Do vício precoce em drogas a Nazaré: a história do surfista Marcelo Luna
O medo de nadar, o vício em álcool e drogas ainda aos 11 anos de idade, o abandono do pai alcoólatra, o acidente que por pouco não o deixou tetraplégico... Esses foram alguns dos desafios que o surfista brasileiro Marcelo Luna precisou encarar até realizar o sonho de dropar Nazaré. Hoje está prestes a fazer "algo inédito" em uma das ondas mais temidas do planeta.
O que é este "algo inédito" ele ainda não revela, mas a novidade deve vir à tona assim que o primeiro grande swell em Nazaré acontecer —a partir de setembro. Tudo está bem planejado pela equipe de Luna, assim como foi toda a carreira do surfista de São Bernardo do Campo (SP) que pegou a primeira onda apenas aos 16 anos —e morria de medo de ir para o fundo.
"Nunca pensei em surfar onda grande. Quando comecei a surfar, morria de medo de onda grande, não sabia nem nadar. Uma vez, quase morri afogado. E eu passei, dos 16 aos 17 anos, sendo chacota dos amigos. A gente ia surfar, e eu surfava só na beirinha. Fiquei ali por muito tempo, até que um dia falei: 'Quer saber? Se tiver que morrer, morro afogado' [risos]", brinca Luna em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
"Aprendi a nadar dentro do mar, surfando. Sempre olhava aquelas ondas gigantes tipo Teahupoo [no Taiti] e pensava: 'Que onda absurda, mas como é que surfa isso? É impossível'!. Mas, por um lado, tem amigos meus de infância que falam que sempre tive esse espírito. Eu era sempre o cara que ficava mais atrás, esperando a maior da série... Nunca fui de manobras. Talvez isso já fosse instinto e eu não sabia, demorei anos para entender", acrescenta.
A partir da primeira onda de sua vida, Marcelo Luna tomou uma decisão: queria viver do surfe, e assim foi. Passou a concentrar todos os esforços para ter uma carreira no esporte.
"Fui gerente de banco, dono de imobiliária, supervisor de call center da TIM... E tudo foi pensado para me tornar surfista, desde os 16 anos. Desde o dia em que pisei na prancha pela primeira vez, falei em alto e bom som: 'Vou ser surfista e viver esse sonho'. E tudo que eu fazia era para poder ganhar muito mais dinheiro nas minhas empresas para me dar condição de investir R$ 480 mil na minha carreira. E ainda bem que deu certo, se não desse, estava ferrado [risos]", brinca o surfista de 37 anos.
De São Bernardo a Nazaré
Ser local de São Bernardo é mais um detalhe que difere Marcelo Luna dos demais surfistas. "Essa é a coisa que se tornou a cereja do bolo da minha história, porque como um cara de São Bernardo vai surfar Nazaré? Minha história é bem diferente de qualquer percurso de surfista comum, de competição. São meninos que nasceram na prancha, né? Eu comecei a surfar com 16 anos e o surfe foi avassalador na minha vida, foi como se eu tivesse ganho um presente de Deus para mudar o rumo da minha história", diz.
"O que aconteceu, de fato, é que virei surfista por uma mágica mesmo. Nunca competi, nunca fui surfista amador, e fui diretamente de São Bernardo para Nazaré para surfar a maior onda do mundo, de uma forma muito louca. Foi muito louco o que eu fiz. Mas foi tudo estrategicamente planejado. E quando cheguei aqui [em Nazaré], em 2016, foi uma surpresa para todo mundo no meio do surfe, para quem estava aqui, que na época ainda eram poucas pessoas... E com 31 anos, eu virei profissional quando surfei uma onda em Nazaré com o braço imobilizado para um evento que eu nem era convidado", recorda.
"Surfei uma onda que o próprio organizador falou: 'Cara, o evento é só para convidado, mas não dá para não colocar o cara que surfou as mesmas ondas que todo mundo'. Aí, apareci para o mundo, recebi uma homenagem no Museu de Nazaré, minha prancha foi para lá, e foi quando aconteceu tudo", complementa Luna, que desde então foi indicado por três anos consecutivos (2017, 2018 e 2019) ao Big Wave Awards, o Oscar das ondas gigantes.
"A minha carreira toda foi dedicada à Nazaré, e acho que é por isso que consegui me tornar o Marcelo que as pessoas conhecem. Eu tinha 30 anos na época, era 'velho' já... Para me destacar como surfista no meio de um monte de cara... Se fosse para o Havaí, seria eu e mais um milhão... Mas se, estrategicamente, um cara de São Bernardo aparecesse na mídia surfando Nazaré, todo mundo ia pensar: 'Quem é esse cara?'. Eu sabia que isso, estrategicamente, seria um boom midiático. Isso foi planejado."
"Minha experiência com onda grande era 3 metros em Maresias [litoral norte de São Paulo]. Não tive experiência nenhuma, vim direto para cá com aquilo fixado no meu coração. Eu tinha certeza de que tinha nascido para fazer esse negócio."
"Comecei a usar cigarro com nove anos"
Antes de domar Nazaré, Marcelo Luna precisou encarar outro desafio muito maior: o vício em álcool e drogas mais do que precoce. "Comecei a usar cigarro e beber com 9 anos. Eu era uma criança. O cigarro era maior que a minha mão. E acho que foi por uma série de fatores. Primeiro, porque meu pai era alcoólatra. A gente tinha essa desestrutura toda, e isso me deixou um pouco rebelde e confuso na época, por ser criança, isso foi um pouco complicado para mim. Aí, você fica rebelde e começa a usar drogas...", conta.
Luna cresceu numa COHAB (Conjunto de Habitação Popular), uma 'favela em pé', como ele mesmo diz.
"Eu cresci no meio das drogas, vendo tráfico de drogas, estupro, briga de gangue, aquela coisa toda... Minha vida era essa, meus amigos eram esses, e com 11 anos de idade, eu já fumava maconha, com 13 já cheirava cola, aquela coisa de ficar na rua o dia inteiro. Eu bebia álcool, fumava maconha e crack e cheirava cola tudo no mesmo dia... Isso foi avassalador para a minha vida. E, se não fosse o surfe em 2016, provavelmente, não estaria te dando essa entrevista aqui. Ou eu teria morrido por tráfico, por drogas, por crime, ou estaria preso ou algo do tipo..."
O abandono do pai
Em meio a tudo isso, Luna ainda precisou lidar com o abandono do pai que, assim como ele, bateu de frente com o alcoolismo.
"Meu pai deixou a nossa casa forçado, porque nós o expulsamos, uma situação difícil... Eu já estava numa fase bem rebelde, era bem envolvido com drogas e nem lembro se ficava são durante o dia. Devia ter meus 13 anos, bem na pior fase da minha vida, e ele deixou a gente. Fiquei praticamente uns sete anos sem vê-lo. Até que eu fiquei maior, comecei a ter mais entendimento da vida, fui atrás dele e o encontrei vivendo embaixo duma garagem como um alcoólatra... Foi bem complicado para mim, e aí começou o processo de restabelecimento da família, de tentar ajudar, de tirá-lo do álcool..."
"Meu pai faleceu, mas a gente tem uma história bem bacana. A história da minha família teve um desfecho feliz... Depois dessa fase toda, a gente o resgatou... Minha mãe o amava muito, ficou separada 13 anos, mas eles se casaram de novo. Eu o ajudei muito, tentei resgatá-lo, e ele teve câncer... Aí, o trouxe para morar comigo, comprei uma casa na praia com eles para ele poder viver mais tempo com câncer, cuidei do meu pai, troquei fralda, dei sonda, alimentei... Até ele morrer, morreu praticamente nos meus braços, mas a gente teve um desfecho feliz, deu pra cumprir aquilo que a gente tem que cumprir na vida, que é cuidar dos pais. Ele veio a falecer já há alguns anos, mas a gente conseguiu fazer o que pôde, e teve o laço familiar estruturado. Meu pai pôde me ver em uma outra fase, já homem, dono de empresa, com casa própria, com carro, sendo o homem da família. Ele pôde ver isso acontecer."
De volta após quase ficar tetraplégico
Em 2019, um grave acidente durante uma aventura em snowboard quase acabou com o sonho de Marcelo Luna de viver surfando Nazaré.
"Eu sumi durante uns dois anos. Quase fiquei tetraplégico na Suíça, caí de snowboard, rompi o anel que protege a medula e, por um milagre, o líquido não saiu e eu não fiquei tetraplégico. Mas perdi os movimentos do lado esquerdo do corpo, fiquei praticamente oito meses para começar a ter a força equilibrada de ambos os lados... Fiquei bem atrofiado por um tempo. O processo geral de reabilitação durou um ano e meio", recorda.
"Quem cuidou de mim foi a Denise Lessio, a mesma fisioterapeuta da Laís Souza [ex-ginasta]. Ela teve a mesma lesão que a minha, só que a musculatura dela era bem mais frágil. A minha estrutura muscular é bem forte, e não deixou quebrar. E quando a Denise ficou sabendo do caso, ela se colocou à disposição e cuidou de mim. Foram quase dois anos fora e não vejo a hora de voltar, essa que é a verdade. Estou agoniado de pegar onda gigante de verdade", completa.
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