Professora de Alagoas usa estatísticas de Messi para ensinar matemática
Não é incomum que muitos estudantes temam as aulas de matemática. Os números, cálculos parecem não entrar na cabeça de muita gente. A professora Claricy Alves da Silva, da cidade de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas, dá aulas da disciplina há 19 anos, e sabe bem disso.
"A matemática já tem essa visão, de preconceito. Quando a gente, na sala de aula, já é o carrasco antes mesmo de passar na porta. Então até você mudar essa ideia nos alunos é difícil", disse Claricy em entrevista ao UOL.
Difícil, mas não impossível. Uma forma criativa de burlar esse preconceito é incluir em suas aulas temas do interesse dos alunos. Um dos que mais funcionam, diz ela, é o futebol, esporte do qual é fã. Recentemente, em uma atividade com alunos do 2º ano do Ensino Médio da rede estadual, por exemplo, usou dados da relação entre chutes ao gol e acertos de Lionel Messi, do PSG, considerado sete vezes o melhor jogador do mundo, e despertou interesse até de alunos pouco participativos.
"O material tem uma trave que tem pontos azuis [erros] e laranjas [gols]. Esses pontos dão ideia da posição de onde ele chuta e de onde ele acerta mais. A ideia era que eles notassem onde o Messi atuava melhor baseado nesses dados. Essa atividade não tem resposta certa, eles tinham que interpretar."
Observando a relação entre quantidade de chutes e gols marcados, primeiramente, os alunos criaram hipóteses de onde ele era melhor ou errava mais e levantaram alguns questionamentos. "Como era uma questão aberta, eles começaram a chegar a algumas conclusões: 'Será que ele erra isso tudo mesmo?' 'Então ele é persistente porque se ele erra tudo e mesmo assim, ele é o melhor do mundo, então é porque ele não desiste', coisas do tipo", conta a professora.
Dessa forma, Claricy conseguiu trabalhar com os alunos questões da mentalidade matemática, teoria da professora e pesquisadora norte-americana Jo Boaler, que defende que todo ser humano é capaz de aprender a disciplina desde que seja adequadamente estimulado.
"O bom desse tipo de atividade é que não tem [resposta exata]. Realmente ele vai pensar, como a gente diz, fora da caixinha mesmo. Não é aquela equação que o x vai ter que dar 10 e todo mundo vai encontrar 10. É a maneira como cada um visualiza. A mentalidade trabalha a valorização do erro e trata o erro de forma diferente para que eles se sintam mais acolhidos e tenham mais oportunidade de falar, mostrar que todo mundo é capaz, mas que precisa das condições necessárias, do apoio, do estímulo", explica.
O comportamento de um dos estudantes, geralmente mais calado e pouco participativo em sala, surpreendeu Claricy. "Um aluno que até então não falava e tinha dificuldade de falar nas aulas me chamou atenção. Ele não joga futebol, mas joga muito videogame, então sabia praticamente todos esses dados de Messi, que ele é esquerdo, onde joga, quais ligas participava, ele sabia explicar como funcionam as ligas".
Inclusão de esportes nas discussões matemáticas
Claricy afirma que os esportes, em geral, não apenas o futebol, proporcionam um vasto campo de discussão dentro de sala de aula. E ela gosta de explorar isso.
"A gente fez até uma feira 'Matemática e Esporte', só relacionando essa questão de onde a matemática entrava nos esportes. Fizemos um trabalho bem detalhado de natação. Por que o atleta fica naquela posição? O que acontece com os braços dele quando trabalham naquela posição? Qual era o ângulo do braço para ele ter maior impulso? Também entrou a questão do basquete, da parábola para acertar a bola na cesta. A gente já fez medição da quadra de basquete, calculou direitinho, pesquisou qual o tamanho indicado para construção das quadras e descobriu que a quadra da nossa escola não estava de acordo com as instruções", lembra.
Embora tente sempre agregar outros esportes, reconhece que o futebol é o queridinho e não perde oportunidades para apostar nisso. "Quando a gente fala de outros esportes, eles têm dificuldades para entender porque aqui, principalmente no interior, tanto meninos quanto meninas têm paixão maior por futebol ou futsal. Natação é difícil e não tem investimento em quadras de outros esportes. [futebol é] O que eles mais conhecem e o que mais gostam e é o que eu aproveito mais."
E como aproveita: já trabalhou, por exemplo, usando a tabela do Campeonato Brasileiro para explicar aos alunos termos como saldo de gols, negativos e positivos, risco de quedas para Série B, quantos jogos o time tem de ganhar para sair da zona de rebaixamento etc. Também costuma usar a velocidade e o ângulo dos chutes a gol para explicar o conceito de parábolas, entre outras atividades relacionando os dois temas.
Claricy reforça que o objetivo é sempre trabalhar a matemática de uma forma que se relacione com o dia a dia dos alunos. "Quando não faz sentido, a chance de sucesso é quase nula", sentencia.
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