Topo

Servílio de Oliveira revê feito olímpico: 'Seria tão bom quanto Eder Jofre'

Servílio de Oliveira posa com sua medalha olímpica - Arquivo pessoal
Servílio de Oliveira posa com sua medalha olímpica Imagem: Arquivo pessoal

Luis Augusto Símon (Menon)

Colunista do UOL

09/03/2023 04h00

Cinquenta e cinco anos já, Servílio...

"Pois é, 55 anos. Eu era um garoto..."

Um garoto de 20 anos que conquistou a primeira medalha olímpica do boxe brasileiro. Bronze. A segunda viria apenas 44 anos depois, em Londres-2012. Foi a 14ª da história brasileira em Jogos Olímpicos.

Mas a história começa antes. Em 1960, todos os garotos da Vila Simões, no Ipiranga, em São Paulo, queriam ser Eder Jofre, que completava com Pelé, Adhemar Ferreira da Silva e Maria Esther Bueno o quarteto de grandes ídolos do esporte nacional.

Os irmãos mais velhos de Servílio de Oliveira também. Compraram luvas, que deixavam em casa quando saíam. Servílio chamava os amiguinhos e treinava por conta própria.

Dois anos depois, com 14 anos, foi à Academia Caracu Boxe Clube, na rua Aurora. Ele pegava ônibus, ia até a Praça Clóvis e depois caminhava até a academia. E já chegou mostrando mais que os outros. Os treinos em casa faziam a diferença. "Foi nessa época que conheci Cassius Clay. Meu amigo Garnizé trabalhava em uma banca de jornais na Praça da República e me mostrou uma foto dele derrubando o Sonny Liston na disputa do título mundial em 1964", diz Servílio.

Três anos depois, a Caracu fechou as portas e Servílio foi para a Academia Flamingo, na Florêncio de Abreu. "Fui campeão da Forja dos Campeões, torneio de A Gazeta Esportiva, e o treinador Carollo me levou para a Academia da Pirelli."

Um emprego. Um patrocínio. Nada que se compare com hoje, com Bolsa Atleta e Bolsa Pódio. "Eu passei a receber um salário, mas trabalhava como todos os outros empregados. Chegava às 6h da manhã, pulava o muro da empresa, fazia exercícios e depois trabalhava das 8h às 17h. Tinha alimentação e médico. De noite, treinava boxe. Patrocínio naquela época era assim, um emprego", conta.

Em 1967, Servílio disputou o Pan de Winnipeg, no Canadá. Perdeu para Harlan Marplay, dos EUA. No ano seguinte, participou de um torneio latino-americano. ''Fui campeão em cima do venezuelano Francisco 'Morocho' Rodriguez. Em seguida, ele baixou de peso e foi medalha de ouro na Olimpíada do México. Foi a primeira medalha de ouro da história da Venezuela. E a única, por muito tempo".

Aqui, uma digressão. A memória de Servílio, aos 75 anos, é ótima. Lembra de datas e nomes sem pestanejar. Inclusive o 18 de novembro de 1960, quando Eder Jofre conquistou seu primeiro título mundial.

Com a vitória no torneio, Servílio foi designado para disputar as Olimpíadas, na categoria até 51 kg. Expedito Alencar, de 67 kg, também. Luiz Carlos Fabre e Maxiliano Alencar, apesar de campeões, ficaram fora.

"O Fabre tinha ido às Olimpíadas de 64, poderia ter ido novamente, mas decidiram que não".

Servílio tem algumas lembranças da Vila Olímpica. "Era aberta, muita gente podia entrar. Em 72, teve o Massacre de Munique e tudo mudou. Já não havia mais liberdade. Eu me lembro que teve repressão contra estudantes que não queriam as Olimpíadas no México e também do protesto dos norte-americanos que venceram os 100 metros. Levantaram o punho, com luvas negras. Só fui entender o significado daquilo anos depois."

Ele se impressionou bastante com o treinamento dos pugilistas de outros países, principalmente de dois dos EUA. "Tinha um meio-pesado que soltava a mão na cara do peso pesado. Batia forte".

O meio-pesado era Arthur Redden, que perdeu na primeira luta. "O peso pesado era simplesmente George Foreman, que ganhou ouro e depois foi campeão profissional".

Centrado nos treinamentos, Servílio pouco sabia dos resultados. Ficou contente com a prata de Nelson Prudêncio no salto triplo, do bronze na vela (Reinaldo Conrad e Burkhard Cordes) e do quarto lugar do basquete, mas queria mesmo era lutar.

Ficou de bye na primeira rodada. Na segunda, enfrentou o turco Engin Yadigar. "Foi muito duro. Ele era bom, batia forte, mas ganhei por 3 a 2". Em seguida, Joseph Destimo, de Gana. "Bati bastante nele, ganhei de 5 a 0. O juiz parou a luta duas vezes". Na terceira, a derrota, 5 a 0 para o mexicano Ricardo Delgado. "Ele era o lutador da casa, fica difícil vencer. Não perdi por 5 x 0, tenho certeza. O Reynaldo Cabrera, que era câmera da Globo, disse que eu ganhei, o pessoal do basquete também. Então, eu acho que ganhei também".

Medalha de bronze que Servílio de Oliveira conquistou nos Jogos Olímpicos de 1968 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Medalha de bronze que Servílio de Oliveira conquistou nos Jogos Olímpicos de 1968
Imagem: Arquivo pessoal

Servílio abraçou o profissionalismo no ano seguinte. Estreou em julho, contra Jossue Suares, e venceu por pontos. Em fevereiro de 1970, ganhou de Antonio Barbosa e, com cinco lutas, se tornou campeão brasileiro. Na nona luta, nocauteou o equatoriano Angel Sanchez e virou campeão sul-americano. Era dezembro de 1970.

Em 1971, ganhou seis lutas. Nesse período, o repórter Paulo Matiussi, da revista Placar, fez uma matéria dizendo que os brasileiros saudosos de Eder Jofre já tinham um novo ídolo: Servílio de Oliveira, que foi campeão sul-americano com nove lutas, contra 20 de Eder, o Galo de Ouro. Ele poderia ser o novo Eder.

Um pouco de exagero, não é, Servílio?

"De jeito nenhum. Eu seria campeão mundial. Só não fui por causa do descolamento da retina".

Foi em 3 de dezembro, contra Tony Moreno, dos EUA, no Ibirapuera. "Luta duríssima. Foi por pontos. No sétimo assalto, bati muito nele, pode procurar no YouTube pra ver. Bati, mas ele não caiu."

E veio o diagnóstico de descolamento da retina.

"A confederação me avisou que um médico tinha diagnosticado o descolamento da retina. E que eu não poderia lutar mais. Na hora, até senti um alívio. Eu queria ir ao Chile ver minha namorada e pegavam no meu pé. Resolvi aproveitar e parar de vez. Só depois de alguns meses, quando veio o ostracismo, quando ninguém mais falava de mim, é que fui ficando triste, mas tudo estava decidido já", relembra.

Na verdade, a luta contra Tony Moreno foi a gota d'água para o descolamento. "Eu não tinha sparring na minha categoria e treinava com gente mais pesada. O Expedito Alencar, por exemplo, dos 67 kg. E um soco aqui, outro ali, fiquei sem a visão do olho direito".

Casamento e vida fora do país

Sem boxe, Servílio mudou-se para o Chile e se casou com Victoria Rojas. "Era sobrinha de Alfredo Rojas, um pugilista que havia conhecido em 1967. Casei com Victoria em abril de 72".

Ele foi trabalhar como marceneiro. "O avô de Victoria era o responsável para consertar os móveis do Palácio Presidencial. Trabalhava com ele."

"Em setembro de 73, dia 11, estava saindo de casa quando Victoria pediu que não fosse, que alguma coisa estranha estava acontecendo". "Era o golpe de Pinochet contra Allende. Bombardearam La Moneda e Allende se recusou a fugir. Morreu combatendo. Um grande presidente. Foi uma época de terror. Matavam os opositores e jogavam no rio Mapuche. Muita gente era torturada no Estádio Nacional. Eu era um analfabeto político. Se tivesse noção dessas coisas, teria me envolvido e não teria entrevista hoje."

Retorno aos ringues

Servílio voltou ao Brasil e às lutas. Venceu uma em 76 e mais quatro em 1977. E desafiou o chileno Martin Vargas, pelo título sul-americano. "Ele sabia que iria perder e recorreu a uma lei que proíbe quem tem menos de 75% de visão de lutar. Minha vista direita é zero a zero. Não pude lutar. E encerrei a carreira."

E como você analisa sua vida como pugilista?

"Eu fui muito bom. Lutei 20 vezes e ganhei todas, dez por nocaute. Nunca arreguei. Um campeão não desiste, não fica no banquinho. Eu fui sempre até o fim. Um campeão luta até perder a vista, como foi o meu caso. Eu cumpri".

Servílio continuou ligado ao boxe. Seus dois filhos são treinadores, seu neto Luiz Gabriel, o Bolinha, é da equipe olímpica do Brasil. E ele foi campeão mundial, por que não? "Fui sim, como manager do Valdemir Pereira, o Sertão. Tenho orgulho".

E ele se despede, pedindo para fazer uma crítica. "O Brasil é um país espetacular, com mais de 200 milhões de habitantes, com mais de 8 milhões de km² e não pode ter menos medalhas que Cuba. Está na hora de colocar dinheiro na base, na massificação do esporte. Só assim, vai melhorar".

Palavra de campeão.