Quando a Liga Mundial de Surfe (WSL) anunciou, na metade de 2020, que o campeonato passaria a ser definido através de um 'mata-mata', e não mais por 'pontos corridos', o mundo do surfe se viu dividido assim como é até hoje no futebol quando o assunto vem à tona: alguns preferem que o campeão seja o time que mais somou pontos ao longo da temporada, como o formato atual; outros priorizam a emoção e não abririam mão do mata-mata.
O novo formato foi até mais criticado do que elogiado, com nomes de peso, como o agora tricampeão Gabriel Medina, alegando injustiça para a definição do campeão de cada temporada do surfe mundial.
"É complicado, né? Mas não há muito o que fazer. Eu não quero ficar falando muito, porque é um negócio chato, tenho que fazer o meu trabalho, que é surfar e fazer o meu melhor dentro da água", disse ao Blog do Surfe do Lance!, dias antes da decisão de ontem (14) em Trestles. "O formato não é um dos mais justos, mas, como nas competições e baterias, eu sempre tive facilidade em me adaptar a qualquer situação", acrescentou.
Na época, o UOL Esporte chegou a ouvir atletas e comentaristas do esporte, e, no geral, a recepção também foi negativa. "Como ex-competidor, eu não acho muito justo porque você vem fazendo um ano maravilhoso e, de repente, chega naquele dia e você não está bem, acordou mal, ou acontece alguma tragédia na sua família, e o título mundial passa pela sua mão depois de ter vencido várias etapas em ondas diferentes", disse o comentarista da ESPN Renan Rocha, ex-surfista da elite e primeiro brasileiro a tirar uma nota 10 em Pipeline.
Mas mesmo após o anúncio já houve quem fez questão de também enxergar os pontos positivos. "Fizeram esse formato pra, comercialmente, vender pra TV. É um golaço. Agora a gente sabe: tal dia, tal hora, teremos transmissão ao vivo do surfe para decidir o título mundial. Isso é um espetáculo. Isso, pra venda, pra televisão, é formidável", disse o mesmo Renan Rocha. Filipe Toledo complementou: "Tem tudo para dar uma bombada no nosso esporte, nas nossas carreiras, portas sendo abertas para patrocinadores e espero que dê muito certo".
Assim como no futebol, a discussão dificilmente vai cessar, mas a estreia da final com mata-mata em Trestles - que recebeu um lindo swell e ajudou a tornar o show ainda mais bonito — serviu para reforçar os pontos positivos e negativos. A começar pelos positivos: é inegável que o campeonato ganha em emoção, especialmente com o dia decisivo. Foi uma sequência de emoções, da primeira à última bateria, tanto no masculino como no feminino.
Qual torcedor brasileiro não sentiu aquele frio na barriga quando Filipinho surfou a última onda da bateria contra o australiano Morgan Cibilic e dependia única e exclusivamente dela para seguir na briga ou dar adeus ao ainda inédito título? E como não ter vibrado com a vitória na primeira bateria final e lamentado as seguintes derrotas de Tatiana Weston-Webb na decisão com Carissa Moore? Injusto ou não, o mata-mata é imbatível quando o assunto é emoção.
Outro ponto positivo: os organizadores do evento puderam, com tranquilidade, escolher qual seria o melhor dia da janela para definir os campeões. Afinal, é preciso apenas um dia de provas, o que não acontece nos 'pontos corridos', quando há o evento inteiro para ser disputado.
É claro que já rolou emoção de sobra no antigo formato, como, por exemplo, em 2019, quando a definição do campeão ficou para a última bateria de Pipeline - Italo bateu Medina e sagrou-se campeão mundial. Mas cabe reforçar: não é sempre que isso vai acontecer. Já houve diversos anos em que o campeão foi definido antes da última etapa ou sem muita emoção na reta final, assim como acontece no futebol.
Agora, os pontos negativos. Ou melhor: o ponto negativo. Não consigo enxergar outro senão a injustiça de o melhor surfista na fase classificatória - às vezes com ampla distância para o segundo colocado - não sagrar-se campeão, como aconteceria com Gabriel Medina na atual temporada se não houvesse o WSL Finals.
Ainda assim, a organização do surfe mundial acertou em cheio ao dar consideráveis vantagens ao primeiro colocado, que já entra na grande final e só tem um adversário pela frente para conquistar o caneco. Fora isso, a decisão acontece em melhor de três baterias, evitando que apenas meia hora defina o vencedor; Carissa Moore, por exemplo, esteve irreconhecível na primeira bateria, mas depois voltou a mostrar porque hoje é pentacampeã mundial.
No fim, é aquela eterna questão: razão ou emoção? Acredito que a WSL conseguiu dosar bem as duas coisas, ainda mais para o ano de estreia desse formato. A expectativa é só melhorar, e quem sabe convencer os críticos de que a decisão foi acertada.
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