Ciclista que perdeu o braço na av. Paulista vai ganhar documentário
David Santos Sousa era um anônimo até 10 de março de 2013. Naquele dia, foi atropelado quando ia para o trabalho de bicicleta, em plena avenida Paulista. O atropelador Alex Siwek, então estudante de psicologia, fugiu do local e jogou o braço direito de David em um córrego. O caso ganhou espaço em toda a imprensa e chegou até mesmo a motivar a construção da ciclovia na via.
Depois do acidente, a vida de David mudou completamente. Agora, ele, aos 30 anos, treina para representar o ciclismo brasileiro na Paralimpíadas de Paris, em 2024, pratica muay thai, aprendeu a dançar sertanejo e faz rapel. A inspiradora história motivou o cineasta Rodrigo Rebouças a produzir um documentário curta-metragem sobre a vida do rapaz. 10/3 deve estrear até o final deste mês.
Em entrevista ao UOL Esporte, o diretor, também um apaixonado por bicicletas, contou que reconheceu David enquanto pedalava, antes da pandemia, o chamou para conversar e fez a proposta.
"Eu estava com um projeto já desde o ano retrasado sobre pessoas inusitadas de São Paulo, pessoas que tinham uma história para contar, mas que não eram muito reconhecidas pelo grande público. Quando eu encontrei com o David, pensei 'nossa, é a oportunidade de contar'. Sou ciclista também, só ando de bicicleta. Então juntou essa paixão pela bicicleta e a vontade de contar uma história que mexe, que inspira, que faz as outras pessoas pensarem na própria atividade, na própria vida", diz Rodrigo.
O documentário, que está em fase de finalização, tem 13 minutos e abordará a mudança na vida de David após acidente.
A partir do atropelamento, a vida dele teve essa ruptura. E ao invés de largar a bicicleta e deixar para lá, não. Ele abraçou a bicicleta e hoje vive disso. Ele é um bike currier [faz entrega com bicicleta]. Anda em média de 90, 100 km por dia em São Paulo com as encomendas. E agora está mirando as paralimpíadas. É uma história muito inspiradora."
Rodrigo Rebouças
Por falar em inspiração, o diretor diz que o atropelamento de David foi responsável por mudanças estruturais na cidade de São Paulo.
"David não foi a primeira pessoa a ser atropelada na Paulista. Mas ele foi uma das poucas que sobreviveu. Da maneira que ele foi atropelado, da forma violenta que aconteceu e como ele ficou foi muito marcante. Isso é interessante porque as coisas mudam em pouco tempo, e a pessoa se torna uma espécie de ícone. Tem muitas pessoas, das entrevistas que fiz, que falam que o start para a construção da ciclovia da Paulista foi o atropelamento do David."
A ciclovia da avenida Paulista já era uma demanda antiga dos ciclistas. Uma semana após o atropelamento de David, os cicloativistas fizeram mais uma manifestação na via. Poucos dias depois, o então prefeito Fernando Haddad (PT) se reuniu com eles e se comprometeu a tirar do papel a construção da ciclovia. As obras começaram em janeiro de 2015, e a faixa exclusiva para ciclistas ficou pronta seis meses depois.
Inspiração para mãe e esposa
E não foi só a construção da ciclovia e o cineasta Rodrigo Rebouças que David inspirou. Ele também é o motivo para que a esposa Crislaine Marques e a mãe Antonia Ferreira pratiquem atividades físicas.
"Minha mãe nunca fez nada de esportes. Depois que sofri o acidente, ela começou a fazer rapel, já saltou duas vezes de paraquedas comigo. Até começou a aprender sertanejo, mas desistiu porque não tem tanta coordenação. Minha mãe é a referência de tudo."
O nome de Antonia está tatuado no braço esquerdo de David. É uma homenagem à mulher que cuidou dele durante os oito meses da recuperação após o acidente. "Minha mãe pediu as contas do trabalho para cuidar de mim. Essa mão [esquerda] foi lesionada, esse dedo [mindinho] também. Meu pulso foi deslocado, rompeu o ligamento. Eu não conseguia abrir uma pasta de dente. Minha mãe que tinha que abrir... Foram mais de 300 pontos."
Dona Antonia Ferreira é cearense e criou cinco filhos praticamente sozinha. Ela se casou aos 14 anos e se separou do marido quando David tinha seis anos. Para sustentar a família, trabalhava como doméstica e praticamente não via os filhos. "Passava o dia todo fora de casa. Quem cuidou de mim a vida toda foram meus irmãos".
Isso não significa que ela não estava atenta ao desenvolvimento dos filhos. Em um período em que David passou a "dar muito trabalho na escola", dona Antonia, que tinha estudado até a 4ª série, voltou para escola para incentivar o filho e completou o Ensino Médio. "Embora eu tenha dado trabalho para ela quando pequeno, hoje sou motivo de orgulho [para ela]", diz David.
A esposa, Crislaine, com quem tem um filho, o pequeno Dylan de cinco meses, também começou a praticar esportes influenciada por David. Eles se conheceram há quatro anos, apresentados por um amigo em comum. Crislaine passou a acompanhar David em todas as atividades dele, aprendeu a dançar sertanejo, treina muay thai e também acompanha o marido nas descidas de rapel.
"Tudo que eu faço, ela passou a fazer quando a gente se conheceu. Antes, só trabalhava. Acho que foi isso que fez com que a gente se aproximasse", diz ele.
Engana-se quem pensa que David pensou em largar a bicicleta, a sua parceira mais antiga. "Muitas pessoas me perguntam se eu tive medo de voltar a andar de bicicleta. Eu corrijo: [o atropelamento] não foi por conta da bicicleta. Foi por causa de um motorista bêbado."
Em 2014, Alex Siwek foi condenado a seis anos de prisão, Em 2017, porém, o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena para dois anos em regime aberto, oito meses de habilitação suspensa e pagamento de multa. A prisão foi substituída por serviços à comunidade e prestação pecuniária de 50 salários mínimos.
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