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Surfe: Maior ameaça ao 6º título do Brasil tem técnico e esposa brasileiros

Jack Robinson e a esposa brasileira Julia Muniz - @jackrobinson72/Instagram
Jack Robinson e a esposa brasileira Julia Muniz Imagem: @jackrobinson72/Instagram

Marcello De Vico

Colaboração para o UOL, em Santos (SP)

04/09/2022 04h00

Filipe Toledo tem sido apontado como o grande favorito para ser o campeão mundial de surfe de 2022. Depois de bater na trave no ano passado, quando foi derrotado por Gabriel Medina na grande final, o brasileiro de Ubatuba (SP) tem nesta temporada outra chance, ainda mais clara, de finalmente levantar a sua primeira taça, a sexta do Brasil. Mas ele sabe: não terá vida fácil em Trestles, Califórnia, palco do WSL Finals pelo segundo ano seguido —a primeira chamada acontece na quinta-feira (8).

E o principal motivo para isso tem nome: Jack Robinson. Apesar de ser novato no circuito —entrou em 2021—, o australiano de 24 anos vem demonstrado uma incrível evolução desde que procurou o experiente brasileiro Leandro Dora, o Grilo, para ser o seu novo treinador, e chega para a decisão até mais favorito que Italo Ferreira, único campeão mundial entre os cinco finalistas.

Para se ter uma ideia, Jack Robinson tinha um modesto nono lugar como seu melhor resultado em 2021 até a etapa de Surf Ranch, realizada em junho. A insatisfação com o nível de desempenho atingido até então foi a deixa para o australiano buscar uma parceria com Grilo, que já o conhecia desde criança. Coincidência ou não, ele conquistou a primeira vitória de sua carreira logo na etapa seguinte, no México, já com o novo treinador.

A evolução continuou e Jack se tornou a grande revelação do surfe mundial em 2022. Campeão em Margaret River, na Austrália, e em G-Land, na Indonésia, foi, ao lado de Filipinho, o único que carimbou vaga para as finais com uma etapa de antecedência. Por pouco, não acabou 'roubando' o primeiro lugar do brasileiro em Teahupo'o.

"Eu já sabia de que maneira atuar quando a gente começou. Acho que daí se deve o êxito da parceria. Esse trabalho do técnico com o surfista tem que ter a entrega mútua: o atleta tem que se entregar para aquilo que o coach está passando, acreditar, entender e, principalmente, executar. E eu já tinha, antes de a gente se envolver profissionalmente, reparado algumas coisas que eu achava que poderiam ter um efeito positivo na carreira", disse Leandro Dora, que traz no seu currículo um título mundial com Adriano de Souza, em entrevista ao UOL Esporte

Técnico Leandro Dora, o Grilo, e Jack Robinson, surfista australiano, durante etapa de Teahupo'o, no Taiti - Damien Poullenot/World Surf League via Getty Images - Damien Poullenot/World Surf League via Getty Images
Leandro Dora, o Grilo, e Jack Robinson durante etapa de Teahupo'o, no Taiti
Imagem: Damien Poullenot/World Surf League via Getty Images

"Quando ele veio me procurar, a gente já passou duas semanas juntos aqui em San Clemente [Califórnia] depois da etapa do Surf Ranch e ali já comecei a atuar com as coisas que eu achava que era importante para ele, e começamos a ver o resultado já de imediato, um mês depois. Na primeira etapa depois ele venceu, que foi a do México", lembrou.

E qual foi o ponto-chave para Jack Robinson evoluir tanto? Para Grilo, um conjunto de fatores elevou o nível do pupilo:

"Acho que o nível de acerto. É um conjunto de coisas. Nós aumentamos o volume da prancha, mudamos o treinamento físico, ele perdeu peso, ficou mais ágil... Uma série de coisas fizeram com que ele ficasse mais confiante e, com isso, aumentasse o nível de acerto das manobras".

"Ele é um cara que já tinha manobras muito diferenciadas, aéreas, progressivas, mas o índice de acerto era muito pequeno. E hoje em dia ele está com um índice de acerto muito grande, e acho que isso se deve à autoconfiança e a esse ajuste que vem da parte técnica, equipamentos e, na sequência, na parte mental. Quando as coisas começam a dar certo, o cara começa a ganhar aquela pilha nova. Ele conseguiu entrar num ritmo e dar sequência nesses bons resultados", pontuou.

"Toque brasileiro"

Filipe Toledo (vice) e Jack Robinson (campeão) - WSL - WSL
Jack Robinson foi o campeão em G-Land, com Filipinho ficando com o vice
Imagem: WSL

Além do técnico brasileiro, Jack Robinson também é casado com uma brasileira, Julia Muniz. E se a "Brazilian Storm" se tornou nos últimos anos a grande inspiração para surfistas de qualquer parte do planeta, o australiano já carrega consigo um pouco de verde e amarelo.

"Ele já tinha esse toque, até por ser casado com uma brasileira. Acho que o australiano em si já tem uma certa identificação com o brasileiro, mais do que o próprio americano ou havaiano. Acho que, ali do Tour, o australiano é o povo mais parecido com o brasileiro. E ele realmente se identifica com isso, ele gosta muito da cultura e das coisas brasileiras, e, atualmente, não tem como você não mencionar o surfe brasileiro como uma referência mundial", disse.

"O nível que a galera está mostrando —e não vou ficar só em Gabriel, Italo e Filipinho, porque tem muita gente—, é a prova de que eles se empenham muito na profissão, e acho que esse é o grande diferencial do brasileiro, aquela raça a mais. E acho que o Jack soube absorver isso e está executando muito bem", complementou.

Preparado para o título? "Com certeza"

Jack Robinson (AUS) - WSL - WSL
Imagem: WSL

Leandro Dora é direto ao ser questionado se Jack está preparado para ser campeão: "Com certeza. Acho que, no âmbito geral, na minha opinião externa —claro que a gente não acompanha a rotina de todos os atletas de perto—, ele é um dos mais preparados no âmbito geral. Ele está bem preparado para esse título, vai lutar por isso".

"Ele e o Filipinho foram os mais constantes no ano. A gente sabe que a final é em um dia, tudo pode acontecer. São 35 minutos de bateria, e às vezes o cara consegue duas ondas muito boas e o outro não se encontra, comete algum erro. Mas, realmente, os dois que estão liderando são os dois mais merecedores dessas posições, mas sem desmerecer os demais que também estão muito bem", completou.

O Filipe é um cara diferenciado. Ele conhece muito bem essa onda e acho que a maioria o considera como favorito. É o momento dele também, e vamos ver o que vai acontecer no dia. Eu acho que o Jack é um cara que pode vencê-lo. É uma tarefa muito difícil porque tem que vencê-lo duas vezes na melhor de três. A gente sabe que é muito difícil, mas eu vejo no Jack o cara que está pronto para isso.

Veja outros trechos da entrevista:

O começo da relação

Eu já conheço o Jack há um bom tempo. A gente se conheceu através da amizade com o Ricardinho dos Santos, que é um atleta que já treinava na Aprimore Surf [método de treinamento desenvolvido por Grilo], e o Ricardinho era da equipe da Billabong e o Jack também, e eles ficavam na mesma casa no Hawaii. O Jack ainda era bem criança, bastante novo, e a gente começou uma amizade. Ele fez uma surfe trip com o Yago [Dora, filho do Grilo] para a revista Surfing, eles começaram a ficar mais amigos ainda, e depois do convívio entre campeonatos e temporadas no Havaí fomos nos aproximando cada vez mais. E, posteriormente, quando ele entrou na equipe da Volcomm, a gente ficou ainda mais próximo. Essa relação foi se tornando mais íntima com o passar dos anos, mas a gente já se conhece desde que ele era criança.

Quem é Jack Robinson?

É um cara muito alto astral, puro, muito regrado em qualquer tipo de coisa que possa fazer mal a ele como drogas, bebidas, açúcar. Ele se entrega a ter uma disciplina muito rígida em relação a isso e hoje ele está com as ferramentas e o acompanhamento. Ele é um cara nota 10, muito bom de trabalhar e acho que é por isso que a coisa fluiu de forma harmônica. Não é toda vez que acontece isso. Tem que rolar uma sintonia para os dois falarem a mesma língua. É um convívio muito grande em um ambiente hostil, porque você lida com a derrota, momentos de dúvidas, de dificuldades, de carência, de estar longe da família muitas vezes, e tem que ser um convívio muito harmonioso, e a gente está conseguindo construir essa harmonia.

Gringos engasgados?

Acho que eles aceitaram e reconheceram esse momento do surfe brasileiro como a gente, nas décadas de 80, 90, anos 2000, também aceitou, reconheceu e acabou tentando tirar algo daquilo que pudesse somar no nosso desenvolvimento, na evolução do surfe brasileiro. E hoje, realmente, essa geração de brasileiros é uma referência, principalmente na maneira com que a galera se relaciona. Um consegue dar pilha no outro mesmo sendo adversário. O surfe não é disputado como um time, uma nação, é um esporte individual, mas a maneira de ser e de agir dos brasileiros do Tour está sendo uma referência no âmbito geral. A galera tá correndo atrás. Treinadores, shapers, empresários.