Referência aos jovens e tranquilidade: como Rebeca Andrade virou a melhor
"Ele até chorou quando você foi campeã", disse uma mãe ao acompanhar o filho, ginasta, que entregava um presente à Rebeca Andrade na celebração do Flamengo após as medalhas de ouro e bronze no Mundial de Ginástica de Liverpool. Recebida com muitos aplausos e homenagens, todos paravam para ver a atleta mais completa do mundo da modalidade falar.
Mas o peso de ser referência não é grande para Rebeca. Com a voz baixa e calma, ela garante que atualmente não absorve mais a pressão externa, mesmo sendo a melhor. Pelo contrário, estar no dia a dia e sentir a admiração da próxima geração é algo que a motiva a ser ainda melhor do que já é.
"Quando estou dentro do ginásio, só foco nisso. Gosto quando as crianças estão fazendo alguma coisa e o treinador fala 'vai fazer assim mesmo? A Rebeca está olhando. Tem certeza? Não vai esticar a perna?'. Incentiva, eles entendem que uma Rebeca, Flávia, Jade, Lorrane, não fazem com a perna relaxada. Incentiva a fazer melhor, usam como exemplo bom. Falo que sou tranquila porque foi algo que trabalhei muito com a minha psicóloga, faço acompanhamento desde os 13 anos. Foi algo que trabalhei para me sentir assim. Quando era mais nova sofria com isso e queria sempre orgulhar todo mundo, me preocupava muito. O que acontece fora não está no meu controle, quando minha psicóloga conseguiu colocar na minha cabeça, as coisas melhoraram. É um trabalho diário, é algo que pratico todos os dias, tendo uma mente blindada", disse ao UOL Esporte.
Rebeca treina na estrutura do Comitê Olímpico, mas vai ao Flamengo às segundas-feiras. No clube desde os 11 anos, a ginasta é lembrada nas paredes no Ginásio Claudio Coutinho, na Gávea. Além do banner ao lado de nomes como Flávia Saraiva e Jade Barbosa, ela também tem outro, que lembra o ouro no salto e a prata no individual geral nas Olimpíadas de Tóquio. Depois de ganhar tudo, a motivação se tornou coletiva.
"Essa luta cria uma motivação maior para ela, o resultado por equipes. Como treinadora, é o que eu sempre sonhei. Ela sabe a diferença que faz. O fato de tê-la é que nos dá condição de sonhar com medalhas. Na vida você tem ídolos. O dia a dia da ginástica é muito difícil. Pelo treinamento, a dificuldade de pegar crianças pequenas e criar disciplina. É até difícil eles criarem amigos fora do esporte, porque é uma realidade totalmente diferente. Na hora que eles estão do lado, quando ela vem treinar aqui, é só a campeã do mundo. É um olhar, a forma como se apresenta, uma fala dela, da Flavia, da Jade, que adora ensinar. Isso faz tudo compensar. Ter uma referência ao lado", disse Georgette Vidor, coordenadora de ginástica artística do Flamengo.
"Elas estão fazendo e pensam 'ah, a Rebeca hoje me olhou, será que gostou?'. Elas serem do Flamengo é uma glória. Conquistamos todos os campeonatos brasileiros, ela competiu no adulto ao lado, almoça junto, toma café junto. 'É tão humana quanto eu', os atletas pensam. Também come, gosta de um docinho. Faz parte de um ensinamento de vida. Ver a pessoa que ela se tornou, isso não sobe à cabeça. Fica feliz, mas entende que no outro dia é tudo de novo. Um campeão vir com a mesma motivação é o que faz a diferença. Volta com sangue nos olhos. Tem essa vontade forte", completou.
Tranquilidade e metas
O torcedor brasileiro pode ficar nervoso antes de toda apresentação de Rebeca Andrade nas competições, mas ela diz que o nervosismo é controlado. Entende que só precisa fazer ali o que já realiza diariamente nos treinamentos. A serenidade ajuda a ser a melhor.
"Me sinto muito orgulhosa de tudo que posso proporcionar para as outras ginastas e as crianças e adolescentes, mesmo fora do esporte. Lembro como foi importante a Dai [Daiane dos Santos], como representou tanto para mim. Espero que se espelhem em mim da mesma maneira. Os resultados que a ginástica está tendo são fruto de muito trabalho, de anos. Sou grata a todo apoio e esforço do meu treinador. A mim e a todas as meninas. Os técnicos e a equipe multidisciplinar, que deixam nossa cabeça e corpo fortes para tirar toda carga e pressão que as pessoas colocam na gente", afirmou Rebeca.
"Não me sinto pressionada porque sou uma pessoa tranquila, mas só porque não tenho, não quer dizer que outras pessoas também não. É um orgulho ser tudo que sou hoje. Se pudesse dar um recado para a Rebeca de anos atrás, diria 'acredita, porque você é capaz'", finalizou.
Quem está com ela no dia a dia também diz: é a mais fácil de trabalhar dentro do clube, como afirmou Georgette Vidor.
"A Rebeca é a mais fácil. A Jade não é fácil, a Flavinha também, requer muito do treinador. A Rebeca, não, pergunta o que é para fazer e vai. Tem dia que não está bem, mas é objetiva, não dá trabalho. É o que pedimos que os atletas sejam. Ela ser do Flamengo é ótimo para nós. Os clubes são os formadores, não há dinheiro. Somos um país pobre, nossa população passando fome, não dá para achar que temos que ter todo dinheiro do mundo. Os clubes dão suporte, treino, treinadores, mas não damos o dinheiro do dia a dia. Se não fossem os familiares fazendo o sacrifício, não conseguiríamos. O exemplo e a estrutura temos", comentou.
No horizonte de Rebeca, do Flamengo e do Brasil, está a vaga em Paris 2023. Sem Flávia Saraiva, lesionada, as brasileiras ficaram a 0.9 do Canadá, terceiro colocado no Mundial. Só as três primeiras já garantiram o lugar na Olimpíada.
"Quantas dificuldades tivemos para que o nível do Brasil fosse maior atualmente. Hoje você tem patrocinadores, as meninas ficam em hotéis, tem alimentação etc. Ver o trabalho acontecendo. Nós sabemos o quanto é difícil. A ginástica é difícil. Quando você encaixa sua melhor ginasta, que não é qualquer uma, é a melhor do mundo, é muito bom. Não tinha quem batesse. Ela só precisa se preocupar com ela mesma. A medalha olímpica era o sonho, não ter ido por equipes foi uma frustração. Mas agora contávamos com classificar. Quando a Flavia se machucou foi cruel", disse Georgette.
"O Comitê Olímpico do Brasil tem um trabalho diferenciado, está entre os melhores. Um centro de treinamento que não deixa nada a desejar. Nos faz projetar uma continuidade no esporte. Virão mais apoios e mais gente querendo fazer. Não temos nenhuma outra Rebeca. Um Bolt, uma Rebeca nascem em gerações. Ela tem um diferencial no corpo, depois de três lesões, era para ter desistido, mas tem algo diferente. Cabeça de campeã", concluiu.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.