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Bicampeão olímpico diz que conquistou ouro em Atenas um dia após bebedeira

Gervasio Deferr, da Espanha, após conquistar o ouro nas Olimpiada de Atenas, em 2004 - Clive Brunskill/Getty Images
Gervasio Deferr, da Espanha, após conquistar o ouro nas Olimpiada de Atenas, em 2004 Imagem: Clive Brunskill/Getty Images

Do UOL, em São Paulo

28/02/2022 23h23

Bicampeão olímpico no solo nas Olimpíadas de Sidney (2000) e Atenas (2004) e prata em Pequim (2008), o ex-ginasta Gervasio Deferr falou ao programa espanhol Lo de Évole sobre o vício em álcool que o acompanhou durante toda sua carreira e também depois que se aposentou, em 2011. O espanhol revelou inclusive que faturou o segundo ouro apenas um dia após uma grande bebedeira.

"Imagine que eu não me lembro de como fui dormir. Não me lembro. No mesmo dia da final do solo, sai e pedi uma garrafa assim, grande. [Para] Tomar até cair. Pode ser que seja um dos poucos ouros olímpicos conquistados depois de uma bebedeira, não sei como outros ganharam, mas foi assim", disse em entrevista ao Lo de Évole.

Falando ao jornal El País, em entrevista publicada nesta segunda-feira, mais revelações. Deferr diz que ficou bêbado pela primeira vez aos 18 anos e entrou em um ciclo de bebedeiras, que piorou com a aposentadoria. Até então, diz ele, saia com os amigos após os treinos e bebia apenas Coca-Cola.

"O álcool nunca foi bom para mim. Se eu tomar duas cervejas, bem? Se eu tomar quatro, eu sou um idiota. E eu tenho isso claro. Passei 20 anos inundado de álcool. Quando eu treinava, saía nos finais de semana, saíamos para comemorar o encerramento das competições, saíamos quando não estávamos treinando. No final, era entrar ou ir embora. Essa foi a dinâmica do grupo. Mas quando me aposentei e tiraram meu treinamento, só me restava os bares e ir beber. Entrei em um ciclo imparável."

"Eu falo muito comigo mesmo. E então minha cabeça estava indo a mil. Ele não tinha um objetivo claro. E eu me perguntava: 'e agora, o que você vai fazer? Onde, como, com quem?' Eu não sabia como começar, onde me apoiar. De repente, um dia, às onze da manhã, você não sabe o que fazer. Assim que você vai tomar um café, você pede uma cerveja. E você não para de beber até tarde da noite. E, no final, você enlouquece. Você fica embriagado, você está envenenado e perde sua essência."

Deferr passou dez meses em um centro de recuperação em 2017, e conseguiu controlar o vício em cerveja.

"Eu bebia há mais de 10 anos para cobrir, bloquear e anestesiar minha mente. Mas uma cerveja social com um amigo, com meu irmão ou meu pai, que 'a gente pega uma quinta e vamos', eu não fazia. Se eu tomasse uma, tinha que tomar 20. E, além disso, desde muito cedo. Mas teve um dia que, depois do trabalho, fiquei com um amigo e, ao invés de pedir um café pedi uma cerveja. E de lá fui para casa. Jantei e continuei com minha vida no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Eu nunca vou enlouquecer novamente por causa do álcool. Não preciso. Não quero mais parar minha mente", contou Deffer sobre sua primeira cerveja após a passagem pela reabilitação.

Ele também é autor do livro 'El Gran Salto' (O Grande Salto, em tradução livre), em que conta seus sucessos esportivos e a luta contra o vício. E diz que escrever foi "uma última terapia" que o ajudou a enxergar para onde não quer voltar.

"Para mim, foi necessário removê-lo. Primeiro porque acho que posso ajudar muitos outros. Tenho recebido muitas mensagens de apoio e carinho. Muitos atletas passam pelo mesmo. Nem todo mundo necessariamente tem problemas de dependência, mas eles têm problemas de solidão e vazio. Eu também queria dizer para acabar com isso. Estar em paz comigo mesmo. Agora começo do zero, com outra energia, com outra ilusão. Eu sou outra pessoa. A cada dia que passa eu me torno a pessoa que sou."

Ele renasceu em uma academia em LaMina, bairro marginal de Barcelona, onde ensina os segredos da ginástica a meninos e meninas que têm pouco acesso ao esporte.

"Venho de uma família com poucos recursos, mas o esporte mudou minha vida. Aqui há famílias com poucos recursos, é um bairro marginal, marginalizado, estigmatizado, mas as pessoas têm vontade e entusiasmo. Não havia lugar melhor para mudar vidas através do esporte. Encontrei meu lugar porque aqui me sinto necessário e amado. E [ajudar] deixou de ser uma obra social para ser a salvação da minha vida."