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Reabertura de Cuba empolga atletas. Mas viver no Brasil ainda é melhor

Leal, do Cruzeiro, ficou dois anos sem jogar por restrição do governo cubano - Luiz Pires/VIPCOMM
Leal, do Cruzeiro, ficou dois anos sem jogar por restrição do governo cubano Imagem: Luiz Pires/VIPCOMM

Daniel Brito

Do UOL, de Brasília

12/02/2015 06h00

Carlos Miralba, nasceu há 32 anos em Havana, mas vive desde 2007 no Brasil. É ponta-esquerdo da equipe de handebol da Metodista de São Bernardo, cotado até para defender a seleção brasileira, caso seu processo de naturalização se conclua com rapidez - e o treinador decida convocá-lo. Em quadra, é rápido e forte, tem a simpatia de Jordi Ribera, espanhol que comanda o selecionado brasileiro. Até já foi convidado a participar de treinamentos da equipe.

Ele é casado com uma brasileira e se diz adaptado ao país. Deixou Cuba em 2006, quando representava seu país nos Jogos Centro-Americanos, na República Dominicana. Saiu do hotel da delegação, entrou no carro de um amigo e não voltou mais a representar seu país. Segundo ele, foi punido por esse ato com oito anos sem poder pisar na ilha. Sanção que já prescreveu.

Apesar do histórico, ou talvez por causa dele, fala com muito entusiasmo do atual cenário político cubano. “Estávamos todos torcendo por isso”, disse Carlito, por telefone, ao UOL Esporte. “Eles lá em Cuba, e a gente aqui, de fora.”

A queda do bloqueio diplomático, a reabertura das relações entre Estados Unidos e Cuba foi celebrada pelos atletas da ilha caribenha que vivem e competem no Brasil. “Não conheço uma só pessoa que esteja triste com essa notícia”, avisou o gigante Yoandri Leal, do alto de seus 2,00m de altura. Ele é ponteiro do líder da Superliga, o Cruzeiro, terceiro maior pontuador da temporada e quarto melhor nos bloqueios.

Em setembro de 2013, o presidente Raúl Castro deu início ao processo de abertura esportiva do país, fato consolidado em 2014. Depois de 50 anos de proibição, atletas cubanos foram autorizados a fechar contratos com clubes no exterior, receber aumentos salariais e bônus por mérito nas competições.

Leal desafiou o regime ainda em 2010. Disputou o Mundial na Itália por Cuba até o fim da competição, quando perdeu a decisão para o Brasil. Foi eleito um dos melhores do torneio. Voltou para Havana e avisou: “Quero sair para jogar fora daqui”. Ele conta que obrigaram-no a passar dois anos sem atuar e sem deixar o país até que, em 2012, ele pôde sair. Apresentou-se ao Cruzeiro, onde permanece até hoje.

“Não havia liberdade em Cuba, foram tempos duros. Com a reaproximação com os Estados Unidos, temos a oportunidade e mostrar as qualidades que nós, cubanos, temos, não só no esporte”, contou o ponteiro.

Sofrimento longe da família
Lisdeivi Pompa, que fez carreira no basquete brasileiro, é outra cubana que se queixa, e muito da falta de liberdade. Ela deixou o país em 2003 para jogar e conta que só conseguiu autorização para visitar Cuba em 2014. “Eu tenho uma mágoa muito grande desse regime, dessa ditadura, como muitos dizem, né?”, comentou. “Meus pais sofreram muito com a minha decisão de partir e sofrem até hoje. Mas não queria ficar minha vida inteira ali”, afirmou.

Lisdeivi foi tricampeã brasileira dominando o garrafão de Ourinhos, de 2004 a 2006. Em dois desses campeonatos, foi eleita a melhor da competição. Hoje, é treinadora do Maranhão Basquete, equipe idealizada e montada pela ala Iziane, quarto colocado na temporada, com oito vitórias em 12 apresentações.

Ela enaltece o sistema de ensino cubano, pelo qual formou-se em educação física, o que possibilita que ela seja treinadora hoje, mas acredita que novas oportunidades surgirão para as novas gerações. “Não conheço uma só pessoa que esteja insatisfeito com essa atitude dos governos cubanos e americanos”, afirmou.

“Talvez, aquele pessoal mais velho pode estar reclamando que estamos jogando a história no lixo, mas não dava mais para continuar nos dias atuais. Não estamos jogando nossa história no lixo”, defendeu a treinadora.

Proposta indecente americana
Ja a equipe de Americana, no interior paulista, conta com a ala-armadora Ariadna Capiró, cujo sobrenome tem ligação direta com os melhores momentos da história do esporte cubano.

Entre os anos 1960 e 1970, Armando Capiró, pai de Ariadna, era, reconhecidamente, um dos maiores rebatedores do beisebol mundial. Após vencer os Estados Unidos em uma competição internacional, Ariadna relata que o pai recebeu um cheque em branco dos ianques como proposta para se juntar a uma das equipes da MLB (liga profissional de beisebol dos EUA, na sigla em inglês).

Armando recusou o cheque e voltou para Cuba. Como prêmio pela lealdade à pátria, Fidel Castro presenteou-lhe com uma casa e um automóvel Lada, de fabricação soviética. Ele teve um casal de filhos, mas só quis seguir a vida de atleta: Ariadna, que aderiu o basquete. O irmã da jogadora mudou-se para Miami, onde casou-se e teve um filho.

Ariadna saiu da ilha em busca de maiores ganhos financeiros, diferentemente do pai, e foi diretamente influenciada por Lisdeivi, que a convenceu a deixar Cuba para ter a oportunidade de ganhar mais. “A reabertura demorou demais para acontecer, imagina quantas famílias estavam separadas até os dias de hoje por causa disso”, fala a armadora. “Sabemos que as mudanças não virão da noite para o dia, mas estamos ansiosos pelas oportunidades que nosso povo terá a partir de agora”, opinou.

Destino: Brasil

Demonstrando até um certo entrosamento, para utilizar uma palavra familiar aos desportistas, Carlito, Lisdeivi, Ariadna e Leal não fazem planos de retornar a Cuba. Quase todos querem ficar no Brasil.

O ponteiro do handebol espera representar o Brasil no Pan de Toronto, em julho. Lisdeivi diz estar feliz no Maranhão: “Estou em um hotel de frente para a praia, o povo é feliz e educado, a comida é boa. O que posso querer mais?”. Leal espera continuar no Brasil e continuar a defender o Cruzeiro. “Depois que para de jogar, vou me mudar para Miami”.

Já Ariadna não troca o Brasil por Cuba porque já está adaptada à vida aqui. E deposita as esperanças no sobrinho de 3 anos, filho do irmão que mora na Flórida, para trilhar o caminho que o pai recusou há 30, 40 anos. “Meu sobrinho tem apenas três anos, mas já tem jeito de jogador de beisebol. Vai ser, finalmente, o representante da família Capiró nas grandes ligas dos Estados Unidos”, vislumbra, entre gargalhadas.