Pan-2019: comerciante dá nome de Neymar ao filho e à empresa da família
Encantado com o que os brasileiros eram capazes de fazer com a bola nos pés, o comerciante peruano Elgar Chipana, que vivia na periferia de Lima, não hesitou ao escolher o nome de batismo de seu terceiro filho. O ano era 2010 e, do outro lado do continente, um garoto franzino dono de um topete extravagante começava a surgir para o mundo. "Vai se chamar Neymar", pensou Elgar sobre o filho. "Esse vai ser um dos grandes."
Se Neymar já é um nome raro no Brasil, pense em como soou no Callao, um distrito portuário ao norte da capital peruana que recebe competições como o taekwondo nos Jogos Pan-Americanos de 2019. Cheio de Juans, Josés e Jesús, o distrito não tinha conhecido até então aquela incomum combinação de sílabas. O pequeno Neymar ganhou ainda, como segundo nome, um Giovanni. A referência não é a Giovanni, o Messias, craque do Santos na década de 1990, mas a Giovanna, mãe do Neymar peruano. Ela não se opôs à homenagem ao atacante brasileiro.
No documento de identificação do garoto, que hoje tem nove anos e joga na base do Cantolao, o time do bairro, lê-se um sonoro Neymar Giovanni Dulanto Chipana. O Neymar peruano participa de campeonatos, já levantou taças e, quando visitei a família, estava em excursão com o time pelo interior do país. "Ele está aprendendo, ainda é cedo para dizer se será um jogador profissional", me disse por telefone o treinador da equipe, Victor.
O orgulho pelo nome dado ao filho levou Elgar a dar um passo adiante. Quando a família resolveu montar uma mercearia em um dos cômodos da casa, ele não teve dúvida e tacou o nome do filho no toldo do comércio. "O bairro todo passou a me conhecer como o 'seu Neymar' e isso ajudou as vendas", ele alega.
Mas não por muito tempo. A vida, como o futebol, é dinâmica e quando os ventos da economia local mudaram, Elgar também mudou. Fechada, a mercearia deu lugar ao novo negócio da família, uma distribuidora de gás. Mas a casa ainda conserva o nome do atacante na fachada.
Nomes brasileiros são caso antigo na família
Quando o comerciante resolveu chamar o filho de Neymar ninguém se surpreendeu. Até porque Elgar já tinha um histórico de extravagâncias no que se refere ao batismo de seus filhos. Em 1999, quando o casal engravidou pela segunda vez, o antigo zagueiro peladeiro da periferia de Lima tirou outro nome da criança das páginas esportivas. E não foi qualquer nome, mas o do brasileiro que naquele ano seria eleito o melhor jogador de futebol do mundo.
E assim foi batizado o pequeno Raul Rivaldo Dulanto Chipana, a única pessoa que ele jamais conheceu chamada Rivaldo. "Sempre gostei desse nome, na escola eu era visto como o cara legal e bom de bola", comenta Raul Rivaldo, que apesar disso, jogou de goleiro nas categorias de base dos pequenos clubes peruanos pelos quais passou. Anos depois, Raul Rivaldo acabaria se tornando o orgulho da família por virar policial. Quando visitei os Dulanto Chipana, ele acabara de participar do desfile militar em comemoração aos 198 anos da Independência do Peru.
Zagueiro considerado por si mesmo do tipo carniceiro ("quando eu dava o bote, passava o jogador ou a bola, nunca os dois"), Elgar ainda tem um neto batizado em homenagem ao principal beque da seleção brasileira, Thiago Silva. Jesús Chipana, primogênito de Elgar e pai do menino de quatro anos, resolveu chamá-lo assim por admirar o capitão da seleção e por considerar Thiago um nome incomum no Peru.
"Infelizmente, eu sou o único da família que não ganhou um nome brasileiro", lamenta o motorista Jesús, de 25 anos. "Mas se você pensar bem, hoje o Brasil tem o Gabriel Jesus, então já me sinto contemplado", ele brinca.
Elgar não limitou sua criatividade ao seu núcleo familiar mais próximo. Revolvendo a memória, recorda que, nos anos 80, convenceu uma prima a batizar um filho de Zico. E outra a batizar seu rebento de Marquinho. Para quem não sabe, Elgar lembra que Marco Antônio Silva, o Marquinho, foi um gaúcho que marcou época no peruano Sport Boys entre 1990 e 1992 e depois em 1999. Uma flâmula do Sport Boys pende do depósito de botijões de gás de onde a família tira seu sustento.
Hoje, Zico Alberto Tamara Reyes tem 30 anos e Marquinho Mendonza Dulanto, 26.
"Adoro todos os jogadores brasileiros, do Neymar ao Ronaldinho", comentou em uma rápida conversa por telefone o homônimo peruano.
Elgar não sabe se o seu Neymar vingará como jogador profissional, mas sabe que isso não é o mais importante.
"Sempre digo a ele que o futebol é legal, mas o que ele tem de fazer mesmo é estudar", conta o vendedor peruano. No Callao, uma das áreas mais pobres e violentas da região metropolitana de Lima, é preciso estar atento com o "outro lado", ele explica. A família sabe que apenas com muito trabalho e estudo poderão prosperar e alcançar uma vida melhor.
"Se ele vai bem nos treinos, eu lhe compro presentes como chuteiras. E se ele vai bem na escola, lhe compro outras coisas que ele queira. É uma forma de incentivá-lo a não esquecer de dar importância aos estudos, além do futebol", afirma Elgar.
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