Como Galvão Bueno foi parar na Rede OM e por que passagem só durou 10 meses
A final da Libertadores de 1992 entre São Paulo x Newell's Old Boys (ARG), que será reprisada hoje (31) pela TV Gazeta, marcou uma virada em todos os aspectos na competição no país. O torneio só passou a virar objeto de obsessão dos grandes clubes do país a partir do título do Tricolor Paulista. Mas a maior virada aconteceu especificamente para Galvão Bueno, o principal narrador esportivo da TV brasileira. No ato mais intenso e até hoje meio inexplicável da sua carreira, Galvão Bueno saiu da Globo para se aventurar na Rede OM Brasil, numa parceria que não durou nem um ano.
O curioso é que, em 1992, Galvão chegou a narrar pela Globo —participou da transmissão, por exemplo, da estreia de Edmundo no futebol profissional, em uma goleada do Vasco sobre o Corinthians por 4 a 1, pela primeira rodada do Brasileirão, em 26 de janeiro. Mas em 8 de março, veio a bomba: Galvão aceitou uma proposta virar sócio na área de Esportes da nova rede.
Os dois dividiriam custos e lucros do que fosse negociado em anúncios no Esporte, e Galvão cuidaria da produção, da operação e dos direitos de transmissão das competições que seriam feitas na nova emissora, virando um diretor de Esportes da TV. Era um modelo parecido com o acordado entre Luciano do Valle e TV Bandeirantes nos anos 1980 e 1990.
Operação Libertadores
A primeira cartada de Galvão como executivo foi justamente a compra da Libertadores com exclusividade para a OM, em março, com o torneio já em andamento. "Nós precisávamos de um evento que desse o 'start' para essa nova fase, e a Libertadores tava aí, dando sopa. E acho que entramos com sorte, porque o São Paulo e o Criciúma, os clubes brasileiros, vão se classificar para a segunda fase", disse Galvão Bueno, em entrevista a um programa da casa.
A estreia veio, de fato, em 1º de abril com o confronto na primeira fase entre São Paulo e Criciúma, marcando o "início de uma grande amizade", como dizia Galvão sobre sua chegada na OM —o que não se concretizaria, como hoje sabemos.
Depois de conseguir bons índices de audiência, figurando entre as três primeiras do Ibope em São Paulo em diversas partidas do São Paulo —e até mesmo do Criciúma —, a parceria Galvão/Rede OM conseguiu sua maior audiência na decisão entre São Paulo e Newell's, com a qual chegou a dividir liderança com a Globo, naquele 10 de junho.
O auge aconteceu na partida de volta, com Galvão in loco ao lado de Roberto Avallone, Raul Quadros e Mário Jorge Guimarães. O Ibope bateu em 34 pontos, um recorde da emissora, que deixou a dupla Galvão-Avallone emocionada na cabine ao fim da jornada. Estavam rodeados por mais de 105 mil pessoas no Morumbi. O drama da disputa nos pênaltis também teve sua influência, claro.
Um outro fato curioso naquela partida foram chamadas para a programação da Rede OM. Na sexta, dia 19 de junho de 1992, Galvão Bueno anunciava a exibição de "Calígula: O Império da Orgia", polêmico filme que quase tirou a emissora do ar após reclamações de grupos religiosos por conter cenas de sexo explícito - além da exibição acontecer na semana do feriado religioso de Corpus Christi.
A Globo pediu a Libertadores
O curioso é que, pouco antes da partida, a Globo procurou Galvão para tentar exibir o jogo decisivo da Libertadores. Em seu livro biográfico lançado em 2015, o "Fala ,Galvão!", o narrador relatou que Ciro José, histórico diretor de Esportes da Globo, o procurou na ocasião.
"No jogo de ida, na Argentina, já tínhamos conseguido dividir audiência com a Globo, que fez de tudo para comprar o direito de transmitir a finalíssima conosco. Pedi desculpas a Ciro José e Marcos Lázaro, mas não vendi. Eu não poderia trair meu time, os colegas que tinham topado aquele desafio comigo", descreve Galvão na biografia.
Como Galvão saiu da Globo
Se hoje ele é praticamente uma unanimidade e parece impensável sua presença em outro canal, no início dos anos 1990 o narrador convivia com muitas críticas sobre seu estilo. Não eram poucos os veículos que questionavam se ele era, de fato, merecedor de ter tamanho espaço. Mas havia resistência até mesmo dentro da Globo.
Em 1986, cinco anos antes, lembremos uma rusga: Galvão havia sido preterido por Osmar Santos nas narrações dos jogos do Brasil na Copa do Mundo. Em 1990, fez as partidas da seleção, mas foi contestado.
No ano seguinte, havia sinais de como sua relação com a emissora carioca estava deteriorada. A Folha de S. Paulo noticiou em 30 de junho de 1991 que Galvão teria que virar provisoriamente repórter da Fórmula 1 nos noticiários da casa, porque Reginaldo Leme e Ayrton Senna tiveram uma grande desavença.
O deslocamento do narrador para a reportagem gerou algum desconforto no jornalismo da casa. Internamente, Galvão "já está ficando famoso como assessor de imprensa informal de Senna", relata o jornal. "Suas perguntas permitem sempre uma saída festiva para o piloto e seus patrocinadores."
No fim daquele ano, aliás, a PGB Produtora, antiga produtora de vídeo de Galvão Bueno, intermediou um acordo para que Ayrton Senna tivesse uma coluna de Fórmula 1 dentro de um programa esportivo na Record —a coluna, inclusive, seria produzida pela empresa do locutor. Era um indício de que Galvão pensava em caminhos diferentes naquele momento, desenvolvendo novos modelos de negócio.
O que era a Rede OM?
De posse do político e empresário José Carlos Martinez (1948-2003), os planos da Rede OM eram absolutamente ambiciosos. Até 1991, a emissora era apenas uma rede estadual no Paraná, até então retransmissora da Record. Tinha sua relevância, liderando a audiência local com o polêmico programa policial do apresentador Luiz Carlos Alborghetti (1945-2009). Também exibiu o primeiro programa solo na TV de Ratinho, naquela altura deputado federal do baixo clero no Congresso Nacional e desconhecido no grande público brasileiro.
No fim daquele mesmo ano, a Rede OM tentou seu salto ao pedir um espaço no satélite da Embratel para transmitir seu sinal para todo o Brasil, via antenas parabólicas. Já em 20 de novembro, a maior surpresa: a OM fechou acordo operacional com a TV Gazeta de São Paulo. A emissora paulista teria liberdade para produzir seu conteúdo durante o dia, enquanto o horário nobre, das 18h à 0h, ficaria sob responsabilidade da nova rede.
O investimento era tão grande que o plano de Martinez era conquistar o terceiro lugar de audiência na Grande São Paulo em apenas 90 dias após a fundação da TV. Hoje, a Rede OM ainda está no ar, mas com outro nome, adotado desde 1993: CNT (Central Nacional de Televisão).
Do auge à saída
Foi com essa final e com essa campanha que Galvão Bueno provou que, de fato, era um narrador que sabia trazer o público e que daria audiência em qualquer lugar. No segundo semestre daquele ano, Galvão ainda conseguiu manter a relevância e adquiriu os direitos da Copa do Brasil para a Rede OM e transmitiu os jogos daquele ano, narrando o título do Internacional contra o Fluminense para todo o Brasil.
Outro ponto curioso foi que Galvão Bueno também narrou o Campeonato Paranaense de 1992, sendo a voz do título do Londrina naquele ano, considerado um dos mais marcantes do clube do interior do Paraná. Mas a situação das Organizações Martinez, àquela altura, já não era saudável, do ponto de vista financeiro.
Em crise, a emissora chegou a cortar 60% de todo o seu pessoal em outubro de 1992 para seguir no ar. Quem se manteve intacto foi departamento de Esporte, que era responsável por 60% do faturamento da rede e pelas maiores audiências, depois dos filmes picantes.
Mas Galvão Bueno deixou a rede em janeiro de 1993, apenas dez meses depois de sair da Globo. Ele acusou o grupo de não cumprir promessas e entregar cheques sem fundo.
"Fiquei na OM dez meses e saí porque houve uma quebra de confiança. Eles não cumpriram o prometido, a dívida que contraíram comigo se acumulou e eu não sentia mais nenhuma honestidade por parte deles. Não me pagavam o que me deviam, os cheques sem fundo se acumulavam, não tinha mais nenhuma possibilidade de continuar lá", disse Galvão Bueno em entrevista ao Jornal do Brasil, em 13 de março de 1993.
A batalha acabou se resolvendo na Justiça depois de um acordo amigável entre as partes. "Martinez estava em grandes dificuldades financeiras, não conseguia mais pagar todas as contas e chegamos a um acordo para encerrar nossa parceria", concluiu Galvão novamente em seu livro biográfico, lançado em 2015 e que fala pouco desse período mais complicado de sua história.
Após sair da Rede OM, Galvão recebeu propostas de todas as emissoras: do SBT, da Band e até mesmo da Manchete, com esta última querendo o mesmo modelo de negócio que Galvão Bueno tentou com a Rede OM. Mas o narrador parecia decidido a retornar para a sua casa. Em 13 de março de 1993, ele retorna para a Fórmula 1 narrando o GP da África do Sul. O resto é história. Galvão está na Globo até hoje e continua sendo o principal nome ligado ao esporte na TV nacional. Até quando ficará no ar? Ainda não se sabe.
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