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"Temos voz". Atletas da Belarus acionam COI contra o presidente do país

Aliaksandra Herasimenia ganhou medalha de bronze nos 50m livres da Rio-2016  - Adam Pretty/Getty Images
Aliaksandra Herasimenia ganhou medalha de bronze nos 50m livres da Rio-2016 Imagem: Adam Pretty/Getty Images

Karla Torralba

Do UOL, em São Paulo

08/11/2020 04h00

"O Esporte sempre esteve fora da política. Agora queremos ter voz". A fala é da medalhista olímpica da Belarus Aliaksandra Herasimenia em entrevista ao UOL e casa com o que prega o Comitê Olímpico Internacional: "o esporte é neutro". Mas a ex-nadadora, dona de três medalhas olímpicas, decidiu que era hora de mudar esse pensamento. Ela encabeça um movimento formado por atletas e personalidades do esporte do país no Leste Europeu.

O grupo acusa o presidente Aleksandr Lukashenko de violência contra manifestantes políticos, pressão sobre atletas de alto rendimento e de ter fraudado as eleições presidenciais este ano. Em uma carta-protesto, Aliaksandra pede providências sobre o assunto. Mais de mil esportistas já assinaram o manifesto e até o COI (Comitê Olímpico Internacional), que prega neutralidade política, confirma que investigará o caso após receber diversas denúncias.

A nadadora disse que decidiu escrever a carta, que hoje está no portal SOS By, site criado por atletas para colher assinaturas de apoio e ajudar esportistas demitidos, depois dela própria ser desligada da escola onde ministrava aulas de natação para crianças havia cinco anos e ver atletas de alto nível da Belarus, com condições de disputar os Jogos Olímpicos, serem retirados do comitê olímpico local, presidido por Lukashenko.

Belarus - Sergei Gapon/AFP - Sergei Gapon/AFP
Multidão protesta contra o resultado das eleições presidenciais em Belarus
Imagem: Sergei Gapon/AFP

"Sentimos medo. Recebemos muita pressão da federação [comitê olímpico local] que comanda o esporte nacional. As pessoas [autoridades do esporte] foram aos atletas e falaram que eles teriam uma chance para retirar a assinatura da carta e ficarem calados. Os atletas se posicionaram pelo direito de ter voz. É o nosso direito de falar. As pessoas não podem tirar o direito de falar e eu quero falar que não sou a favor dessa violência, minha voz foi roubada de mim", explicou Aliaksandra, que se aposentou das piscinas após a Olimpíada do Rio, em 2016.

Belarus é palco de grandes protestos desde agosto, após a reeleição do presidente Aleksandr Lukashenko pela 6ª vez. Opositores afirmam que o resultado foi fraudado e desde então manifestantes, grande maioria formada por jovens e mulheres, tomam as ruas de Minsk em pedindo a renúncia do presidente. A política tem reprimido os protestos com violência. Centenas de pessoas foram presas e tiveram que deixar o país.

A ex-nadadora diz que atletas foram demitidos do time nacional por assinarem a carta e alguns chegaram a ser presos por participar das passeatas contra o governo que reúnem milhares de manifestantes aos finais de semana na capital Minsk. Uma delas é a ex-jogadora de basquete Yelena Leuchanka, que ficou presa por 15 dias no final de setembro.

"Foi muito terrível, porque é como se tivéssemos feito algo ruim, como um assassino. Os atletas foram tratados como criminosos", ressaltou Aliaksandra.

O UOL tentou contato com o Comitê Olímpico da Belarus questionando a entidade sobre as acusações de Aliaksandra e do grupo de atletas, mas não obteve resposta.

COI investiga denúncia de atletas

O Comitê Olímpico Internacional confirmou que tem sido procurado por atletas com denúncias sobre pressão política sofrida na Belarus e disse ter cobrado respostas do comitê local. A organização ainda afirmou que continuará investigando a postura do Comitê Olímpico da Belarus.

O COI também se reuniu no último dia 23 de outubro com um representante do RAZAM.CH, organização que ajuda no diálogo entre cidadãos da Belarus e suíços para tratar do caso dos atletas.

"O comitê executivo do COI recebeu muitas denúncias sobre a possibilidade de interferência política em membros do Comitê Olímpico da Belarus. O COI agiu e enviou uma carta para o presidente do comitê do país pedindo a confirmação de que os atletas poderão continuar a se preparar para os Jogos de Tóquio e os Jogos Olímpicos de Inverno de 2022 mesmo com qualquer ponto de vista que eles possam expressar durante esses tempos difíceis. O Comitê Olímpico da Belarus respondeu que 'a seleção dos atletas será baseada apenas na performance e resultados dos mesmos'", explicou o COI.

O caso da prisão de Yelena Leuchanka também foi levado ao comitê internacional no começo de outubro. "O órgão respondeu que a atleta não faz parte do time nacional desde 2018. Ainda respondeu que ela foi sentenciada a 15 dias de prisão, de acordo com a lei nacional do país", explicou a entidade.

"O COI recebeu várias outras reclamações individuais de atletas relativas a pressão política sofrida por eles. O COI é uma organização não governamental e é limitada ao esporte. O COI não tem a capacidade de mudar leis e sistemas políticos e, por isso, não comenta os acontecimentos políticos em qualquer país. No entanto, leva muito a sério o fato de os comitês olímpicos respeitarem a Carta Olímpica e os direitos dos atletas. Isso significa que eles não podem ser discriminados por seus pontos de vista políticos", completou o órgão.

Atletas fazem leilões e vaquinhas

Dispensados dos times nacionais da Belarus, os atletas acabam ficando sem renda e sem condições de treinamento. Por isso, o grupo encabeçado por Aliaksandra Herasimenia tenta levantar fundos para ajudá-los a continuar em atividade.

"Tivemos um leilão. A roupa que eu usei nos Jogos de Londres [em 2012] eu vendi e é algo como 5 mil euros, que vão para atletas que precisam de ajuda. Também vamos começar vaquinhas para todos os atletas, porque eles precisam continuar treinando. Todo mundo sabe que é um tempo difícil".

A ex-nadadora, que encerrou a carreira no Rio de Janeiro, em 2016, também pede apoio de atletas brasileiros. "Só gostaria de pedir para que os esportistas do Brasil pudessem nos apoiar. Pode ser por um vídeo ou a doação de algo para nos ajudar. Nossos atletas ficariam muito felizes", completou.