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Não é só esporte. Povos lutam por demarcação de terra no Mundial Indígena

Povos protestam nos Jogos Mundiais contra a Proposta de Emenda Constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de demarcação de terras indígenas - Eduardo Knapp/Folhapress
Povos protestam nos Jogos Mundiais contra a Proposta de Emenda Constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo o poder de demarcação de terras indígenas Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress

Roberto Oliveira

Do UOL, em São Paulo*

01/11/2015 06h00

A primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), que acontece em Palmas, capital do Tocantins, termina oficialmente neste sábado (31), com a realização das finais das principais modalidades do evento.

Mas a reunião de mais de 2.000 atletas de quase 50 povos indígenas, dos quais mais de 20 são etnias estrangeiras, não se limitou à prática esportiva. A pauta política esteve presente desde antes do início dos Jogos, principalmente em relação Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, aprovada em Comissão Especial da Câmara na terça-feira (27), mas que ainda precisa ser corroborada pela maioria do Parlamento.

A PEC 215 transfere a demarcação de terras indígenas e quilombolas do Poder Executivo para o Legislativo a jurisprudência sobre tramita na casa há 15 anos. Hoje, a demarcação é uma atribuição do Poder Executivo, conduzida pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e chancelada pelo Ministério da Justiça e pela Presidência da República.

Uma vez que boa parte dos deputados do Congresso é oriunda do setor ruralista, os povos acreditam que a Emenda representa um retrocesso no processo de reconhecimento dos territórios indígenas. E um avanço do fortalecido agronegócio brasileiro.

Antes mesmo de os Jogos começarem, algumas etnias boicotaram o evento, como as nações Krahô e Apinajé, do Tocantins, em protesto contra a PEC 215. Durante a abertura do Mundial Indígena, com a presença da presidente Dilma Rousseff, a liderança Marcos Terena dirigiu-se diretamente a presidente sobre o tema.

"Está havendo uma discussão da PEC 215 que a nossa nação não quer que seja aprovada, pois ela acabará com a Funai (Fundação Nacional do Índio) e com os povos indígenas. O outro recado é que nossos irmãos Guarani-Kaiowá [povo do Mato Grosso do Sul] estão sendo dizimados e ameaçados de todos os lados. Então, gostaríamos que a senhora interviesse e brecasse essa preocupação que nós temos", afirmou Terena.

A PEC 215 foi aprovada por 27 votos a 0 na Comissão Especial da Câmara na terça. Deputados contrários às alterações abandonaram a votação em protesto. No dia seguinte, na quarta, foi a vez dos indígenas protestarem nos Jogos Mundiais.

Um grupo formado por diversas etnias entrou na Arena Verde com cartazes contra a PEC 215. No centro do campo, os indígenas formaram um grande círculo e deram-se as mãos, gritando "não à PEC 215".

Ministro da Justiça: 'A PEC 215 é inconstitucional'

“A Constituição Federal de 1988 trouxe segurança aos nossos direitos, da demarcação de terra, das fronteiras. Mesmo assim nós sempre tivemos ameaçados. É pressão psicológica, é pressão nas plantações, nas fronteiras do nosso território. No Brasil algumas comunidades estão sendo ameaçadas, como por exemplo os parentes Guarani-Kaiowá, que estão correndo risco de vida”, afirmou ao UOL Esporte Lucio Xavante, liderança de povo do Mato Grosso.

“Temos que lutar por melhorias, por respeito às próximas gerações. A luta não é de hoje, é de ontem. Estamos sempre lutando. A PEC 215 é uma ameaça à Constituição Federal. Como os deputados vão rasgar a Constituição de 88?”, finalizou Lucio Xavante.

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concorda com as lideranças indígenas no que diz respeito à Constituição Federal.

"Mesmo se prosperar no Congresso, a proposta não será aceita pelo Judiciário por ser inconstitucional, mas o simples fato de andar incendeia o conflito, acirra os ânimos e coloca querosene na fogueira”, avaliou Cardozo, em entrevista na noite de quarta ao jornal O Estado de S. Paulo e à Agência Reuters. “A discussão não é boa para os índios e os agricultores”, continuou.

"A PEC é inconstitucional, pois o artigo 2º da Constituição prevê o princípio da separação de poderes e uma demarcação de terras é típica do Executivo", afirmou. "A discussão é técnica, não pode se dar por conveniências políticas", acrescentou. "Essa proposta só trouxe o efeito colateral de um acirramento de conflitos”, finalizou Cardozo.

Com a mesma avaliação do ministro da Justiça, a presidente Dilma Rousseff é contra a PEC 215 e a orientação do Palácio do Planalto é convencer os deputados da base aliada a derrubarem a proposta na Câmara.

Mas o governo sabe que enfrentará resistência da bancada ruralista, que é muito forte na casa e apoia a proposta. Caso não consiga reverter a PEC 215 na Câmara, o governo vai tentar derrubá-la no Senado, onde 48 dos 81 senadores assinaram em junho passado um manifesto contra a proposta.

* Com contribuições da Agência Brasil, de Palmas, no Tocantins