Professor fortão usou bomba, teve AVC e vê alunos "duvidarem" de vida dupla
É difícil saber em qual dos seus dois ambientes preferidos Ricardo Barguine atrai maior curiosidade: na sala de aula, quando é o professor de física fortão, ou na academia, quando é o fisiculturista intelectual. Levando uma vida dupla, o mais difícil não é driblar esta estranheza, mas conseguir conciliar corpo e mente nas 24 horas do dia. Tetracampeão brasileiro na categoria culturismo clássico, ele vai em novembro ao Mundial levando na bagagem um histórico de altos e baixos: foi do menino magrelo ao fortão à base de "bomba" de 130 kg, chegou aos seus 100 kg sem drogas de hoje e superou até um AVC que arriscou sua vida.
Para ser o atleta de hoje, Ricardo, carioca de 42 anos, precisou vencer uma condição, uma doença, que ataca muitos que entram no mundo das academias e, deslumbrados com corpões e músculos, passam a não enxergar seus limites. Muito magro, com apenas 68 kg e 1,88 m de altura, ele chegou a morar em Minas Gerais mas voltou ao Rio de Janeiro em 1993. Entrou na faculdade de Física e, para ganhar peso, ingressou numa academia para fazer musculação.
No princípio, não havia interesse em competição. Mas, como seu corpo respondia bem, ele foi ganhando confiança e gosto em "puxar ferro". A ponto de passar a linha do saudável.
"Eu cheguei a 130 kg, mas sem qualidade. Tinha muito peso e muita força, mas pouca disposição", conta ele. Na cabeça, ainda era pouco. É o que se chama de vigorexia. "Essa época foi um exagero. Eu estava enorme, mas me olhava no espelho e me achava magro. Não tinha qualidade, definição. não era um atleta. E tinha até vergonha de botar uma sunga para ir à praia."
Bomba na veia
Um detalhe na época contribuía. Ele admite que usava "bomba" para chegar ao corpo que queria. "Eu usava testosterona. Naquela época não tinha dificuldade. Você chegava na farmácia, comprava, e o farmacêutico injetava lá mesmo. Sem receita, nem nada. A facilidade que havia me fez entrar nessa sem nenhum critério."
Ter um corpo de 130 kg era viver cansado. Ricardo conseguiu dar um passo atrás, fez tratamentos psicológicos e mudou seus conceitos de corpo. "Eu não tinha qualidade, o que fazia não era saudável e minha filha estava para nascer, em 2006. No fim de 2005 coloquei na cabeça que tinha de perder um pouco, e aí aprendi que algumas manobras alimentares, de suplementação e com trabalhos específicos eu conseguiria algo superior".
Ricardo hoje pesa cerca de 100 kg e baixa para 96 kg em dia de competição. O fisiculturista não julga quem usa substâncias não recomendadas, mas entende que em certas fases da vida busca-se o mais simples, inconsequentemente. Como atleta profissional desde 2012, hoje ele vive num mundo bem mais regrado, com direito a antidoping para provar que os atletas são limpos.
O próximo Mundial, em novembro, trará o brasileiro embalado por seu quarto título nacional, conquistado em setembro. Na Tailândia, ele tentará sua melhor posição. Foi sexto em dois Mundiais, e agora se vê em condição de brigar por seu primeiro pódio. Para isso, primeiro fará um trabalho para ganhar ainda mais peso, chegando a 105 kg. Então, baixará para os 96 kg de sua categoria. Na competição, são avaliados simetria, proporção, definição e volume muscular, para definir cinco finalistas e então o campeão.
Entre a vida e a morte
Enquanto iniciava sua carreira de atleta do fisiculturismo, Ricardo Barguine viveu em 2013 o maior drama de sua vida. Ele decidiu competir um ano antes, aos 38, ao perceber que estava ficando com uma idade avançada para iniciar sua vida profissional. De cara, foi campeão carioca e brasileiro, um trabalho que na verdade já vinha sendo construído por dez anos de exercícios acompanhado de nutricionista, médico e seu técnico, Isaac Balbi.
Em março de 2013, Ricardo teve constatado um problema genético que aumenta o poder de coagulação sanguínea. Um mês antes, o susto. Ele machucou o braço, teve uma inflamação e, no processo de cicatrização, aconteceu um grande processo de coagulação que entupiu sua carótida. Sem sangue correndo para o cérebro, ele simplesmente apagou na sala dos professores. O lado direito do seu corpo parou e ele foi levado ao pronto-socorro. Internado por 15 dias no Centro de Terapia Intensiva (CTI), viveu um "inferno".
Foram três meses de licença das aulas e treinos, sem saber sequer se poderia a voltar a treinar, mas Ricardo recuperou integralmente sua condição. Hoje, é medicado, usa continuamente anticoagulante e tem de atentar à alimentação. "Não posso fazer muitas manobras, porque algumas coisas que você come são sensíveis aos medicamentos. Até uma verdura que você come pode mexer, então, vivo na corda bamba. As pessoas acham que você faz loucuras por ser fisiculturista, mas não é assim".
Física x físico
Não chega a ser um preconceito, mas Ricardo nos últimos anos teve de conviver com muita gente duvidando de seu talento tanto físico, quanto intelectual.
"Rapaz... Sempre chamou muita atenção mesmo, não só na faculdade, mas na academia também. Pelas duas coisas. As pessoas ficam: 'como assim? Você é atleta, como dá aula de física?'. Acham que atleta só come, treina e dorme. Na faculdade é parecido: 'você, fortão, que vai me dar aula sobre Newton, eletromagnetismo?'", conta Ricardo.
Atualmente, ele é professor universitário dando aulas de física para Engenharia, e leciona 40 horas semanais - fora o trabalho que tem de fazer corrigindo provas, por exemplo. Os treinos são de duas horas por dia.
"É matar um leão por dia", diz ele, que falou à reportagem por telefone, enquanto tratava seu pé, num raro momento de sossego. Isso sem contar o cuidado com as refeições, sete ou oito por dia, sempre em porções semelhantes - levando o atleta a comer, por exemplo, frango e batata doce de café da manhã.
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