Análise: recorde no Pan tem maior interferência do COB em dias de crise
O recorde de medalhas do Brasil em Jogos Pan-Americanos vem num momento em que há pouquíssimo dinheiro privado circulando no esporte olímpico brasileiro e que boa parte das confederações está inviabilizada, quando não em estado de "pré-falência", como é o caso dos esportes aquáticos. Com menos limão, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) entregou mais limonada. Como isso?
Com uma interferência maior da entidade na operação cotidiana e estratégica de suas filiadas. Além de concentrar seus esforços na preparação de altíssimo rendimento, graças a um rearranjo forçado exatamente pelo mau momento do ponto de vista administrativo e financeiro.
É comum que haja confusão sobre qual o papel exercido pelo COB no sistema esportivo brasileiro e qual o que deveria ser exercido pelas confederações. São estas as responsáveis por estimular a prática de sua modalidade, por organizar competições nacionais em diversas faixas etárias e se articular com as federações estaduais. Também é ela quem define critérios e realiza convocações, levando os atletas para eventos da modalidade.
Ao COB cabe organizar a cadeia de confederações, recebendo e compartilhando o dinheiro das loterias, via Lei Agnelo/Piva, e cuidar para que os atletas apontados pelas confederações tenham o maior sucesso possível em eventos poliesportivos de três níveis: os Jogos Olímpicos, os Jogos Pan-Americanos e os Jogos Sul-Americanos.
Essa é a regra. Na prática o COB tem tido uma influência muito maior na cadeia. Sem dinheiro privado, a maior parte das confederações deixou de ter condições de fazer investimentos em seus melhores atletas. O comitê, que já fazia esse papel pontualmente, assumiu responsabilidades sobre o número maior de esportistas, naturalmente escolhendo aqueles quem podem entregar resultados no Pan e na Olimpíada.
Nessa lista entram atletas quase que incontestáveis, como Bruno Fratus, e promessas como Vittoria Lopes, do triatlo. Os dois recebem uma transferência mensal do COB para arcar com seus treinamentos. Ambos ganharam duas medalhas no Pan.
Por conta da crise financeira, muitas confederações dispensaram seus melhores treinadores no fim do ciclo olímpico passado. Sabendo da importância desses profissionais, o COB passou a ser o empregador de um número cada vez maior de técnicos como Marcos Goto e o russo Valeri Liukin, os dois treinadores das seleções de ginástica artística que tiveram ótimo desempenho no Pan. A evolução no basquete feminino só foi possível graças à contratação do técnico José Neto, também pelo comitê.
Ao limitar a 20% o limite de uso de recursos da Lei Piva para despesas administrativas das confederações e ao exigir parâmetros de compliance cada vez mais altos, o COB assegurou não só que uma fatia maior dos recursos fossem aplicadas pelas confederações na atividade fim (o esporte) como passou a ter um enorme controle sobre o que é gasto.
Esse processo está ainda mais avançado no trato com as dez confederações que passaram boa parte do último ano sem acesso à Lei Piva por irregularidades em prestações de conta ao governo federal - a medida está suspensa por recurso no Tribunal de Contas da União (TCU). No taekwondo, que teve a melhor campanha da história, quem cuida da seleção é uma funcionária do COB, Natalia Falavigna.
Tudo isso, aliado a outros fatores como o Laboratório Olímpico, por onde passam a maioria dos atletas de alto rendimento do país, deu ao COB um controle grande sobre a cadeia. É comum que a diretoria de planejamento e desempenho esportivo saiba quase que em tempo real se um atleta não foi treinar, se acordou gripado, ou se fez um bom resultado. Com todo esse conhecimento o COB passou a direcionar um volume maior de recursos para quem tem mais possibilidade de resultados.
Esse cenário é favorável à obtenção de resultados em eventos como os Jogos Pan-Americanos porque prioriza quem é acima da média ou está em curva ascendente. Mas acaba por preterir modalidades e atletas que ou já estão em curva negativa.
Todos os meses, desde o ano passado, o COB divulga as ações realizadas em parceria com as confederações. Entre abril e julho, o pentatlo só teve um camping de treinamento, para um atleta. Em Lima, a modalidade só ganhou uma medalha. O nado artístico, que passou em branco no Pan, só recebeu apoio para ir ao Mundial e ao Sul-Americano Juvenil. A equipe chegou a abrir vaquinha para comprar uniformes - que acabaram sendo comprados pelo COB.
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