Cristo dado pela Odebrecht vira símbolo da corrupção no Peru e é abandonado
De longe é possível ver uma silhueta familiar entre a névoa que cai sobre Lima no inverno peruano. No meio do Morro Solar, na costa do mar, o Cristo do Pacífico parece intacto, depois de o escândalo da Lava Jato atingir o Peru há quase dois anos. O objeto em questão, que com algum esforço mental lembra o Cristo Redentor, foi um presente da construtora Odebrecht ao ex-presidente peruano Alan García, morto há três meses.
A estátua foi inaugurada em junho de 2011, no segundo governo de Alan García no Peru (2006-2011), e hoje é para muitos um símbolo da corrupção que atingiu o país. Após acordo de delação premiada de Marcelo Odebrecht e de Jorge Barata, representante da construtora brasileira no Peru, descobriu-se que o Cristo em questão foi mais que uma doação a um presidente católico: foi um presente em troca de ainda mais regalias a uma empresa que dominou por anos a construção em Lima.
Estradas, pontes e a única linha de metrô de Lima são obras da Odebrecht. O metrô é, inclusive, um dos transportes usados para deslocamento de turistas durante os Jogos Pan-Americanos de Lima, cuja cerimônia de abertura será realizada nesta sexta-feira (26).
"Este monumento representa a corrupção. A doação da Odebrecht já está clara que não foi amor a Deus, e sim interesse em licitações", denuncia a jornalista peruana Catalina Quinto, produtora do programa político "Quien tiene la razón" da TV RPP.
O tema Lava Jato é tão forte no Peru como no Brasil. No país que recebe o Pan, quatro presidentes são investigados após denúncias de milhões de dólares em propina da construtora brasileira entre 2005 e 2014. Um deles é Alan García, que atirou na própria cabeça quando recebeu a ordem de prisão preventiva. Os outros são: Alejandro Toledo, preso nos Estados Unidos; Pedro Pablo Kuczynski, que deixou o cargo em março do ano passado após denúncias de corrupção, e Ollanta Humala.
"Há muitas semelhanças no caso da Lava Jato no Brasil e no Peru: os procedimentos da corrupção, dos contratos de licitação. Foi um terremoto aqui quando, em dezembro de 2017, a Odebrecht fechou o acordo de deleção premiada. É uma semelhança, e o Cristo também era para ser parecido com o do Rio de Janeiro. Alan García era um dos políticos mais antigos do Peru. Seu primeiro governo foi de 1985 a 1990. Depois voltou em 2006, e a relação com a família do Marcelo Odebrecht era muito próxima", explicou o jornalista Óscar Castilla, diretor do site Ojo Público.
Críticos chamam estátua de "Cristo dos roubados"
O UOL foi ao Cristo do Pacífico acompanhado de Edgar Erazo, membro do coletivo cidadão "Es Momento", que liderou uma petição pública para que o monumento seja retirado. Em dois meses, quase 10 mil assinaturas foram coletadas. Para essas pessoas, o Cristo representa a corrupção.
O local passa bem longe de ser um ponto turístico ou uma área de peregrinação religiosa. De perto, o cenário é tomado por lixo e vandalismo. Os bancos colocados para o que seria um altar foram quebrados, a parede do Cristo está toda riscada e pichada. Não há turistas, apenas alguns policiais que dão risada ao serem questionados sobre o monumento e sua história ligada ao escândalo de corrupção. Conversando com outros peruanos, a reação é a mesma: um riso tímido.
"É possível ver esse Cristo por toda Lima. Parece brincadeira de uma empresa corrupta que destruiu o sistema político peruano e que está aí olhando todos os dias como um símbolo. Eu não penso em Jesus, e sim como o presidente e a empresa enganaram os peruanos. Todos estão de acordo que é uma empresa corrupta, mas tem um setor da população que fala que não devem tirar o Cristo, porque é um símbolo da religião e seria falta de respeito. Mas fizemos uma petição para pedir mais que a retirada, mas uma resposta. Ninguém mencionou o tema, mas agora começou a crescer", ressaltou Erazo.
Oficialmente, a estátua teria custado em torno de US$ 800 mil na época. O então presidente Alan García teria ainda desembolsado uma quantia extra do próprio bolso para o transporte do Cristo. Uma festa foi feita para a inauguração.
Para o repórter político do jornal peruano Perú.21, Álvaro Reyes, o Cristo é uma vergonha para os peruanos. "Quando houve a doação da estátua, se falava que era porque o Peru era um país muito católico. Mas agora, com o que aconteceu com o caso da Lava Jato, acredito que a memória é que é um monumento de corrupção e vergonha. As pessoas não fazem tributo a um símbolo que representa uma parte obscura no país. É por isso que o Cristo está abandonado. Não é um símbolo de orgulho. O Cristo foi o capricho de um homem egocêntrico que era Alan García, e acredito que deveria ficar ali para que as pessoas saibam a história de corrupção, para que as próximas gerações não esqueçam".
Ao coletivo Es Momento, as autoridades explicaram que não se pode tirar o Cristo porque não há meios financeiros para tal ação. O UOL questionou a Odebrecht sobre o tema, mas a empresa não se manifestou.
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