Como é feita a medição de ondas gigantes e por que isso virou uma polêmica
Se o recorde mundial, estabelecido no Guinness Book, de maior onda já surfada na história é 24,38 metros, quem conseguiu surfar uma onda de 29,68 metros é o nome recordista, certo? A polêmica que dominou o mundo do surfe nos últimos dias está longe de ter uma resposta única. Há divergências até entre quem mede as ondas, os oceanógrafos.
Em Nazaré (Portugal), não é possível colocar instrumentos tradicionais de medidas de ondas na zona de arrebentação —uma boia por exemplo. A onda é tão grande que vai arrebentá-la. Então, a medição usa imagens digitais da onda, em vídeo.
Segundo Pedro Guimarães, professor da escola de engenharia da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) e especialista no processamento de imagens em diversas áreas de aplicação da oceanografia, isso abre uma margem de erro de metros para a medição de ondas como as de Nazaré.
Diversos fatores interferem no resultado final, que pode variar bastante:
- a qualidade do tamanho do pixel (o menor ponto que forma uma imagem digital)
- a angulação das câmeras
- o efeito da distorção das lentes
- as incertezas na medida da crista e da base da onda
"Se a gente somar todos esses erros, isso te dará uma ordem de magnitude de variação entre 5 e 10 metros, dependendo de como a foto foi tirada. Se ela foi tirada num ângulo, pode ter um erro maior. Se foi tirada em outro ângulo, pode ter um erro menor", explicou.
Em 2017, o paulista Rodrigo Koxa surfou a onda recordista de 24,38 m. Em janeiro deste ano, fluminense Lucas Chumbo surfou uma de 29,67 m, segundo o sistema de medição estabelecido pela TV Globo. Depois, em fevereiro, o catarinense Vinicius dos Santos domou uma avaliada em 29,68 metros, em medição feita pelo mesmo sistema e pelo mesmo oceanógrafo, o renomado Douglas Nemes, especialista em mecânica das ondas.
"Se você considerar a onda do Koxa, que foi de 24,38 metros, pode ser uma onda que, na verdade, teve 29 ou 19 metros. Então, em geral, se assume que a onda teve 24 metros, mas não tem como afirmar com precisão ", diz.
Existem formas de os erros serem corrigidos, mas ainda assim não há dados 100% confiáveis.
"Não importa o quão bom seja o cientista que está aplicando o método. Tem uma série de pessoas que tentam fazer essas correções, mas elas não são 100% efetivas e não conseguem eliminar o erro, deixando na casa de centímetros", explica Guimarães.
Tentou-se também medir uma onda de cerca de 20 metros, no noroeste da França, usando um outro instrumento supercaro, ancorado no fundo do mar, mas ele foi destruído.
Douglas Nemes, oceanógrafo responsável por medir as ondas do programa Gigantes de Nazaré, diz que a margem de erro de suas medições é mínima. Ele acredita que o recorde de Koxa não é quebrado por outros motivos, não por causa da medição.
"Já medi várias ondas maiores que 24 metros", explica. "Por que isso não é oficializado no Guinness? Na minha opinião, o processo é longo. Não é só você surfar, apresentar o cálculo com especialistas e pronto. Tem que provar o evento meteorológico capaz de gerar essas ondas, posicionar esse ciclone, ter instrumentos na costa registrando a altura dessas ondas, provar que essas ondas chegaram, e, logicamente, provar que o surfista surfou a partir das fotos e dos cálculos. É um processo que envolve uma equipe, então os atletas não têm essa assessoria."
Segundo ele, a técnica que desenvolveu é semelhante à usada pela Universidade da Califórnia, da qual a WSL é adepta. "Nós já comparamos nossos métodos, então não tem por que já não oficializarem isso", diz.
Diante das divergências, o que vale para determinar o recorde é a palavra final da entidade responsável pelo surfe, a WSL (Liga Mundial de Surfe) —que, por sua vez, só irá avaliar a onda se a linha feita pelo surfista e a maneira que a onda quebrou sejam as ideais.
As ondas de Lucas Chumbo e Vinicius dos Santos certamente estarão inscritas para o Big Wave Awards 2022, o Oscar de ondas grandes que acontece no fim do ano. A partir daí, um painel internacional de juízes determina as ondas vencedoras do prêmio, e só então que elas serão 'revisadas por uma equipe científica como ponto de referência crítico para a determinação dos Recordes Mundiais', como informou a entidade à reportagem por e-mail.
"A WSL verifica os recordes mundiais a cada ano, com base nos vencedores do Big Wave Awards, e é o verificador oficial do Guinness World Record para as categorias de maiores ondas surfadas", explicou.
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