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Dois russos perdidos em Baía Formosa mostram impacto do ouro para Italo

Do UOL, em São Paulo

03/08/2022 04h00

"Diz amém que o ouro vem". Foi com esse mantra que Italo Ferreira chegou ao Japão há pouco mais de um ano para se tornar o primeiro surfista do mundo a conquistar uma medalha de ouro olímpica. O que o brasileiro não esperava é que a frase também traria dois russos perdidos para sua cidade, Baía Formosa, no litoral do Rio Grande do Norte.

Na semana passada, Ítalo estava na cidade em que nasceu. Enquanto se preparava para as próximas etapas do Mundial de Surfe, resolveu comemorar um ano da sua conquista no Japão. O dia começou na praia, com amigos, e, quando Ítalo estava voltando para casa, encontrou os dois turistas russos —algo raro por aqueles lados.

"Eles vieram visitar a Baía Formosa porque viram uma matéria sobre a minha cidade, sobre o surfe. Por coincidência, eu estava passando de carro e eles me pararam. Eles falaram que vieram de bem longe. Poxa, eu achei muito maneiro. As pessoas vêm até minha cidade para poder conhecer porque ficam com curiosidade. São essas coisas que me fazem ver que realmente ganhei mais visibilidade por causa das Olimpíadas. Isso é o que ficou mais marcante quando penso na conquista, é o que mais pesa", comentou o surfista, em conversa com o UOL.

Italo já era campeão mundial quando iniciou a caminhada em busca de uma medalha olímpica. Mas o dia 27 de julho de 2021 o colocou em outro patamar. Na praia de Tsugaraki, o potiguar superou até mesmo uma prancha quebrada na final para conquistar o ouro, que foi o primeiro do Brasil nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

O que mudou depois do ouro? Acho que, principalmente, o respeito e reconhecimento por mim. Na verdade, eu já tinha um pouco, pelo fato do mundial (WSL) e tudo mais. Mas isso se tornou bem maior depois das Olimpíadas, essa conquista que moveu e comoveu muita gente pela história e forma como aconteceu. É isso. O reconhecimento, respeito e carinho que as pessoas têm por mim é bem maior. Não só aqui no Brasil, mas no mundo inteiro".

Ítalo Ferreira

Entre os atletas que competem o circuito mundial com Italo também há um reconhecimento especial e, também, uma certa "dor de cotovelo", que é levada na tranquilidade por ele, até porque não há falta de respeito.

"Sempre tive um respeito por todos dentro do circuito. Claro que tem uns caras que ficam muito felizes com as conquistas e tem outros que queriam estar no lugar. É normal, são atletas, caras que queriam ter essa oportunidade. Mas eu entendo, e ninguém nunca me tratou mal", falou o atleta.

"Até brinquei com o Kelly Slater lá no México assim que eu ganhei a medalha. A gente estava na água, esperando onda e ele disse: 'Poxa, parabéns pela medalha, algo que a gente achava que era impossível até então, e você foi lá e ganhou. Você fez algo incrível para o esporte'. Eu agradeci. Daí, ele olhou para o outro surfista, rindo e falou: 'Ah, mas ele nunca ganhou o WSQ. Então a gente está na vantagem ainda'. Competi o WQS (categoria de qualificação para o circuito mundial de elite do surfe), mas nunca ganhei... Me classifiquei muito rápido para o Mundial e quase não deu tempo de eu competir WQS. Aí eles ficaram brincando que tinham mais títulos que eu, mas beleza. A gente leva na melhor. Eu sempre tenho respeito por todos", contou Italo.

ONG para ajudar crianças está saindo do papel

Ítalo Ferreira, primeiro surfista a se tornar campeão olímpico - Rodrigo Marques - Rodrigo Marques
Ítalo Ferreira, primeiro surfista a se tornar campeão olímpico
Imagem: Rodrigo Marques

O surfista brasileiro está prestes a inaugurar o Instituto Italo Ferreira, uma ONG que será focada em apoiar crianças e jovens carentes por meio do esporte. Segundo o surfista, essa foi outra conquista que veio junto com o título em Tóquio.

"O que aconteceu nas Olimpíadas, realmente, deu uma força maior para o meu Instituto, que era meu sonho, algo que eu tinha o desejo: ajudar as crianças. Sempre tive um ou outro garoto que a gente ajudava, mas era mais pontual. Eu queria colocar isso de verdade, fazer algo que fosse um pouco maior, tivesse um impacto melhor na comunidade e ajudasse bastante gente", contou.

"Fizemos nascer o Instituto e, logo depois, eu ganhei as Olimpíadas. Com certeza, isso deu mais força e poder para que eu pudesse conseguir patrocínios para a construção do Instituto. Deus sempre foi muito bom comigo, e eu sempre tive bons patrocínios e bons relacionamentos. Escrevi grandes histórias em todos os apoiadores em que passei. Sempre tento entregar o melhor. E quando falo de patrocínio após Tóquio-2020, quero destacar que foi muito bom para que a gente pudesse ter uma força maior para o meu Instituto. O projeto inicial é para entender 60 crianças, mas temos outros projetos maiores para que a gente possa levar aulas de surfe pelo nordeste inteiro gratuitamente. A gente vai fazer acontecer de alguma maneira", exaltou Ítalo

Paris é logo ali. E no meio tem o Mundial pela frente

Ítalo Ferreir surfa em Baía Formosa, cidade onde vive - Marcelo Maragni - Marcelo Maragni
Ítalo Ferreir surfa em Baía Formosa, cidade onde vive
Imagem: Marcelo Maragni

Italo está com boas expectativas para Paris-2024. A prova de surfe será disputada no Taiti, local pelo qual o atleta tem bastante afeição, porém nunca conquistou títulos em eventos realizados por lá. "É um lugar que eu gosto muito, sempre surfei bem lá, ou seja, acho que tem algo preparado caso aconteça de eu conseguir ser classificado para as Olimpíadas e dar tudo certo. Quero vencer no momento certo. Eu sempre falo que as oportunidades aparecem, e eu tenho que fazer valer a pena".

O futuro olímpico é promissor, mas Italo está focado no Mundial neste momento. O potiguar ocupa a quarta colocação e tem apenas uma etapa pela frente antes da final em Trestles, nos Estados Unidos, na qual os cinco primeiros colocados disputam o título da WSL.

"Esse ano, por incrível que pareça, é o mais constante da minha carreira. Mesmo não vencendo nenhuma etapa. Se eu vencer a última, eu já estou satisfeito, porque é ela que importa. Tiveram algumas etapas em que tive contratempos, mas acho que é algo que está fora do nosso controle. Claro que eu tento fazer o meu melhor dentro da água e também sei quando eu, realmente, consigo fazer o suficiente para ganhar uma nota, virar uma bateria, porque eu sou surfista", analisou.

Apesar de parecer distante, uma vaga para Paris-2024 já estará em jogo em setembro. Um novo critério poderá fazer com que o Brasil leve três surfistas para as Olimpíadas desde que um deles vença o ISA Games deste ano ou de 2024.

"O ISA é logo depois do Mundial. A gente vai estar um pouco cansado, mas é uma oportunidade que a gente tem que aproveitar e fazer valer a pena, até porque a gente pode ter um representante a mais, ou seja, no fim da caminhada, a gente pode ter três medalhas se pararmos para pensar. Impossível não é. A gente está focado realmente no circuito mundial, mas quem sabe depois, quando acabar, a gente pode ter essa conversa e focar para vencer o ISA e ter mais uma vaga", projetou Italo.

Medalha em lugar 'secreto'

Ítalo Ferreira e a medalha de ouro do surfe masculino, dos Jogos de Tóquio - Marcelo Maragni - Marcelo Maragni
Imagem: Marcelo Maragni

Durante a conversa, Italo mostrou sua medalha olímpica. Mas é apenas uma réplica. Segundo o atleta, a versão original do prêmio está guardada em São Paulo, a 2.852 quilômetros de Baía Formosa.

"Eu fiz uma réplica da medalha e a original eu deixo em São Paulo. Porque todo mundo pega, né. Aí acabou que estava sujando e eu falei: 'Poxa, essa é especial, não pode estar em todos os momentos, né?'. Aí eu fiz uma réplica que me acompanha nos lugares. Quando a galera quer ver ou tem alguma entrevista, eu acabo levando. As pessoas pensam que é a verdadeira, mas não é. É exatamente igual, só que não estava no momento presente lá, na hora que aconteceu, mas é igual", explicou.