Por que Federer é considerado o maior da história sem ter recorde de Slams
Roger Federer disse adeus. Ao lado de Rafael Nadal, seu grande rival ao longo de mais de 15 anos, o suíço de 41 anos se despediu do tênis em jogo de duplas na Laver Cup contra os americanos Jack Sock e Frances Tiafoe. O ponto final na carreira reacende o debate: Federer é o maior tenista da história?
Para muita gente, sim, e mesmo com o suíço tendo menos títulos de Grand Slams (20) do que Nadal (22) e Novak Djokovic (21), ambos mais jovens que o agora ex-tenista e sedentos por mais conquistas. Isso sem citar outros nomes do passado. Mas Federer tem uma vantagem: a elegância em quadra e a beleza única de seus golpes. Olhando, parece fácil.
"Não é apenas o número de títulos de Grand Slam que importa. Tanto faz se serão 21, 22 ou 23, não vejo apenas o vencedor dos Slams, vejo a estética, o que você dá na quadra. Para mim, Federer é inimaginável e insubstituível, ele é o maior jogador de todos os tempos quando vejo a estética, a graça que ele tem em quadra", disse o tenista francês Richard Gasquet em entrevista ao jornal L'Équipe.
É mais fácil encontrar quem defenda Federer como o GOAT (Greatest of All Time, abreviação em inglês para o "melhor de todos os tempos") do tênis do que Nadal ou Djoko. Outro que escolhe o suíço é Rod Laver, lenda do tênis australiano, citando o mais belo dos golpes de Federer, o backhand com uma mão.
"Roger Federer certamente é a minha escolha de ser o melhor de todos os tempos, se existe tal coisa'', afirmou o ex-tenista anos atrás. "Roger tem todos os golpes, sua antecipação é inacreditável, seu timing com seus golpes, seu backhand com uma mão é um dos melhores que existem."
Por essas e outras, suíço deixa um legado no esporte maior que a quantidade de troféus.
Lesões atrapalharam reta final da carreira
Federer nunca abandonou um jogo. Foram 1526 partidas de simples e 223 de duplas disputadas do começo ao fim. São 1251 vitórias e 275 derrotas em simples, o que rendeu uma premiação de US$ 116 milhões (cerca de R$ 607 milhões na cotação atual). Porém, as lesões atrapalharam a reta final da carreira.
Problemas nos joelhos obrigaram Federer a passar por cirurgias. Em 2016, foi operado no esquerdo e retornou de maneira triunfal com o improvável título do Australian Open de 2017. Já o direito precisou ser operado três vezes: duas em 2020 e uma em 2021. A última manteve o suíço longe das quadras até a aposentadoria. Entre fevereiro de 2020 e agosto de 2022, o tenista disputou apenas cinco torneios.
O curioso é que o último torneio da carreira antes da Laver Cup foi Wimbledon em 2021. O suíço é o maior campeão do Grand Slam inglês, com oito conquistas. Ele se despediu nas quartas de final ao ser derrotado pelo polonês Hubert Hurkacz.
"Desde que joguei Wimbledon no ano passado e tentei voltar, senti que havia um limite para o que eu poderia fazer e essa não é a maneira de jogar ou tentar continuar pressionando. Para ser honesto, também parei de acreditar", disse nesta semana. "Realizei um exame há alguns meses e não era o exame que eu esperava, e foi quando percebemos rapidamente que era isso."
Fedal
Os duelos entre Federer e Nadal começaram em 2004, mas o que nem todo o mundo sabe é que a primeira partida entre os dois foi nas duplas. Pelo Masters de Indian Wells, em março daquele ano, Federer e o também suíço Yves Allegro enfrentaram Nadal, então com 17 anos, e o espanhol Tommy Robredo. Melhor para a dupla espanhola, que venceu por 2 sets a 1 na segunda rodada. Dias depois, veio o primeiro confronto na simples, pela terceira rodada do Masters de Miami. E de novo deu Nadal, que venceu o número 1 do mundo por 2 sets a 0.
No total, foram 40 duelos em simples, com vantagem de Nadal: 24 vitórias para o espanhol e 16 para o suíço. Federer chegou a ser freguês, mas diminuiu a diferença com sete vitórias nos últimos oito jogos. A "última dança" ocorreu na semifinal de Wimbledon 2019. Vitória do suíço por 3 sets a 1.
A rivalidade ganhou o apelido de "Fedal" e até virou livro (Nadal & Federer - A história da rivalidade mais importante do tênis). Ao longo de mais de uma década, os dois tenistas viraram amigos e compartilharam momentos fora de quadra.
Um dos mais marcantes foi a inauguração da Rafa Nadal Academy, academia de tênis do espanhol, em Manacor, na Espanha. Federer compareceu à cerimônia em 2016 e doou para o museu de Nadal a roupa usada na final de Wimbledon 2008, vencida pelo espanhol após quase 5 horas de jogo, naquela que é considerada uma das melhores partidas da história do tênis.
"Temos compartilhado muitos momentos importantes ao longo de nossas carreiras e sempre mantendo uma relação de amizade muito boa. Sempre agimos com espírito esportivo e isso é algo de que devemos nos orgulhar", disse Nadal na inauguração.
Eles também se enfrentaram em partidas de exibição, entre jogos voltados para caridade e a "Batalha das Superfícies", em 2007, quando metade da quadra era de grama (domínio de Federer) e metade de saibro (especialidade de Nadal). Eles precisavam trocar de tênis a cada troca de lado. No fim, deu o espanhol: 2 sets a 1.
O curioso é que Federer e Nadal só estiveram do mesmo lado da quadra apenas uma vez antes da Laver Cup de 2022. Na edição de 2017 do torneio, os dois formaram dupla e venceram os americanos Sam Querrey e Jack Sock por 2 a 1. Agora, voltaram com a parceria na última partida da carreira do suíço.
Empresário, bom moço e 'vitrine' para marcas
Federer também é empresário e vem aproveitando os conselhos do bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann, que virou amigo do suíço por serem vizinhos. A Laver Cup, inclusive, foi fruto de uma parceria entre a promotora de Federer, TEAM8, Lemann e a Tennis Australia, que regula o tênis australiano.
Na briga para ver quem é o melhor da história, a postura de bom moço fora da quadra pesa a favor de Federer, enquanto Djokovic se envolve em polêmicas (como a decisão de não se vacinar contra a covid-19) e Nadal convive com muitos altos e baixos por causa de lesões.
A falta de capítulos negativos também faz com que o suíço atraia grandes marcas. Antigamente, ele era a cara da Nike no circuito, mas ousou ao deixar a empresa americana após mais de duas décadas e desde 2018 veste roupas da japonesa Uniqlo, que paga US$ 30 milhões anuais em um contrato de 10 anos, segundo a imprensa suíça.
O valor, somado aos ganhos com outros patrocinadores, fez com que Federer fosse apontado pela revista Forbes em 2022 como o tenista mais bem pago do mundo pelo 17º ano consecutivo. E isso sem ganhar nada com premiação nesta temporada. Ele faturou US$ 90 milhões nos últimos 12 meses com patrocínio e outros faturamentos, quase três vezes mais que o segundo tenista do masculino na lista, Nadal, com US$ 31,4 milhões.
Federer também é filantropo. Em 2003, ele fundou a Fundação Roger Federer, que apoia projetos educacionais na África e na Suíça. O tenista preside a instituição. A mãe, o pai e a esposa dele também trabalham para a Fundação. Além do projeto que leva seu nome, o suíço ainda contribui com outras causas, algumas na África do Sul — ele tem relação de afeto com o país porque a mãe dele, Lynette, é sul-africana.
Futuro no tênis, mas família é prioridade
A principal pergunta agora que Federer está aposentado é: o que ele vai fazer no futuro? Antes da despedida nesta semana, o suíço se emocionou ao falar que não pretende sumir do cenário do tênis.
"Só quero que os fãs saibam que eu não serei um fantasma. É engraçado. Eu falei sobre Bjorn Borg antes. Eu acho que ele não voltou para Wimbledon por 25 anos. Isso, de certa forma, machuca todo fã de tênis. É totalmente aceitável. A vida dele, os motivos dele. Mas eu não acho que serei esta pessoa. Eu sinto que o tênis me deu muito, fiquei por ali por muito tempo, me apaixonei por muitas coisas. Eu quero que os fãs saibam que vocês me verão de novo. O que pode ser, quando? Eu não sei. Ainda tenho de pensar um pouco mais. Me dar tempo."
O suíço precisa refletir e decidir qual será sua próxima função no tênis, mas já deu algumas dicas. Ele vê com bons olhos ser mentor de jovens jogadores. O que é certo é que Federer passará mais tempo com a família.
Ele é casado com a também ex-tenista Mirka. Eles se conheceram nas Olimpíadas de Sidney-2000, se casaram em 2009 e são pais de gêmeos: Myla Rose e Charlene Riva, que nasceram em 2009, e Leo e Lenny, que nasceram em 2014.
"Eu tenho quatro filhos e eles são incríveis e precisam da minha ajuda, e minha esposa também. Ela sempre esteve ao meu lado o tempo todo."
Como foi enfrentar Federer
Ao longo dos mais de 20 anos da carreira profissional, Federer enfrentou tenistas brasileiros. O duelo mais inesquecível (para o Brasil) foi contra Gustavo Kuerten. Na edição de 2004 de Roland Garros, Guga teve pela frente o então número 1 do mundo. O favoritismo era de Federer, mas o tricampeão do Grand Slam francês venceu por 3 sets a 0 e avançou às oitavas de final. No total, foram três confrontos entre o brasileiro e o suíço, com duas vitórias de Guga.
Outro tenista do Brasil que encarou Federer em um Grand Slam foi Thiago Alves. Pela segunda rodada do US Open de 2008, o suíço venceu por 3 sets a 0, parciais de 6-3, 7-5 e 6-4. O brasileiro veio do qualifying para conseguir uma vaga na chave principal e viu que tinha caído no mesmo lado da chave que Federer. Porém, antes de encarar o suíço, precisava vencer o chileno Paul Capdeville.
"Vi que podia ganhar, era um jogo duro, e com isso fui me pressionando bastante pela oportunidade de jogar contra o Federer. Contra o Capdeville, senti um pouco o fato, não comecei bem, perdi os dois primeiros sets, mas virei e isso me trouxe muita confiança para jogar contra o Federer", disse.
Thiago teve dois dias entre a estreia na chave principal do US Open e a partida contra o suíço, o que ajudou bastante na concentração, segundo o ex-tenista brasileiro.
"No dia do jogo, minha equipe e eu traçamos a meta de começar bem. Se não começa bem, você não curte o jogo em si. Entrei com a expectativa de jogar bem, era meu primeiro objetivo, e dentro do jogo fui criando outros objetivos. Comecei muito bem, 1 a 1, 2 a 2, 3 a 3 e perdi o primeiro set com uma quebra só."
"O segundo set no começo foi incrível. Ele teve muita chance de me quebrar, mas eu jogava bem nos pontos importantes. Fomos até o 5 a 4, eu tive um 30 iguais, e eu achei que poderia ganhar um set dele. Você vem criando objetivos dentro do confronto. Nesse segundo set, eu vi que dava para ganhar um set, mas ele fez um ace. O que eu acho mais incrível nele é a capacidade de jogar bem os pontos importantes. Ele não me dava chances, não é à toa que tem esse histórico", acrescentou.
Thiago diz que caiu mentalmente depois que perdeu o segundo set. Somado ao cansaço do jogo anterior, ele se viu com uma montanha à frente para escalar. Federer fez 6-4 na terceira parcial e fechou o jogo. O curioso foi que a partida acabou, mas os tenistas precisaram esperar um pedido de desafio do brasileiro. O juiz marcou bola boa de Federer no último ponto, mas Thiago viu fora e desafiou.
"No último ponto, eu pedi desafio. A bola foi em cima da linha. O juiz cantou o fim do jogo, aí eu pedi o desafio, ficamos na rede esperando, mas a bola foi bem em cima da linha. Eu falei para ele: 'vai que ela saiu? A gente tem que jogar mais'. A gente ficou vendo, se olhou, deu risada, tem uma foto bem legal daquele momento. O sorriso foi de que aquela bola foi boa", contou o brasileiro, que diz ter enfrentado o maior tenista da história.
"Na minha opinião, ele é o maior. A história sempre vai ter essa discussão: Pelé ou Maradona, Federer ou Djokovic. Ele mudou muito o conceito do tênis, sempre joga muito fácil, os golpes são todos lindos. O carisma dele faz com que ele se torne maior ainda. Não é maior só dentro da quadra, quem ganhou mais ou menos, e sim o que o cara proporciona para o esporte. O legado dele já é grande, mas vai se arrastar por muito tempo. Ele fez muito pelo esporte, mudou a visão do tênis. Tem uma história impecável, nunca teve algo que manchasse a carreira. Por esses motivos, ele é o maior da história. Recordes sempre serão quebrados."
Os principais feitos de Roger Federer:
- 20 títulos de Grand Slams (6 Australian Open, 1 Roland Garros, 8 Wimbledon, 5 US Open)
- 6 títulos do ATP Finals
- Medalha de prata em simples nas Olimpíadas de Londres-2012
- Medalha de ouro nas duplas masculinas nas Olimpíadas de Pequim-2008
- 310 semanas como número 1 do mundo, sendo 237 consecutivas
- 28 títulos de Masters
- 103 títulos da ATP em simples no total
- Campeão da Copa Davis com a Suíça em 2014
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