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Ditadura acabou com carreira de irmão de Zico: torturado e perseguido

Nando Antunes, irmão de Zico, posa ao lado de placa em sua homenagem no Ceará - Arquivo pessoal
Nando Antunes, irmão de Zico, posa ao lado de placa em sua homenagem no Ceará Imagem: Arquivo pessoal

Do UOL, em São Paulo (SP)

04/11/2022 10h30

Irmão de Zico, Fernando Antunes Coimbra, o Nando, também foi jogador de futebol. No entanto, a carreira dentro do esporte precisou ser encerrada, mas não pela idade ou pelo desempenho dentro de campo. O real motivo foi a forte perseguição política que ele sofreu durante o período de ditadura militar no Brasil.

Em entrevista ao podcast "Contra-ataque", produzido pelo Globoplay, Nando relembrou como sua história no futebol precisou ser abreviada por conta do militarismo. Um dos irmãos mais velhos de Zico, ele atuou nas categorias de base do Fluminense, mas já nesta época, resolveu dividir sua vida no esporte com a carreira de professor. Isso porque, se inscreveu e foi aprovado no Programa Nacional de Alfabetização (PNA), criado por Paulo Freire durante o governo de João Goulart.

A carreira como professor durou pouco mais de um mês após o início do PNA, em 1964, já que o Golpe Militar colocou fim ao programa. Desse modo, Nando voltou suas atenções 100% ao futebol. Ele chegou a ir para o Santos-ES, que hoje não existe mais, em 1966, porém a passagem durou pouco.

"Um militar assumiu e eu percebi que não cruzou muito comigo. Na apresentação, ele disse que eu estava afastado e que deveria procurar o presidente. Eu quis saber o motivo. Fui no presidente e ele me disse 'Nando, não posso fazer nada. Infelizmente, você sabe a época que a gente está vivendo'. Me pagou tudo que eu tinha direito. Na hora, eu pensei 'será que é por eu ter sido professor do PNA?' E era...", disse.

Depois de deixar o Espírito Santo, Nando voltou ao Rio de Janeiro, passou pela equipe de aspirantes do América-RJ, onde jogavam os irmãos Antunes e Edu, e depois chegou ao Madureira. No time, vinha se destacando até que foi afastado. Na época, um diretor de futebol do clube afirmou que ele havia se recusado a cumprir uma ordem

"Tinham que inventar alguma coisa, né?! Véspera de Madureira e Botafogo no Maracanã [...] ele armou com um veterano para eu fazer uma pergunta a ele sobre quando era o pagamento dos jogadores. Ele colocou o dedo na minha cara, começou a me xingar e disse que eu estava afastado. Os jogadores fizeram até um apelo para eu voltar porque ninguém entendia o motivo de eu não poder jogar. Um dia eu descobri que ele era um dedo-duro da ditadura", afirmou Nando.

Perseguição em Portugal

Nando, posteriormente, deixou o futebol carioca e foi tentar a carreira no Ceará, longe dos holofotes da ditadura. O desempenho no clube nordestino foi bom e o Belenses, de Portugal, levou o irmão de Zico para a Europa em 1968.

A vida em terras lusitanas logo trouxe de volta a perseguição militar a Nando. Isso porque, com pouco tempo na Europa, dois homens da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado), que era uma espécie de polícia política e repreendia qualquer tipo de 'ameaça' ao governo autoritário de António Salazar, o abordaram em seu quarto no hotel onde ficava.

"Começaram a falar e deram a entender que sabiam da minha vida no Brasil. Não falaram do PNA, mas sabiam que, além do futebol, tinha outras coisas e tal. Expliquei que estava lá para jogar futebol e mais nada. Quiseram ver meu documento. Naquela época, as transferências eram feitas de federação para federação. Lembrei que um senhor da CBD [hoje CBF] me chamou em um canto e me falou: 'Olha, meu filho, cuidado. Você é filho de português e eles estão mandando todo mundo para a África, para a guerra. Se te procurarem, você diz que sua documentação está na embaixada brasileira'", relatou e continuou:

"Falei isso para eles e eles não puderam fazer nada, mas disseram que iriam voltar. Eu nem dormi direito essa noite", completou.

Apavorado com a situação, Nando recebeu ajuda de um diretor do Belenenses e conseguiu voltar ao Brasil.

Prisão, tortura, mas sem arrependimento

No Rio de Janeiro novamente, Nando foi preso quando estava na casa de uma tia. Em entrevista ao UOL Esporte em 2019, ele deu detalhes do que aconteceu enquanto estava preso.

"Botaram a gente num corredor onde tinha meia dúzia de jaulas, ficamos a noite inteira com a mão na cabeça, com a cara na parede. Quando o braço descia de cansaço, vinham com um mosquetão e diziam: 'Filho da p... vou furar você, levanta esse braço'. Falavam mil abobrinhas, me esculachavam".

Após os quatro dias em que ficou preso, Nando voltou para casa e evitou contar o que sofreu para não prejudicar a carreira dos irmãos. Mesmo assim, ele acredita que seu passado prejudicou Zico e Edu.

"O Edu não foi convocado e deixou de ser campeão do mundo [em 1970] porque os milicos cortaram ele só por ser meu irmão. O Zico era principal jogador da seleção olímpica [em 1972] e foi cortado porque eu tinha sido preso", afirmou.

Apesar do relato ao podcast "Contra-ataque", ele afirma que não se arrepende de nada que fez.

"Foi uma parte da minha vida que eu não imaginava que iria acontecer. Me tornei escritor, palestrante e hoje sou pintor com centenas de quadros. Tenho uma vida maravilhosa e não me arrependo de nada. Não fiz nada de errado. Meu crime foi ser professor", disse.