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Atletas da seleção de caratê fazem vaquinha e rifa para lutar Pan-Americano

Adam Ramos é pentacampeão brasileiro de caratê, mas precisa de vaquinha para lutar fora do país - Adam Ramos
Adam Ramos é pentacampeão brasileiro de caratê, mas precisa de vaquinha para lutar fora do país Imagem: Adam Ramos

Caio Blois

Do UOL, no Rio de Janeiro

19/10/2021 04h00

Meses depois de bater o recorde de medalhas olímpicas em Tóquio, o esporte brasileiro vive momentos difíceis. No caratê, por exemplo, sem apoio de patrocinadores, atletas da seleção precisaram recorrer a vaquinhas e rifas para lutar o Pan-Americano, que começa hoje (18), no Uruguai.

A Confederação Brasileira de Karatê (CBK) paga apenas as hospedagens dos lutadores em competições dos circuitos nacionais e internacionais. Os dois melhores atletas de cada categoria recebem o apoio, que só passa a custear todos os gastos no Mundial, que está marcado para novembro de 2021, em Dubai, um dos Emirados Árabes Unidos.

Para chegar até o vizinho Uruguai, Isabela Santos, da categoria +68 kg, precisou recorrer mais uma vez à ajuda de amigos e terceiros. Cada viagem costuma custar pelo menos R$ 7 mil, valor muito superior aos seus rendimentos como lutadora.

De São João de Meriti, na Baixada Fluminense, a carateca fez uma rifa de um kit de materiais de caratê em suas redes sociais para tentar cobrir o prejuízo de R$ 11 mil, soma dos valores gastos para ir também à Rússia, onde disputou uma etapa da Premier League, o circuito mundial do esporte. Quem vencer o sorteio pode escolher também um PIX no valor de R$ 300.

"Sou atleta do Exército desde 2018, e sem eles a situação estaria insustentável. Faço enorme esforço para competir profissionalmente e manter minha carreira no esporte. Minhas fontes de renda não são suficientes para disputar todas as competições, e isso atrapalha minha posição nos rankings no Brasil e internacionais", conta.

Aos 30 anos, Bela já foi campeã mundial e conquistou 26 medalhas em competições internacionais, além de ser pentacampeã brasileira em sua categoria. Mesmo assim, não possui patrocínio, e vive de sua bolsa do Exército. Diariamente, percorre quase 40 km para ir e voltar da Vila Olímpica do Mato Alto, na Praça Seca, zona oeste do Rio de Janeiro.

"A maioria dos atletas do país não tem apoio. Mesmo os de grande porte. Os melhores em resultados não possuem grandes marcas nos esportes olímpicos. É uma realidade difícil ser atleta no Brasil", resume.

A maratona diária serviu de "preparação" para uma verdadeira epopeia para chegar a Punta Del Este, onde será o Pan-Americano de Caratê. Por causa dos altos custos do translado, Isabela precisou pegar um avião até Porto Alegre e de lá, ir de ônibus até o país vizinho. Ao todo, foram quase 13h de viagem.

Voluntário da Prefeitura faz vaquinha online

Aniversariante desta terça (19), quando completa 29 anos, Adam Ramos é um dos atletas mais talentosos da seleção brasileira de caratê. Mesmo assim, tem dificuldades para competir no Brasil e no exterior. Para ir ao Pan-Americano no Uruguai, ele recorreu a uma vaquinha em suas redes sociais.

Nascido e criado na Vila Kennedy, ele é voluntário do projeto social da Prefeitura na Vila Olímpica da comunidade em Bangu, na zona oeste do Rio de Janeiro. Nos últimos dois anos, deu aulas lá com a promessa de ter a carteira de trabalho assinada e ser contratado, mas, até agora, não recebeu nada. Por isso, precisou da ajuda de amigos e de outras pessoas para ter os R$ 3,5 mil necessários para viajar.

"Comecei no caratê aos oito anos de idade. Desde então, tenho ajuda de professores e incentivo para treinar. Participei de uma competição nacional aos 13 anos, e sem nem saber que seria assim, ingressei na seleção de base. Com essa idade, disputei o Sul-Americano na Argentina, e desde então, dependo da ajuda de amigos e pessoas da comunidade para competir", explica, para prosseguir:

"Atleta não deveria ter que se preocupar com valor financeiro, só com a preparação, mas, infelizmente, no Brasil, não é assim. A gente tem que correr atrás do nosso. Deus iluminou pessoas que confiaram no meu potencial e trabalho, e por isso sigo competindo."

Mesmo com as dificuldades, o lutador está construindo uma casa para sua família na Vila Kennedy e tentando manter a carreira de atleta de alto nível. Tudo isso com o bolsa atleta e algumas aulas particulares. Ao todo, suas fontes de renda somam por volta de R$ 3 mil. Ele não pensa em deixar a comunidade, e quer manter o legado de seu mestre, que transformou sua vida.

"Sou nascido e criado na VK. Sempre treinei lá. Queria continuar o trabalho do meu professor. Hoje eu sou a pessoa que sou, grato a ele num sentido geral. Sonho em formar pessoas, cidadãos de bem. Acho que esse trabalho merece ser bem recompensado. Mais do que atletas, podemos ter novos advogados, professores, médicos. O esporte é um jeito de transformar a vida das pessoas."

Real desvaloriza e compromete atletas

A alimentação no Uruguai, entretanto, fugiu um pouco do planejamento dos atletas. Com o real desvalorizado, os preços por lá estão altos para os brasileiros. Um pacote de macarrão instantâneo, o popular Miojo, o que costuma ser o mais barato dos mercados, custa 290 pesos uruguaios —quase R$ 40 com o câmbio.

"Pelo menos na semana da competição precisamos nos alimentar bem, seguir uma dieta regrada. A alimentação é preponderante para a nossa recuperação", explica Isabela.

A dificuldade é comer bem. Uma salada no hotel pago pela CBK para os atletas custa US$ 9. Com a cotação atual, R$ 50.

Adam admite que os preços são muito altos para o que pode pagar, e mantém a vaquinha online para conseguir comer.

"Estamos correndo atrás para conseguir um valor melhor e conseguir fazer as coisas tranquilo por aqui com meus gastos pessoais. Ficar essa semana no Uruguai será difícil. Tive bastante ajuda, consegui estar aqui, e essa é a realidade do atleta na pandemia. Estamos com essas necessidades", afirmou o lutador, que fez um apelo à iniciativa privada.

"Tenho um projeto todo pronto, um cronograma de lutas, treinamentos, não é um custo de outro mundo. Mas sozinho fica difícil. Procuro uma empresa, um patrocínio, alguém que possa fechar pelo menos um ano de competição, mas está difícil. Preciso estar em competições aqui, lá fora, que somam pontos, dão confiança, experiência. Nós, no Brasil, temos talento para bater de frente com os atletas do resto do mundo. Seria ótimo uma empresa gostar do projeto, porque não me preocuparia mais em bater em portas de comércios e pedir ajuda às pessoas."