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Como treina um equilibrista que atravessará dois prédios de 193 m de altura

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

17/10/2014 06h01

Sempre que trabalha, Nik Wallenda, 35 anos, é chamado de maluco. Integrante da sétima geração de uma família de equilibristas, ele ganha a vida atravessando prédios, as Cataratas do Niágara e até o Grand Canyon numa corda bamba. O dono de oito recordes no Guiness Book tem novo desafio marcado e em 2 de novembro vai ter mais gente falando que é loucura uma pessoa segurar uma espécie de bastão gigante enquanto caminha sem qualquer tipo de proteção sobre um cabo que liga dois arranha-céus de Chicago numa altura que chega a 193 metros.

Na vida dos espectadores será um momento com o coração na boca, ainda mais porque serão duas travessias e a segunda com os olhos vendados. Mas para Nik apenas rotina. Ele treina desde que se conhece por gente, aos 2 anos de idade, e tem se aventurado nestas apresentações a partir dos 13 anos. “Passo mais ou menos uma hora de treinamento na academia. Quatro ou cinco horas por dia nos cabos apenas treinando. Caminhando e caminhando, ficando mais confortável, mais familiarizado.”

E se em Chicago a imensa maioria do público estará nervosa como a iminência de uma tragédia, a família de Nik não compartilha desta preocupação A mulher e os filhos vão assistir, mas ele acredita que os garotos estarão jogando videogame quando a travessia começar e considera isso normal. “Não é que quando eles tinham 15 anos eu cheguei e falei vou começar a caminhar na corda bamba. Eles me viram assim por toda a vida. Por causa disso é muito normal para eles. Eu caminhei milhares de milhas nos cabos e meus filhos viram todas essas ocasiões.”

O evento de Chicago será transmitido ao vivo para todo o mundo pelo Discovery Channel e um termômetro da confiança de Nik é que ele já tem planos para depois do espetáculo. Ele sabe que os parentes e amigos mais próximos vão assistir ao evento e prevê um um jantar com todos mais funcionários da emissora além de uma festa.

Não que o equilibrista ignore que atua num ramo para lá de inseguro. Com a responsabilidade de um profissional, explica que faz algo absolutamente perigoso, mas justifica que passou a vida inteira treinando. Ressalta que a família Wallenda está em atividade há 200 anos.

Tanto tempo se arriscando rendeu capítulos tristes. A família fazia um número de pirâmide humana com sete andares em Detroit no ano de 1962 quando alguns integrantes perderam o equilíbrio e todos desabaram. Richard Faughnan e Dieter Schepp não resistiram. O obituário da família foi engrossa no ano seguinte. Rietta Wallenda caiu enquanto fazia uma escalada numa apresentação em Omaha.

Richard Guzman morreu ao encostar equipamentos da travessia na rede elétrica em 1972. Mas o caso mais emblemático foi do bisavô de Nik que morreu em uma apresentação em Porto Rico. Karl Wallenda estava com 73 anos quando participava de um evento promocional na cidade de San Juan em 1978.

Na ocasião, o público percebeu que enfrentava dificuldades de se equilibrar. Mesmo se abaixando para não cair, ele não conseguiu evitar a queda fatal. Tudo foi filmado. Muito se falou do vento, mas o Nik tem opinião diferente.

“Meu bisavô perdeu a vida porque o cabo não estava bem fixado, movendo-se abaixo dos pés dele. Ele fez tudo certo, não teve nada a ver com o vento como muitos disseram. Vendo o vídeo é possível ver que o cabo não está estabilizado.”

Nik nasceu no ano seguinte, não chegou a conhecer o avô. Em 2011, junto com a mãe, Delilah Wallenda, fez o mesmo percurso numa homenagem ao homem que inspirou o equilibrista. Os erros também ensinaram. Ele se abastece de todas as informações possíveis a respeito do desafio. Sabe como o cabo se comporta, a inclinação, a distância a ser percorrida e treina mentalizando o local da travessia. Nik diz que se imagina com a Chicago abaixo dele, os sons, o cheiro e o vento da cidade.

Também há limites. A apresentação será suspensa se os ventos passarem de 80 quilômetros por hora, houver raios ou gelo no cabo. Se nada disso acontecer, a perícia de Nik será colocada a prova mais uma vez em 2 de novembro num local conhecido como a cidade dos ventos. Para garantir que tudo sairá bem o equilibrista apenas mantém a rotina. Ele não treina para um espetáculo, mas como estilo de vida.

“Começo no solo e depois 27 metros de altura. No treino eu arrisco minha vida a cada vez. Perdi quatro membros da família a 9 metros de altura. Estou três vezes mais alto que isto somente nos meus treinos.”

Nik está certo que no dia seguinte vai dar entrevistas falando do grande feito que impressionou pessoas mundo afora. Tirando o interesse da imprensa e a estupefação do público, a família vai encarar tudo como mais um dia.