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Quem é o brasileiro por trás da maior onda já surfada na história

Alemão de Maresias recebe prêmio de maior comprometimento com os surfistas pela WSL no Nazaré Tow-in Challenge 2020 - Damien Poullenot/WSL via Getty Images
Alemão de Maresias recebe prêmio de maior comprometimento com os surfistas pela WSL no Nazaré Tow-in Challenge 2020 Imagem: Damien Poullenot/WSL via Getty Images

Marcello De Vico

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

03/06/2022 04h00

O alemão Sebastian Steudtner pegou no dia 29 de outubro de 2020, em Nazaré, o que hoje é considerada a maior onda já surfada na história: 26,21 metros, o equivalente a um prédio de nove andares. O novo feito, oficializado na semana passada e registrado no Guinness Book, o Livro dos Recordes, tirou do posto o brasileiro Rodrigo Koxa, que há cinco anos detinha o recorde por uma onda de 24,38 metros surfada em 2017, também em Nazaré.

Mas apesar de ser o personagem principal do mais novo recorde do surfe de ondas gigantes, Sebastian, definitivamente, não estava sozinho. Apesar de ser ele o cara que manteve o equilíbrio sobre a prancha com uma montanha de água às suas costas, Steudtner tinha toda uma equipe por trás, e o maior responsável por ele estar no lugar certo, na hora certa, é um brasileiro: Alemão de Maresias, surfista de ondas grandes que, de uns anos para cá, deixou a sua performance em cima da prancha um pouco de lado para se tornar uma das maiores referências mundiais quando o assunto é colocar o surfista na onda e garantir sua segurança dentro d'água.

O atleta, que começou a pegar onda ainda criança, no litoral norte de São Paulo, tornou-se um dos principais pilotos de tow-in do mundo —modalidade em que o surfista é rebocado por um jet-ski— e está entre os condutores preferidos de atletas como Pedro Scooby, Maya Gabeira, Lucas Chumbo, Ítalo Ferreira e o tricampeão Gabriel Medina, além do norte-americano Garrett McNamara, surfista que detinha o recorde de maior onda já surfada antes de Rodrigo Koxa.

Naquele 29 de outubro de 2020, Alemão ficou responsável pela condução tanto de Sebastian como de Maya Gabeira. Foi ele, inclusive, quem avistou e escolheu a onda surfada pelo alemão, com a ajuda de outro membro da equipe que estava no topo das montanhas para checar, lá de cima, as ondas que se formavam no canhão de Nazaré.

"Quando visualizei a onda, vi que ela vinha com muito volume e era muito rápida. Uma onda dessa vem mais rápida que o jet-ski, chega a mais de 100 km/h. Eu vinha com um jet ski muito potente, e mesmo assim eu quase não consegui alcançar a onda. Quando vi que não ia conseguir chegar na melhor parte da onda com o Sebastian, fiz um sinal para ele avisando que faria uma curva para lançá-lo nela, num movimento que chamamos no tow-in de 'estilingada'. Ele entendeu, puxou, fez a 'estilingada' e foi para a onda. Nesse momento, eu só lhe desejei sorte [risos], fiquei rezando para que tudo corresse bem e que ele conseguisse surfar a onda com perfeição até o final, e foi assim", detalha Alemão em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

"Eu tinha sido convidado pela Maya [Gabeira] para fazer parte da equipe dela e do Sebastian. Junto com a gente também estavam o Marco, salva-vidas português, o Miguel Pratas, que é o spotter, o cara que fica no topo da montanha visualizando as ondas e informando, e dois câmeras... Durante a sessão, eu fui o piloto o tempo todo, para a Maya e para o Sebastian; o Miguel lá de cima me orientava quais eram as ondas boas da série, então tem um pouco de parcela dele também. Ele era o cara que ficava a maior parte do tempo passando essas informações, e assim funcionava a equipe. Estávamos todos conectados por rádio para poder orientar quando o surfista caía da onda, quando a onda vinha boa, e assim por diante", conta.

"Pouco se falou de mim"

Alemão de Maresias coloca Italo Ferreira em onda na Barra da Tijuca - Luciano Super Frames - Luciano Super Frames
Alemão de Maresias coloca Italo Ferreira em onda na Barra da Tijuca
Imagem: Luciano Super Frames

Assim que a onda foi oficializada como a maior já surfada na história, Sebastian fez algumas postagens sobre o feito nas redes sociais, e em nenhuma delas chegou a citar os outros membros da equipe presentes no mar de Nazaré naquele dia épico, algo que deixou Alemão de Maresias chateado, ao menos por alguns instantes.

"Num primeiro momento fiquei um pouco frustrado, porque pouco se falou de mim. O próprio Sebastian não fala, né? Ele menciona a equipe, a equipe... E ele, como piloto e surfista, sabe a importância do piloto, né? No começo muita gente postou várias coisas sem mencionar meu nome, mas aí muitos amigos se movimentaram para contar a história da maneira correta. Mas depois ele me chamou, parabenizou, agradeceu, então ver hoje a mídia reconhecendo a minha parte, a minha parcela dentro da equipe como de grande importância, para mim é o mais gratificante", diz.

"Para mim, estar pilotando para surfistas é um trabalho gratificante. Tento fazer o meu trabalho da melhor maneira possível e sempre que tem resultado fico muito feliz e me sinto muito honrado de poder fazer parte, como já fiz com a Maya, com o Burle, com o Lucas, com o Scooby, com o Garrett, e agora com o Sebastian. Então, pra mim é motivo de muito orgulho fazer parte da equipe da Maya e do Sebastian e poder contribuir para que eles peguem as maiores ondas do mundo", complementou.

Quem é o Alemão de Maresias?

Alemão de Maresias, surfista e piloto de jet-ski - Pablo Garcia - Pablo Garcia
Imagem: Pablo Garcia

Para quem não o conhece, ele mesmo se apresenta: "Meu nome é Edilson Assunção, nasci no interior do Paraná. Fui morar no litoral de São Paulo em 1979, e já em 1980 comecei a dar meus primeiros passos no surfe. Depois de uns anos já comecei a frequentar Maresias e, com o tempo, quando saí nas primeiras revistas, foi quando as pessoas me identificavam como Alemãozinho de Maresias, e acabei sendo batizado assim".

"Desde então me dedico ao surfe. Competi, participei de alguns eventos, nunca com muito sucesso, e foi no free surfe, em viagens e reportagens, que me destaquei mais. Me destacava bem nas ondas maiores, em lugares mais agressivos, com pouca gente, onde eu tinha melhores resultados, então acabei me profissionalizando como free surfer profissional", conta.

Viajei Austrália, Indonésia, Havaí, depois fiquei um tempo ausente do surf e voltei em 2001. Logo nesse momento eu já tinha tido uma experiência no Havaí antes, com o tow-in, mas só um rolê com um amigo que se tornou meu professor depois. Em 2001 ele veio morar no Brasil, que é o Romeu Bruno, grande salva-vidas, um cara que atuou muito no salvamento no Havaí, e começou a fazer trabalhos, apresentações de tow-in, e eu achei irado, me envolvi com ele e logo ele começou a dar clinicas pra salvamento, para Corpo de Bombeiros, Marinha, Polícia, e ele foi me passando todos os ensinamentos para o tow-in, tanto para resgate e segurança aquática quanto para o surfe rebocado.

Em 2015 fui pela primeira vez para Nazaré, a convite da Maya, para compor a equipe com o Scooby e o Burle, para o retorno da Maya à Nazaré. Nos anos seguintes fui levando alguns amigos e parceiros e, nos últimos anos, tenho ido mais a trabalho. Trabalhei três anos para o Gigantes de Nazaré e, nesse ano de 2020, fui contratado pelo Garrett McNamara para compor a equipe dele.

Os maiores perrengues

Trabalhar em meio a ondas gigantes deixa qualquer profissional mais do que sujeito a perrengues, e, apesar da vasta experiência obtida ao longo dos anos, com Alemão não é diferente. Em 2020, por exemplo, ele viu de perto o português Alex Botelho quase perder a vida depois de levar várias ondas na cabeça e ser arrastado, inconsciente, até a areia.

"Essa situação foi uma das mais extremas, resgatar uma pessoa que você tem como irmão, um grande amigo, uma pessoa que é muito especial para a comunidade portuguesa... E numa situação de resgate, mesmo que você não conheça a pessoa, você vai querer salvá-la de algum jeito, fazer o melhor pela vida dela, e não foi diferente naquela situação", recorda.

Alex Botelho havia acabado de surfar uma onda e foi resgatado pelo também português Hugo Vau. Quando eles aceleraram para fugir da zona de impacto, o jet-ski bateu de frente com uma onda e eles foram lançados a cerca de cinco metros de altura. Botelho ficou inconsciente, precisou ser resgatado pela equipe de segurança da WSL e foi levado a um hospital.

"Eu me blindei, focado no meu trabalho, na missão de tirá-lo daquela situação. Foi uma coisa que não sei nem como explicar, mas sem dúvida foi uma das mais marcantes da minha carreira como salva-vidas, como piloto de resgate. Graças a Deus deu tudo certo e o Alex está bem hoje, vivendo a sua vida normal, então fico muito feliz de saber que ajudei o cara a seguir vivo".

Já em dezembro do ano passado, em condições mais do que extremas, Alemão surfava com o experiente inglês Andrew Cotton e acabou caindo do jet-ski. Ele tomou várias ondas na cabeça até ser resgatado pelo brasileiro Rodrigo Koxa. "Eu caí do jet, não consegui recuperar, e fui tomando caldo até a areia, tive que sair nadando. Pô, foi uma situação de terror e pânico, mas que deu pra ver que eu aguento o caldo [risos]", brincou.