'PM armado nos intimida', diz segurança de balada onde lutador foi morto
O coordenador da equipe de segurança do show onde o lutador de jiu-jítsu Leandro Lo foi assassinado afirmou ter ficado abalado com o crime na madrugada de domingo (7) em São Paulo. Moisés Amorim, que tem 15 anos de experiência na vigilância de eventos, criticou a permissão legal de policiais entrarem armados em casas de show e boates.
O tenente da Polícia Militar Henrique Velozo teve a prisão preventiva decretada e se entregou na noite de domingo, acusado de ter atirado na cabeça de Leandro após uma briga no show da banda de pagode Pixote. Policiais têm direito de andar armados, mesmo fora de serviço, autorização dada pelo Estatuto do Desarmamento de 2003.
"O Estado garante o direito de eles andarem armados 24 horas por dia, e nós, vigilantes de evento, não temos o poder de desarmá-los pra que eles possam acessar show, evento, bar ou casa noturna", afirma Moisés, que trabalha para a KGB Segurança, empresa contratada pelo Clube Sírio para trabalhar no local. "A gente toma duas cervejas e não pode pegar carro. Por que os caras podem beber uma garrafa de uísque com a arma na cintura? Sendo policial ou não, isso está errado."
O sexto artigo do Estatuto do Desarmamento afirma que é proibido portar arma de fogo em todo território nacional, exceto para categorias listadas no artigo 144 da Constituição, no qual estão incluídos os policiais civis (estaduais e federais) e os militares. O Estatuto diz que cabe às próprias instituições regular o porte de armas, mas garante aos policiais o direito de portá-las mesmo fora de serviço.
O coordenador da segurança detalhou o procedimento adotado quando uma pessoa armada passou pela revista no show do Pixote. Nessas situações, a equipe de segurança é orientada a anotar o nome do usuário e os detalhes da arma. De acordo com testemunhas, Leandro e Henrique discutiram por causa de uma garrafa de bebida. O lutador imobilizou o policial que, em seguida, sacou a arma e atirou na cabeça do atleta. Leandro tinha 33 anos e era campeão mundial de jiu-jítsu. O atirador deixou o local após o crime. Na delegacia, a polícia mostrou fotos dos homens cujos nomes apareciam nos registros da equipe de segurança. Foi assim que o tenente da PM foi identificado.
Segundo o chefe dos vigilantes naquela noite, tudo aconteceu muito rápido, antes que eles pudessem fazer qualquer coisa para evitar o tumulto. Mas, mesmo que eles tivessem tido tempo de chegar ao local da briga, o fato de haver um homem armado entre quem brigava poderia comprometer a reação da equipe, toda desarmada. Naquele dia, segundo Moisés, havia 40 vigilantes e seis policiais armados, entre militares, civis e federais. Ontem, o delegado José Eduardo Jorge falou em dez homens com armas.
"Isso é um problema pra gente, porque um PM armado dentro da casa já intimida quem não está", afirmou Moisés. "Nós, que sabemos que ele está armado, já nos sentimos intimidados. Se ele beber, se jogar copo pra cima, tirar a camisa, se bater em alguém... um vigilante, que só tem um curso de formação e sem treinamento tático específico, como vai abordar uma pessoa armada?"
Não foi a primeira vez que o tenente Henrique Velozo se envolveu em um episódio violento enquanto estava de folga em uma casa de shows. Segundo o colunista do UOL Josmar Jozino, Velozo foi condenado em 2021 pelo Tribunal de Justiça Militar a nove meses de prisão em regime aberto por ter desacatado e agredido com socos o soldado da PM Flávio Alves Ferreira.
Agora, porém, ele será julgado pela Justiça comum, já que o crime foi cometido contra um civil. A chamada "Lei Bicudo", de 1996, transferiu da Justiça Militar para a civil o julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos por policiais militares contra civis.
Após o término da investigação da polícia, o Ministério Público vai decidir se oferece denúncia contra Velozo. Se a Justiça acatar a denúncia por homicídio doloso, o PM será julgado pelo júri popular e pode pegar até 30 anos de prisão.
"No código penal militar, existem especificações das penas e dos procedimentos para os crimes cometidos por militares. Quem faz o julgamento desses crimes é a Justiça Militar Estadual. No caso do PM que matou o lutador Leandro, ele está irá responder por homicídio doloso qualificado por motivo fútil. Ele vai ser julgado pelo tribunal do júri, e não pela justiça militar", esclareceu o advogado penalista Leonardo Serra. "Por que isso acontece? Em 2017, ocorreu uma alteração legislativa que alterou o artigo 9, parágrafo 1°, do próprio código penal militar. A partir daí, todos os crimes dolosos cometidos contra a vida, seja por policial militar em exercício da sua função ou não, vai ser de competência do tribunal do júri. Toda investigação vai ser conduzida pela própria polícia civil, e não militar", concluiu.
"A competência para julgar o policial militar acusado do crime é de fato da Justiça comum, porque ele cometeu um crime doloso contra a vida de um civil", explicou o advogado criminalista Eric Trotte. "Nos termos do artigo 125 da Constituição Federal, mesmo que ele estivesse em serviço, consoante o entendimento já pacificado dos tribunais, a competência seria também da Justiça Comum e do Tribunal do Júri, independente de ele estar ou não no exercício funcional."
Após ter a prisão decretada, o tenente Henrique Velozo se entregou à corregedoria da Polícia Militar em São Paulo, foi ouvido e encaminhado ao presídio Romão Gomes. Além do inquérito na Polícia Civil, Henrique também é alvo de uma apuração administrativa na PM. Fátima Lo, a mãe de Leandro Lo, disse que Henrique já conhecia seu filho, já que o policial também treinava jiu-jítsu.
A reportagem buscou informações sobre a defesa de Henrique Velozo com os responsáveis pela investigação, mas não obteve resposta. O conteúdo será atualizado assim que a defesa for encontrada.
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