passe a fazer palestras cobradas.”

As palestras, que muitas vezes tocam nos temas da recuperação e superação, são hoje o principal rendimento do velejador Lars Grael. Vítima de um acidente que decepou sua perna em 1998, na época vivia exclusivamente da vela. Dois anos depois, começou a fazer as palestras. O velejador calcula já ter feito mais de 400 delas. “Passaram a ser meu carro-chefe, e a vela mudou para atividade paralela. Não estaria financeiramente confortável sem as palestras”, diz o velejador que também passou sete anos e meio em cargos públicos ligados a pasta de Esportes, depois do acidente.

Lars teve um seguro previdenciário que garantiu uma indenização de invalidez parcial. “Permitiu que eu organizasse minha vida a partir dali”, diz. “Acho importante que um atleta que ingresse numa equipe olímpica ou paraolímpica receba um plano de previdência, para poder pensar no dia em que vai encerrar sua carreira, ter um dinheiro acumulado. Se o atleta tiver um plano pela sua confederação ou comitê, pode reprogramar sua vida de forma mais sólida diante de um percalço. O caso da Laís pode ser fundamental para mudar isso”, acredita.

Precauções financeiras valem não só para uma aposentadoria precoce: o tenista de dupla Bruno Soares quase passou por apertos depois de uma lesão que o deixou longe das quadras por dois anos. “Diferente do caso da Laís, eu tive um problema físico de uma gravidade menor. Eu tinha 23 anos e nunca tinha pensando em parar de jogar tênis ou aposentar. Você trata a lesão na esperança de voltar logo”, diz. Nessa época, ao ver que seu futuro no tênis estava incenrto, Soares abriu uma academia. “Precisava pagar contas, ganhar dinheiro de algum lado”, lembra.

O negócio foi bem nos primeiros anos, ajudou o atleta a fazer sua recuperação com mais tranquilidade. “Sem a academia ia ser bastante complicado. Eu não ganhava muito bem quando machuquei. Estava investindo na minha carreira, foi por causa do pé-de-meia que fiz com a academia que pude investir na carreira quando voltei a jogar”. Hoje, o tenista não deixa todos os ovos numa única cesta. “Voltei ao tênis fazendo coisas paralelamente. Você não sabe quando um momento ruim vai chegar.” E não pensa em se aposentar tão cedo. “Quero jogar pelo menos mais uns 8 anos.” Por hora, ele faz alguns einvestimentos e está fazendo faculdade de marketing, à distância. “É um passo avançado, pensando no futuro.” 

Com histórias e estratégias diferentes para lidar com lesões e acidentes, os atletas têm em comum uma opinião: não dá para começar pensando na lesão ou no acidente. “O atleta pode eventualmente aprender, estudar, ler, e começar a se interessar por coisas fora do mundo que ele vive. Mas não deve desviar do foco do esporte pensando nisso. Fatalidades acontecem.”