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Jovem acusa técnico de vôlei preso: 'Minha primeira vez foi um estupro'

André Testa, técnico e árbitro de vôlei preso por suspeita de estupro e assédio sexual contra menores de idade em SC - Reprodução/NSC TV
André Testa, técnico e árbitro de vôlei preso por suspeita de estupro e assédio sexual contra menores de idade em SC Imagem: Reprodução/NSC TV

Do UOL, em São Paulo

15/08/2022 04h00

O técnico e árbitro de vôlei André Testa foi preso no último dia 5 suspeito de estupro e assédio sexual contra menores de idade no clube Terra Firme, de São José, em Santa Catarina. Testa, que, além de treinador era sócio do clube, apitou também partidas durante as Olimpíadas do Rio de Janeiro. A reportagem procurou a defesa de Testa, que não respondeu aos contatos.

Até o momento, segundo a delegada do caso Marcela Goto, seis vítimas e testemunhas já prestaram depoimento à investigação. Felipe*, nome fictício atribuído à vítima que falou à reportagem sob condição de anonimato, é uma delas. Hoje, aos 19 anos, ele diz ter desistido de se profissionalizar no vôlei por associar o esporte à imagem do técnico —que, de acordo com ele, foi responsável por sua primeira experiência sexual durante um estupro.

O depoimento de Felipe foi registrado na Delegacia de Proteção da Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCami), que apura o caso. Ao UOL, ele relembra momentos de desespero que viveu com Testa por quase cinco anos. "Entrei na escolinha de base e, aos 14 anos, fui chamado para fazer parte da equipe de rendimento [como é chamada a equipe principal]. Foi também nessa idade que tive minha primeira experiência sexual, quando ele me violentou".

Felipe conta que o técnico fazia insinuações sexuais em tom de brincadeira com todos os meninos —menores de idade, à época— que faziam parte da equipe. "Eu percebia que, com alguns deles, o tom era mais explícito. Era como se ele quisesse mostrar para os outros quem eram os preferidos, com quem ele tinha mais intimidade. Só que o André se mostrava uma figura paterna. Nos presenteava, levava para jantar, ao mesmo tempo era muito explosivo. Quando brigava, brigava muito", relembra.

"Eu não imaginava que ele realmente fizesse alguma coisa com os meninos, ninguém falava sobre isso. Até que aconteceu comigo. Ele me ligou e me chamou para jantar, disse que outros meninos iriam. Aceitei. Quando chegou perto do horário combinado, ele me disse que todo mundo havia desmarcado, e que iríamos só nós dois. Concordei", relembra.

André Testa, técnico que foi preso, foi árbitro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro - Reprodução/NSC TV - Reprodução/NSC TV
André Testa foi árbitro nas Olimpíadas do Rio de Janeiro
Imagem: Reprodução/NSC TV

De acordo com Felipe, nessa noite, Testa comprou comida e ofereceu bebida alcoólica a ele. "Quando saímos do restaurante, achei que ele iria me levar para casa. Só que, sem nem me perguntar, ele me levou para a casa dele. Insistiu para que eu bebesse, mas eu não quis. Tinha 14 anos, não costumava beber. O André colocou um filme na TV, assistimos, conversamos e, depois de um tempo, ele começou a passar a mão em mim. Pedi que parasse. Não adiantou".

"Ele colocou um filme pornográfico no celular e me mostrou. Fiquei super constrangido. Eu era muito pequeno, ainda era virgem, nerd mesmo. Não estava acostumado com nada disso, fiquei sem reação. Nunca sequer tinha beijado na boca. Então, ele começou a passar a mão em mim e, contra a minha vontade, forçou um sexo oral. Eu dizia que não queria, mas não adiantou. Depois disso, ele tentou fazer mais coisas, mas eu implorei que parasse."

Felipe conta, com a voz embargada, que André Testa não o levou para casa naquela noite. "Passei a noite lá. De manhã, ele tentou fazer tudo de novo. Foi a pior noite da minha vida. Eu não entendia o que tinha acontecido, não entendia por que uma pessoa que agia como pai, que era próxima, tinha feito aquilo comigo. Me senti muito mal, não dormi. Fiquei com medo de que ele fizesse alguma coisa comigo enquanto eu dormia. Pela manhã, no dia seguinte, ele tentou. E forçou. Até que desistiu".

Felipe fez um boletim de ocorrência contra o treinador cinco anos depois, com a ajuda do pai de um colega de equipe. Depois dele, outras vítimas se sentiram encorajadas para contar suas histórias à delegacia. A prisão de André Testa aconteceu em 5 de agosto, e ele está sendo investigado por cinco crimes: estupro de vulnerável, importunação sexual, constrangimento de adolescentes (artigo 232 do Código Penal), fornecimento de bebida alcoólica para adolescentes e coação no curso do processo.

O estupro foi um gatilho gigantesco entre Felipe e o vôlei. Foram três meses de rendimento péssimo, uma vez que a cabeça não saía da violência sofrida por ele. "Quando comecei a namorar, melhorou um pouco. O problema é que daí o André começou a implicar com a minha namorada. Me humilhava na frente dos outros meninos, dizia que minha namorada era gorda, feia. Falava para eu terminar com ela, ao mesmo tempo em que continuava me ligando e me chamando para sair. Era um horror".

Sempre que Felipe negava os convites para jantar, ele conta, André ficava agressivo. "Me mandava calar a boca, me chamava de merda, de bostinha. Daí para baixo. Foram anos horríveis. Hoje, consigo falar sobre com um pouco mais de facilidade. No começo, era impossível. Eu só tentava esquecer".

Outro ex-atleta de Testa, que hoje é maior de idade, também relatou a violência que sofreu à emissora catarinense NSC: "Ele foi comigo até um restaurante, comprou bebida alcoólica e forçadamente ficava insistindo para que eu tomasse mesmo eu não querendo. Ele insistiu e eu acabei cedendo. Eu estava completamente bêbado e quando a gente foi para o carro achei que a gente ia para Casa Atleta dormir, no outro dia treinar, só que aí ele tomou um rumo diferente. Ele foi para o motel. Só que eu só tenho um flash de memória, não tenho memória completa por conta de estar muito, muito bêbado. Não consegui resistir fisicamente. Ele só me levou para tomar um banho, me botou na cama pelado e me estuprou".

Pai de atleta começou investigação

Os boatos de que o técnico se envolvia com os alunos não eram novos entre os moradores de São José, na grande Florianópolis. O que não era imaginado, no entanto, é que esse envolvimento era com menores de idade. Até que o pai de um aluno, que acompanhava o filho nos treinos, começou a achar muito estranha a forma ostensiva e rude com que Testa tratava os adolescentes.

Ele compartilhou a percepção com a esposa, que começou a conversar com os colegas do filho sempre que possível. Esse pai falou ao UOL com exclusividade, mas pediu que sua identidade fosse preservada. "Os boatos envolviam o nome de um garoto, que, coincidentemente, era um menino que com frequência pegava carona com a gente. Nós o conhecíamos, ele vivia em casa. Um dia, minha esposa conversou com ele; perguntou sobre o que tinha ouvido. Ele desconversou", afirma.

"Três meses depois, esse menino enviou uma mensagem a ela pedindo para conversar. Foi quando ele contou tudo. Disse que havia sido estuprado por André e que só decidiu contar porque um amigo dele tinha acabado de passar pela mesma coisa. Ele ficou tão horrorizado que achou que precisava falar", conta.

O pai explica que a mãe de um dos atletas do clube, que é advogada, se responsabilizou pelo registro do caso na delegacia. Foram quatro denúncias oficiais antes da prisão do treinador. Ao descobri-las, segundo a delegada, André Testa teria tentado coagir testemunhas e vítimas durante a investigação.

Defesa não se manifesta; clube diz que "julgamento não cabe" a ele

Procurada pela reportagem por mensagens e telefonemas desde a notícia da prisão, a defesa de André Testa não se manifestou. Em nota, a Associação Terra Firma, de São José, afirma "que não concorda com qualquer tipo de violência, abuso, discriminação ou falta de respeito com os atletas em qualquer instância; porém, não cabe a ela julgar os fatos, visto que existem órgãos especializados e competentes para esse tipo de situação". O clube continua funcionando.

Desde a prisão de Testa, duas novas vítimas procuraram a delegacia para prestar depoimentos.