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Primeira mulher a cobrir Olimpíada na Globo foi censurada em Moscou

Monika Leitão, a primeira mulher cobrir Olimpíada na Globo - Arquivo Pessoal
Monika Leitão, a primeira mulher cobrir Olimpíada na Globo Imagem: Arquivo Pessoal

Marcelo Tieppo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

10/11/2019 04h00

Monika Leitão foi produtora do Esporte Espetacular por 22 anos. Só deixou a Globo em fevereiro de 2018, quando a emissora começou o processo de fusão no esporte. "Não foi traumático. Você já sabe, vai percebendo. Quando o Renato Ribeiro (diretor de esportes) me chamou pra uma reunião, já falei que ele não precisava explicar nada. Aí assinei o papel da demissão e comecei a chorar. Minha vida foi lá", diz a jornalista de 63 anos.

A despedida encerrou a trajetória de uma das pioneiras da TV brasileira. Monika foi a primeira mulher a cobrir uma Olimpíada pela TV. Em 1980, quando tinha apenas 23 anos, esteve em Moscou, nos Jogos que ficaram marcados pelo boicote norte-americano e pelo urso Micha. "A abertura foi a coisa mais linda. Ninguém esquece do ursinho Micha. Eles fizeram aquele painel com as pessoas segurando placas. Ficou marcado pra sempre", relembra a jornalista.

Nesta entrevista ao UOL, Monika Leitão revela detalhes da cobertura olímpica na então comunista União Soviética, em tempos de Guerra Fria contra os Estados Unidos. "Fiquei 40 dias lá e só tive um problema. Fizemos imagens de um cordão de policiamento. Eles estavam empurrando as pessoas na abertura da Olimpíada. Essa parte eles cortaram na hora da geração para o Brasil", revela a jornalista, que também recordou o início da carreira, em 78, na Rede Globo.

Monika leitão - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Monika Leitão na cobertura da Olimpíada de Moscou
Imagem: Arquivo Pessoal
De estagiária a primeira mulher nas Olimpíadas

Monika Leitão entrou na TV Globo, em 1978. Estudante da PUC/RJ, ela começou como estagiária, ficando entre os dez selecionados, em uma disputa que começou com 500 candidatos. Foi aí que a sorte começou a sorrir para a jovem de 22 anos. Alice Maria, uma das chefes do jornalismo global, sempre via a estudante andar de bicicleta pela Lagoa Rodrigo de Freitas e a colocou no esporte. "O esporte ainda fazia parte do Jornalismo mas estava começando a ficar mais independente. A ideia é que os estagiários fizessem um rodízio por todas as editorias. Só que isso não aconteceu e eu fiquei lá de vez. Adorava esporte, era tudo o que eu queria."

Monika acabou sendo efetivada no ano seguinte e virou uma espécie de xodó da redação. "Eu virei a queridinha por ser a única mulher. Fui logo pra reportagem, fazia entradas ao vivo. Cheguei a cobrir Fórmula 1. Era uma delícia." O prêmio maior veio em 1980 quando ela foi escalada para cobrir a Olimpíada de Moscou. "Eram três repórteres: eu, o Marcelo Matte e o Roberto Feith, que era correspondente em Londres. O Fernando Vanucci (apresentador) também fazia matérias", relembra Monika.

O orgulho da jornalista em participar de uma Olimpíada vai além de fazer parte de uma grande cobertura, em um país comunista. Ela foi a primeira mulher da TV brasileira a ter essa honra. "Em 78, a Maria Luiza cobriu a Copa do Mundo dois anos antes. Mas eu fui a primeira a cobrir uma Olimpíada."

Os 40 dias em Moscou

Monika Leitão e os jornalistas sofreram algumas restrições por conta do regime fechado da União Soviética. Eles tinham que ir direto do hotel para a Vila Olímpica, sem desviar do caminho. Certa vez o repórter Marcelo Matte saiu do percurso e chegou a entrevistar uma família russa, mas a matéria não foi ao ar. "Eles editaram o vt mas qualquer geração tinha que passar pelo crivo dos representantes do regime e eles cortaram essa matéria", conta Monika.

Monika Leitão também passou por uma situação parecida no dia da abertura da Olimpíada. "Fizemos imagens de um cordão de policiamento. Eles estavam empurrando as pessoas na abertura da Olimpíada. Essa parte eles cortaram na hora da geração para o Brasil." A repórter também lembra que os repórteres de jornais ficavam em um hotel e os de Rádio e TV em outro e eles não podiam se visitar. "Era tudo muito controlado e tinha um militar em cada andar do hotel".

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Monika Leitão com Mariana Becker, Gloria Maria e Cris Dias
Imagem: Arquivo Pessoal
Apesar dos dois casos de censura relatados pela jornalista, na cobertura esportiva ela teve acesso a todos os atletas. "Naquela época você tinha livre acesso na Vila Olímpica. Podia tomar café, almoçar lá e entrevistar todos os atletas. Entrevistei o João do Pulo (medalha de bronze no salto triplo), o Djan Madruga e o Romulo Arantes (natação), a Isabel e a Jacque, do vôlei".

Monika não cobriu a prova em que João do Paulo só não conseguiu a medalha de ouro porque teve nove dos seus 11 saltos anulados, ficando atrás de dois russos — um deles era o tetrcampeão olímpico Viktor Saneyev. "Quem acompanhou a prova foi o Marcelo Matte. Foi vergonhoso. A gente viu depois pelo vídeo que era claro que ele teria conquistado a medalha de ouro." Vinte anos depois, o jornal australiano Sidney Morning Herald publicou uma matéria dizendo que os saltos de João foram anulados para dar o tetracampeonato para Saneyev.

A repórter não cobriu o atletismo porque foi enviada para Tallinn, que pertencia à ex-União Soviética e hoje é a capital da Estônia, onde ocorreram as provas de iatismo. "O Brasil conquistou duas medalhas de ouro. No último dia, o barco onde estava o cinegrafista ficou perdido no mar. Eles só conseguiram fazer o reboque no final da noite. "A gente ficou sem imagem e sem entrevista. Só no dia seguinte eu consegui fazer as entrevistas com os brasileiros no hotel."

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Monika Leitão com a equipe da Globo e o técnico Joel Santana
Imagem: Arquivo Pessoal
O dia em que Mequinho quase apanhou de um fã

Entre as lembranças da reportagem, Monika Leitão não esquece de um torneio Interzonal de xadrez no Rio de Janeiro, que contava com a presença de Mequinho, que chegou a ser o terceiro melhor enxadrista do mundo na década de 70. Em 79, ele iniciou a participação na competição, mas teve que desistir por problemas de saúde. "A gente estava na recepção aguardando a entrevista e ele não aparecia. Descobri o quarto onde ele estava e subimos pelo elevador de serviço. Tinha uma gritaria, porque um fã teria invadido o quarto dele para ameaça-lo por causa da desistência. Os seguranças entraram e tiraram o cara de lá. "

A despedida da Globo e o futuro

Em 1981, Monika Leitão se casou, mudou para São Paulo e decidiu deixar a profissão. Ela foi substituída no esporte por Isabela Scalabrini, que entrou como estagiária junto com Monika. A volta para a TV ocorreu só em 94, como apresentadora na Record. No mesmo ano retornou para a Globo de São Paulo como repórter. "Aí me separei, casei de novo, engravidei e voltei para o Rio de Janeiro. Em 96, deixei a reportagem e virei produtora do Esporte Espetacular."

O ciclo no programa e na TV encerrou-se 22 anos depois com lágrimas. "Comecei a chorar. O Renato Ribeiro me acalmou. Só depois fui conversar com a menina do RH para ver o que precisava fazer. Recebi uma grana a mais pelo tempo que fiquei lá, além de dois anos de plano de saúde", relembra.

A despedida definitiva ainda demorou um pouco mais. "Fiquei 15 dias indo lá, organizando as coisas, pegando meus contatos. Me deixaram bem à vontade." Depois, Monika voltou para visitar a redação e foi surpreendida com um painel que conta a história do esporte na TV. "Eles montaram um painel na redação com fotos e a história da pessoa no esporte. Gostei bastante de me ver lá."

Apesar de já estar aposentada, Monika tem trabalhado com projetos e uma das principais ideias é fazer algo ligado à terceira idade. "Acho que já tem muita gente fazendo coisas ligadas ao esporte. Quero aproveitar para fazer coisas novas."