Fisiculturista tem doença de chagas. E vai ao Pan mesmo assim
As revistas em quadrinhos levaram Juscelino dos Santos, o Jussa, a desejar ser forte. A consequência disso foi uma carreira longeva no fisiculturismo. Aos 46 anos, o baiano que divide seu tempo entre academia e um bar estará nos Jogos Pan-Americanos de Lima, na estreia da modalidade, com um adversário incomum a atletas: a doença de chagas.
Inspirado por Conan, o Bárbaro, ele começou a praticar musculação ainda na adolescência. Quando os músculos cresceram, descobriu que poderia usar o fisiculturismo para realizar seu sonho de garoto: estampar uma capa de revista. Logo, porém, um exame apontou em seu sangue o trypanosoma cruzi - o agente da doença. Desde então passou a necessitar de tratamento diferenciado para poder seguir competindo.
"Morei em casa de pau a pique. Quando era criança, a gente brincava com o bichinho, o barbeiro, e não tinha noção do que era. Eu creio que fui picado lá e vim para São Paulo com 10 anos. Só quando eu casei, aos 22, que fui doar sangue e eles me chamaram e pediram para refazer os exames porque estavam na dúvida. Descobriram que eu tinha o parasita no sangue", explica Juscelino.
O atleta passou a fazer acompanhamento de funções cardíacas no Instituto Dante Pazzanese e também passou a trabalhar com uma nutricionista para verificar sua condição com o objetivo de seguir competindo. Passados mais de 20 anos, ele segue sem qualquer problema de saúde que o impeça de competir e levantar peso - além dos treinos, Juscelino já se exibiu erguendo carros.
Juscelino é examinado pelo menos uma vez por ano desde que foi diagnosticado com a doença de chagas. E para estranhamento dos médicos, os órgãos dele não foram afetados pelo protozoário, apesar de ele ter o trypanosoma cruzi em seu sangue.
"Fui até caso de pesquisa no hospital. Eles acharam incrível eu ter a doença e não desenvolver os sintomas. Eu sou um privilegiado, não tenho nenhuma complicação, meus exames de sangue são feitos normalmente, eco e eletrocardiograma", afirma.
Dono de bar sofre com dieta
Além dos exames frequentes, a dieta precisa ser diferenciada e bastante regrada, principalmente em períodos próximos das competições, o que acaba o privando de comer coisas que gosta.
"Tudo tem que ser pesado, a quantidade de carboidrato, de proteína, de gordura, tudo tem que ser dentro dos padrões conforme o peso corporal e a quantidade de calorias que a gente necessita por dia. Na competição, a gente tem que estar com a pele bem fina, os músculos bem à frente e para isso a dieta conta muito", explica.
"No Pan eu tenho que apresentar um físico muito bom, então estou consumindo 120g de arroz por dia, e eu adoro arroz, gosto de feijão e também não estou comendo. Não vejo a hora de sair da dieta para comer uma feijoada. Pão não pode consumir, nenhum tipo de farinha, pão de queijo não pode, é muita coisa", completa Juscelino.
Toda essa dieta seria mais fácil de seguir à risca caso o ganha-pão do fisiculturista não fosse um bar na cidade de Cotia, onde trabalha há 19 anos todas as tardes (quando não está em competição). Além de nunca ter utilizado substâncias dopantes (que poderiam ser complicadores para a doença de chagas), o atleta não consome bebidas alcoólicas.
"As pessoas vêm para beber, distrair, jogar. E tem jogos, a gente faz o truco, tem sinuca, dominó, e tem as bebidas. Eu não bebo e todo mundo acha incrível o dono ter um bar e não beber", afirma Juscelino, que tem suas fotos de competições em quadros pendurados nas paredes do estabelecimento - o que causa um certo estranhamento a quem faz uma primeira visita ao local.
"Quem chega no meu bar pela primeira vez já estranha, tem um monte de foto de atletas, do pessoal da academia, dos meus amigos e aí começam a perguntar. Acham interessante um atleta dono de bar. E tem muitas fotos de homens, fotos minhas mesmo, e acabam convivendo", completa.
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