Disputa deixa R$ 94 milhões do esporte paralímpico parados na poupança
O destino de R$ 94.743.205,89 milhões de verbas públicas, que já deveriam ter sido usados, levou as principais entidades de clubes do esporte olímpico e paraolímpico a uma disputa. O Comitê Brasileiro de Clubes (CBC) e o Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos (CBCP) recorreram ao Tribunal de Contas da União para saber como deve ser usado esse dinheiro, oriundo dos repasses das loterias para o fomento do esporte paralímpico.
Desde 2014, parte das verbas da Lei Agnelo-Piva que vai para o CBC deveria ser destinada ao esporte paralímpico. O problema é que a entidade nunca conseguiu destinar todo a fatia paralímpica para projetos de clubes paralímpicos. O que não era gasto seguia para contas de poupança, como pregava a lei —hoje, essas contas já têm R$ 94.743.205,89 milhões, como citado acima.
O CBC argumenta que tentou por várias vezes aplicar esses recursos, mas não encontrou clubes capacitados para isso. Assim, destinou parte dos recursos ao longo dos últimos seis anos a campeonatos interclubes, contratações de técnicos, auxiliares e equipamentos para a prática do paradesporto.
Segundo representantes dos clubes paralímpicos, eles não tinham acesso à verba porque não tinham condições econômicas para se filiar à CBC. A entidade limita seus editais a quem paga quase R$ 47 mil de anuidade. Por isso, clubes paralímpicos criaram a sua própria entidade de clubes, que entrou no Sistema Nacional de Desporto no ano passado. O novo CBCP, então, passaria a receber o repasse destinado aos paralímpicos (a estimativa do Governo Federal é que a nova entidade receba cerca de R$ 8 milhões ao ano da arrecadação das loterias).
O problema é que a verba que não foi gasta pelo CBC entre 2014 e 2020 ficou sem destino. Não há um entendimento se esse dinheiro pode ser repassado para o CBCP, já que é referente a um período em que a entidade não existia, ou se fica com o CBC —aí, essa verba precisaria ser gasta com paradesporto ou seria livre para fomento esportivo de maneira geral? Daí a briga no TCU. "Não pleiteio os recursos, até porque não posso. Mas o que mais me indigna, na condição de presidente, é permitir que o CBC promova uma 'tunga'. Tinha uma rubrica específica, que é o desenvolvimento do desporto paralímpico", disse João Batista Carvalho, presidente do CBCP, ao UOL Esporte.
Para o CBC, o valor que deve ser repassado ao CBCP é de R$ 18.197.757,98, devidamente atualizados —como mostra o balanço acima. E não os R$ 94.743.205,89 milhões represados, referentes a tudo o que o CBC recebeu desde 2014 e não investiu em fomento ao esporte paralímpico. O CBC entende que só deve repassar os valores oriundos das loterias a partir da aprovação da lei 13.756, em dezembro de 2018. Além disso, espera que o CBCP se enquadre nas condições de repasse de verbas públicas, o que ainda não aconteceu.
Um dos problemas apontados por João Batista Carvalho foi o de que o CBC usou um parecer feito por um funcionário da própria entidade para apoiar a decisão de que não deve repassar o valor. A reportagem teve acesso ao parecer elaborado por João Paulo Gonçalves da Silva, superintendente-executivo de Brasília do CBC —na imagem abaixo.
"O CBC não quer um centavo que não seja dele, mas também não passa verba para quem não tem condições de gerir. E, pela legislação, esses recursos não podem ser mais aplicados no esporte olímpico e paralímpico", defende-se João Paulo, responsável por elaborar o parecer da discórdia, ao UOL.
Na documentação apresentada ao TCU, o parecer de João Paulo aparece como parte do ofício, não como um item individual, entre outros documentos enviados ao tribunal. "Fizemos isso para garantir a transparência, para também corroborar as ações e ser complementada por um parecerista", afirma João Paulo. Essa ação tinha como objetivo evitar acusações de conflito de interesses por entregar ao TCU um parecer elaborado por um funcionário do próprio CBC.
Para isso, o CBC recorreu aos serviços do advogado Wladimyr Camargos. Procurado pela reportagem, ele não quis responder aos questionamentos. No parecer elaborado por Camargos, não há menção sobre qual deve ser o destino dos R$ 90 milhões que estão sob a tutela do CBC.
"Não posso fazer mais o que a legislação não me permite. Se eu aplico esse dinheiro [no esporte paralímpico], eu estaria cometendo um desvio de finalidade. O CBC buscou todas as medidas possíveis", explica João Paulo Gonçalves. Segundo ele, o CBC solicitou que o Comitê Paralímpico Brasileiro, por meio de dois editais, assumisse a captação e distribuição dos recursos.
A resposta do CPB veio ontem (24), por meio de publicação no Diário Oficial da União:
"Requeremos primeiramente que o CBC repasse os recursos destinados ao paradesporto recebidos até a entrada em vigor da Lei 13.756/2018, que estão represados em suas contas e que, conforme se extrai de seu balanço de 2018, são de R$ 76.545.447,91 (setenta e seis milhões, quinhentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quarenta e sete reais e noventa e um centavos), diretamente aos clubes paralímpicos. Ainda, considerando justamente o previsto na Lei 13.756/2018, bem como a Lei 14.073/2020, que todo recurso restante, recebido após a vigência da primeira norma citada, seja então repassado diretamente ao CBCP, que é a organização responsável hoje por essa atuação, ou que, igualmente ao solicitado anteriormente, que aplique diretamente nos clubes paralímpicos", diz a nota, assinada pelo presidente do CPB, Mizael Conrado.
O CBCP pediu ajuda também ao Ministério da Cidadania e à Secretaria Especial do Esporte. Procurada, a pasta informou que "a denúncia apresentada pelo Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos (CBCP) será analisada pelas áreas técnicas do Ministério da Cidadania, que definirão as providências cabíveis". Já o TCU diz que "até o momento, não localizamos processo autuado tratando do tema. É possível que o ofício esteja em fase de tramitação interna ou ainda não tenha sido protocolado", finalizou o órgão de controle.
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