Topo

Ausência feminina ainda é desafio para campeonato de surfe nu no Brasil

Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba, acontece entre 10 e 11 de setembro - Movimento NU / Divulgação
Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba, acontece entre 10 e 11 de setembro Imagem: Movimento NU / Divulgação

Eduardo Vessoni

Colaboração para o UOL Esporte

29/08/2022 04h00

Após uma pausa de dois anos por conta da pandemia de coronavírus, o 13º Tambaba Open de Surfe Naturista volta a ser realizado na Paraíba com um desafio: atrair o surfe feminino para a primeira praia naturista do Nordeste. O evento acontece entre 10 e 11 de setembro.

No país de Maya Gabeira, Tatiana Weston-Webb e Marina Werneck, poderia até ser mais uma competição com um número cada vez maior de mulheres, não fosse por um detalhe. Todos os competidores devem estar, obrigatoriamente, nus.

"Atualmente, apenas 30% dos naturistas no Brasil são mulheres. Então trazer o público feminino para esse tipo de surfe é mais complicado ainda", diz para o UOL Esporte Paula Duarte Silveira, presidente da FBrN (Federação Brasileira de Naturismo).

Paula acredita que, nessa edição, a parceria inédita entre a FBrN (www.fbrn.org.br) e a Federação Paraibana de Surf (@federacaoparaibanadesurf) pode ser um meio de atrair as atletas para esse evento em Conde, município do litoral sul paraibano, a 40 km de João Pessoa.

Para a surfista profissional Marina Werneck, o surfe nu pode intimidar as meninas, sobretudo porque o esporte sempre foi visto, historicamente, como um ambiente masculino.

"Antigamente, o espaço nas revistas de surfe era para mulheres de biquíni, num contexto mais sexualizado", diz Marina, que também é embaixadora do surfe feminino no Brasil.

Porém, apesar do crescimento da presença de mulheres no esporte, ela acha que a discussão ainda é muito recente e nem todo mundo está acostumado.

"Até pouco tempo atrás, as mulheres tinham que competir contra os homens porque mal tínhamos uma categoria feminina. Só com o tempo a gente veio conquistando espaço pelo talento, desvinculando [nossa imagem] da sexualização", analisa.

Mas, mesmo assim, o circuito paraibano ainda deve demorar para ter mulheres entre os competidores.

"Todos os inscritos são homens e isso já causa uma certa inibição em algumas surfistas. Minha meta nesta edição é conseguir pelo menos uma garota para um surfe de apresentação", diz Geilson da Silva Souza, coordenador do campeonato.

A modalidade foi idealizada pelo Movimento NU (Naturistas Unidos) como forma de incluir a prática esportiva na filosofia naturista. Por isso, mais do que pela competição em si, um evento desse tipo propõe acabar com o tabu em torno do naturismo, muitas vezes, associado equivocadamente ao sexo ou ao exibicionismo.

"É preciso mudar a visão do nu, mas as atletas ainda se preocupam como os meninos vão olhar para elas [sem roupas]. Quem visitar Tambaba, vai ver que é uma praia igual às outras", analisa Wagner Oliveira, 40, diretor técnico da Federação Paraibana de Surf.

12º Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba - Movimento NU / Divulgação - Movimento NU / Divulgação
Imagem: Movimento NU / Divulgação

Já o presidente dessa mesma instituição, Carlos Gilberto Palmeira, vai além e propõe que a pauta seja discutida para "plantar uma sementinha dessa inclusão".

"Ainda temos muitas barreiras, como o preconceito e a proibição dos pais", lamenta.

As inscrições para o Tambaba Open de Surfe Naturista são gratuitas e estão abertas até o dia 5 de setembro para todas as categorias e idades. Porém, a participação de menores de idade só é aceita com a autorização dos pais ou do responsável legal.

Como é surfar nu

Surfista dá aéreo no Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba - Movimento NU / Divulgação - Movimento NU / Divulgação
Imagem: Movimento NU / Divulgação

Considerado o único do gênero no mundo, o Tambaba Open de Surfe Naturista é uma competição amadora homologada pela Federação Paraibana de Surf e segue regras de acordo com a CBSurf (Confederação Brasileira de Surf). (www.cbsurf.org.br)

O campeonato está dividido em duas categorias: Local e Open. Enquanto a primeira foi criada a pedido dos próprios surfistas de Conde que queriam disputar entre si, a Open é voltada para todos os outros atletas, independente da idade ou do local de origem.

Os dois primeiros colocados em cada uma são classificados para outra bateria, a Expression Session, que avalia as manobras mais inovadoras e radicais.

"A maior pontuação é pelo grau de dificuldade, mas geralmente o que pontua mais é a manobra aérea, assim como os riscos para o atleta e seu comprometimento", explica Wagner.

Com um limite de 16 inscritos por categoria, as baterias duram 15 minutos e têm triagens no primeiro dia do evento. Já no domingo, acontecem as finais que premiam os vencedores com um troféu e uma prancha no valor de R$ 1.000.

Durante a prova, os atletas só podem usar uma camiseta de lycra colorida com um número de inscrição estampado para identificação da avaliação técnica.

Surfistas se concentram antes de entrar na água no Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba - Movimento NU / Divulgação - Movimento NU / Divulgação
Imagem: Movimento NU / Divulgação

Considerada a praia de naturismo brasileira mais conhecida internacionalmente e um dos melhores picos de surfe no litoral sul paraibano, Tambaba é famosa pela formação de ondas de até 3 pés (pouco menos de 1 metro).

Outras características naturais que favorecem o surfe por ali são as pedras que protegem a praia dos ventos e seu fundo de areia, conhecido como beach break.

"Além de estar dentro de uma área naturista, o diferencial do pico são as múltiplas ondas que quebram tanto para a direita como para a esquerda, diferente do point break, quando a onda segue para um lado só", compara Wagner.

Os organizadores do campeonato são unânimes em dizer que o fato de estar nu não representa nenhuma vantagem ou desvantagem para os competidores.

"Tecnicamente, não tem diferença nenhuma. O mais importante é o atleta se adaptar à situação, e é isso que mais causa estranheza em quem nunca praticou [o surfe nu]. Depois, tá tudo certo", garante o diretor técnico do evento.

O paraibano G., como o coordenador Geilson é conhecido entre os surfistas, acredita que estar sem bermuda não altera seu desenvolvimento na água.

"Uma roupa de neoprene até ajuda no contra peso, mas quanto mais leveza melhor", conta G., que surfa desde os 14 anos.

Para ele, aliás, Tambaba pode ser comparada com picos nordestinos como Tabatinga, em Natal (RN), por conta do tempo de ondas.

Tamanho não é documento

Surfista faz manobra durante bateria do Tambaba Open de Surfe Naturista, na Paraíba - Movimento NU / Divulgação - Movimento NU / Divulgação
Imagem: Movimento NU / Divulgação

Assim como G. conta, os atletas masculinos também costumam ter resistência em se apresentar em público, o que explica o fato do campeonato praticamente ter os mesmos inscritos há 13 anos.

"Algumas pessoas têm um pensamento meio atrasado e conservador. O pessoal aqui no Nordeste é muito difícil, por isso quem mais frequenta Tambaba são visitantes do Sul e do Sudeste", diz.

Já Wagner lembra que, numa das edições, um dos surfistas se recusou a participar por conta do tamanho do próprio pênis.

"Os caras também têm vergonha do nu. Meu irmão, tu vai surfar, esquece isso", lembra Wagner sobre o colega surfista que, apesar de ter aceitado o desafio, acompanhou as baterias de um lugar mais escondido para não ser visto pelos outros participantes.

Assim como conta Paula, presidente da FbrN, um dos princípios da filosofia de vida naturista, que inclui também o nudismo, "é a prática esportiva como uma agregador de pessoas".

Carlos Santiago, secretário da SONATA, e Paula Duarte Silveira, presidente da Federação Brasileira de Naturismo, em Tambaba - Movimento NU / Divulgação - Movimento NU / Divulgação
Carlos Santiago, secretário da SONATA, e Paula Duarte Silveira, presidente da Federação Brasileira de Naturismo, em Tambaba
Imagem: Movimento NU / Divulgação

Por isso, o campeonato de surfe nu surgiu em 2008, durante o 31º Congresso Internacional de Naturismo, organizado pela SONATA (Sociedade Naturista de Tambaba), para que os participantes conhecessem melhor essa modalidade esportiva e os próprios surfistas tivessem um outro olhar do naturismo.

Para Carlos Santiago, atual secretário da SONATA, "o campeonato não é apenas uma competição, mas também um produto turístico que atrai muita gente para o evento".

"O projeto tem como proposta promover o naturismo através do esporte e escolhemos o surfe porque ele representa bem a filosofia do respeito à natureza e ao próximo", finaliza.

Criada em 1991, a partir de um decreto municipal, a praia naturista de Tambaba conta até com uma escola para incentivar quem quer aprender a surfar sem roupa.

As aulas da SurfNU (www.sonatatambaba.com.br) costumam acontecer nos finais de semana e devem ser agendadas previamente.