Ela ouviu 'o que essa mulher faz aqui?'. Deu show e virou craque na sinuca
Alguns esportes sofrem para ser reconhecidos como tal. O pôquer, por muito tempo, era ligado à imagem dos filmes de Velho Oeste. E a sinuca é um outro exemplo. Mas há anos os praticantes já combatem a impressão de que este é apenas um jogo de bar, regado a bebida e apostas. Se existe preconceito com o esporte, imagine com uma mulher praticante. Silvia Taioli venceu esta barreira e hoje ensina sua habilidade até para altos executivos.
A paulistana de 49 anos, tetracampeã paulista e campeã brasileira, conta que a necessidade de mostrar a sinuca como um esporte sério implicou até no uso de bafômetros. Ela começou a jogar contra os homens, grande maioria dos praticantes do esporte. Chegou a ouvir comentários como “o que essa mulher faz aqui?” quando pedia a vez pra jogar. Até mostrar seu talento e ganhar o respeito. Curiosamente, revela que em seu trabalho anterior como engenheira sentia mais preconceito do que quando está na mesa, encaçapando.
Para não ter dúvidas: bafômetro
“No Brasil, sempre se aliou a imagem da sinuca a consumo de álcool, brigas, apostas e de ser desagregador de famílias. Mas na Europa começou como algo nobre. No começo, só os mais ricos podiam jogar. Quando veio para o Brasil, os ingleses instalaram em suas casas e os empregados gostavam e começaram a levar mesas menores para os bares. Apesar do status que ganhou, houve um resgate da boa imagem a partir da década de 1990”, explica Silvia.
Para isso, os eventos de maior porte passaram a contar até com bafômetros. Qualquer pequeno nível de álcool no sangue resulta em exclusão. É tolerância zero, como no trânsito. Cigarro também é vetado.
“O bafômetro é usado aleatoriamente, por sorteio, ou por indicação. Se tiver ingerido álcool, é expulso. O pessoal tem que ser sério, para tirarmos essa imagem negativa. Afinal, um jogador anda 1,5 km em uma hora, ao redor da mesa, flexiona, alonga... É preciso do físico e da mente para jogar”, diz a jogadora, profissional há 17 anos.
Começo em casa
Silvia foi influenciada pelo pai, Luiz Carlos Cordeiro, a jogar sinuca. Revisor na Folha de S.Paulo, ele às vezes aguardava em um bar próximo à redação jogando sinuca. Seu sonho era ter uma mesa em casa. Quando sua a filha tinha 14 anos, ele conseguiu uma e, como precisava de companhia, ensinou-a.
A paulista tomou gosto e pelo lado esportivo, não apenas como entretenimento. Mais velha, ia a salões e se enfiava entre os velhinhos para dar suas tacadas. Ela tinha uma loja que vendia frios, e alguns senhores que passavam por lá jogavam e a convidaram. Seu gosto pelo esporte fez até com que, certa vez, contratasse um motorista para a empresa baseada na destreza dele para encaçapar - já que precisava de uma dupla para os campeonatos.
Preconceito? Na Engenharia era pior
Silvia parece que sempre viveu em atividades que pareciam masculinas. Pequena, ela e a irmã competiam no bicicross, venciam os meninos e obrigaram os organizadores, com o passar dos anos, a criar uma prova só para meninas. Depois, correu de kart. E, além da sinuca, também sofreu discriminação como engenheira.
O meio da profissão é repleto de homens, e ela conta que em um de seus empregos, era proibida de buscar amostras para serem utilizadas nos testes de qualidade, por ser mulher. “Diziam que eu podia causar acidente se um homem ficasse distraído por olhar uma mulher. Sofri mais preconceito como engenheira do que na sinuca”, lamenta.
No esporte, ela venceu mais facilmente a desconfiança. “Tive alguns momentos de constrangimento e preconceito, porque antes ali era o ambiente só dos homens: ‘que essa mulher está fazendo aqui? O que ela quer?’ Quando viram que era para jogar mesmo, ganhei o respeito. Eu tinha até de cuidar de quem perdia, porque tiravam sarro e eu tinha de falar: ‘o que tem em perder para uma mulher? Sinuca não é força, é destreza’”.
Do lado de fora do jogo
Atualmente, Silvia dá aulas e vende material de sinuca. Trabalha também na coordenação de campeonatos - e é por isso que sequer sabe se terá tempo de jogar no Brasileiro deste ano. Para ela, a procura pelo esporte aumentou, e em particular das mulheres.
“Hoje temos muitos bares, salões e baladas com mesa, então as mulheres se cansaram de ficar só acompanhando namorado, ou vendo os homens jogar. Então elas têm me procurado bastante. E o esporte atrai todo tipo de gente. Dou aulas de porteiros de prédio a presidentes de multinacional”, contou ela, que foi comentarista da ESPN por quatro anos, mas deixou o canal por conta do fim das transmissões.
Ela também foi uma das primeiras árbitras da modalidade. Tudo isso acompanhada de perto pelo pai, orgulhoso. No começo, ele duvidava: “você está me roubando nos pontos”, acusava. Depois, teve de dar o braço a torcer. Tinha sido superado e colocado de escanteio, como espectador dos dotes da filha.
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