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Brasileira apanhou de companheiras da seleção da Itália: 'Era um inferno'

Iza Chiappini vivia um sonho. Melhor jogadora e artilheira do campeonato nacional mais forte do mundo, era tratada como o grande reforço da seleção italiana vice-campeã olímpica, candidatíssima a, logo logo, ser eleita a melhor jogadora de polo aquático do planeta. Mas tudo virou um pesadelo. Apanhou das companheiras na água, sofreu com depressão e crises de ansiedade. Agora, quer recomeçar onde se sente em casa e acolhida: a seleção brasileira.

Prestes a reestrear pelo Brasil, que ela não defende desde a Olimpíada do Rio, Iza recebeu o UOL no Esporte Clube Pinheiros e pela primeira vez falou abertamente sobre os motivos que a fizeram interromper uma promissora carreira jogando pela Itália: ataques que resultaram em crises de ansiedade e depressão. "Às vezes sonho que tô saindo na porrada com as meninas da seleção italiana", conta.

Hoje com 27 anos, a atleta viveu episódios traumáticos na Itália, que até hoje influenciam sua relação com a piscina e o esporte. Mesmo já de volta ao Brasil, chegar perto de uma piscina fazia com que as crises de ansiedade começassem. Os sintomas são clássicos: tremedeira, falta de ar e choro. As crises mais intensas acabavam em mutilação. Muita terapia e um tratamento com antidepressivos foram mudando aos poucos a relação. O pesadelo, ela conta, foi ficando no passado — mas constantemente vêm à tona.

A recuperação vai de vento em popa. Mas, antes candidata a melhor do mundo e a obter um ouro olímpico, Iza agora se contenta com a ideia de brilhar em um país onde sua modalidade tem poucas perspectivas. Hoje (23), depois de três anos, ela enfim foi liberada para voltar a jogar pela seleção brasileira.

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Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Caminho para brilhar

Filha de Raquel Maizza Chiappini e do principal treinador de polo aquático do país, Roberto Chiappini, Iza foi criada nas piscinas do Pinheiros, onde foi forjada para ser fora de série. Chegou com 15 anos à seleção adulta e, aos 20, foi eleita a segunda melhor jogadora do mundo por uma revista especializada. Mesmo jogando por uma seleção que nunca se classificou para as Olimpíadas, que tinha fama de saco de pancada e só jogaria a Rio-2016 por ser dona da casa.

Sabendo que seria uma oportunidade única, a comunidade do polo se uniu: quem estava aposentada voltou à piscina, quem estava perto de parar deu uma prolongada na carreira, e Iza, a craque do time, fez sua despedida. Com dupla cidadania, tinha convite para defender a seleção italiana.

Iza só pensou duas vezes porque estava jogando na forte liga universitária dos Estados Unidos e desejava um diploma norte-americano. Falou mais alto, porém, o sonho de fazer algo grande no esporte — e a Itália, à época, era uma seleção forte e com bastante potencial no polo.

"Eu sonhava em conseguir uma medalha olímpica ou medalha de Mundial. Antes de fazer essa naturalização, a Itália estava sempre nos pódios das grandes competições, como Mundial, como Europeu. Eu falava: 'Se eu for para lá vai ser grande a chance'."

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Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Mil maravilhas

O início na Itália não poderia ter sido melhor. Autora de 12 dos 25 gols do Brasil nas Olimpíadas, Iza chegou com moral à liga italiana, defendendo o Messina. Foi artilheira e MVP da temporada 2016/2017 e convidada a fazer parte da seleção. Foi, com o elenco, ao Mundial de Budapeste mesmo sem poder jogar, já que estava no período de "quarentena" pela mudança de nacionalidade.

Enquanto 'café com leite', tudo seguia bem. As coisas começaram a mudar, conta, quando ela passou a disputar espaço na seleção. "No momento que eu comecei a disputar vaga, as pessoas mudaram. Começou uma rivalidade por parte das jogadoras mais velhas em relação às mais novas. Tudo era culpa das novatas. Se uma veterana errasse o chute, ela culpava o passe da caloura".

"No Mundial da Coreia, em 2019, a gente perdeu as quartas de final. Foi um jogo em que as veteranas não renderam o que tinham que render e depois queriam que a gente resolvesse. Depois do jogo, teve uma reunião, e uma menina questionou meu jogo. Disse que, no Brasil, eu não jogava da forma como eu estava jogando na Itália. E que, se fosse para jogar daquele jeito, eu nem deveria ter me mudado".

Iza relata que a troca de técnico na seleção deixou a situação ainda pior. "Quem assumiu era o assistente técnico, que não tinha pulso nenhum. As meninas mais velhas cresceram para cima dele, para cima da gente, e foi um inferno. Tinha um complô para me tirar do time."

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Imagem: Simon Plestenjak/Folhapress

Saúde mental

Mais de três anos após chegar à Itália, Iza continuava tendo a Olimpíada de Tóquio como objetivo, mas sabia que terminaria no Pré-Olímpico. As eliminações precoces no Europeu de 2018 e no Mundial de 2019 mostravam que a equipe não funcionava e era questão de tempo para o ciclo olímpico começar com a Itália fora dos Jogos.

Na véspera da competição, porém, começou a pandemia e ela voltou ao Brasil. Mas o tempo em casa não duraria para sempre, e foi aí que as crises de ansiedade começaram. "Só de cogitar voltar para a Itália, me dava um pavor. Eu falava: 'Ai meu Deus, espero que não abram as fronteiras, que eu não possa voltar'. Conforme o tempo ia passando, a angústia ia crescendo. Surgiram as crises de ansiedade, que eu nem sabia o que era até então."

Quando voltou à Itália, as crises pioraram. Iza passou os 15 dias de quarentena sozinha, trancada no quarto. Ela só deixava o espaço às 4h da manhã para treinar, sozinha, na piscina. A reclusão estimulou um processo depressivo que já tinha começado. "Comecei a ter crise no meio dos treinos. Não conseguia treinar". Ela detalha:

Eu começava a sentir falta de ar. Então, vinha o choro. Eu pensava: 'O que eu tô fazendo aqui, pelo amor de Deus? Tá todo mundo contra mim'. Eu não conseguia treinar. Eu travava, e era difícil passar por aquilo sozinha. É difícil ter uma crise e não ter ninguém para te apoiar, te dar um abraço. Eu ficava também com medo de que elas apontassem o dedo e dissessem que minhas crises eram uma frescura. Teve épocas em que eu me machucava. Não chegava a me cortar, mas eu me arranhava. Ficaram algumas cicatrizes. Quando vinha o sentimento de dor, eu me machucava ostensivamente. Era meu jeito de me punir, de me torturar."

Vontade de desistir

Iza pensava, o tempo todo, em desistir. Em frangalhos, a equipe não se classificaria para as Olimpíadas naquela situação. Mas ela decidiu tentar. "Tinha muita gente com a expectativa de que eu não desistisse no meio. Seria uma derrota. Então, pensava 'pelo menos eu tenho que ir lá. A gente não vai classificar, mas eu vou até o fim'."

Como previsto, não adiantou. Então vice-campeã olímpica, a Itália não passou nem das quartas de final do Pré-Olímpico e não conseguiu vaga em Tóquio. Morreu no caminho tanto quanto a seleção brasileira, que sequer disputou o Pré-Olímpico, por contenção de despesas — a CBDA entendia que a equipe não tinha chances.

Antes de voltar para casa, em São Paulo, Iza ainda retornou ao clube, o Roma, para disputar três partidas da fase de classificação da LEN Euro League, que é o equivalente à Champions League no polo aquático. Mais uma experiência horrível:

"No primeiro jogo eu briguei com uma jogadora. Ela era daquele grupo da seleção e estava no time adversário. Durante a partida, ela começou a puxar minha touca e a me enforcar. Fui para cima dela. Não consegui jogar o segundo jogo porque tive crise de ansiedade. Meu técnico me encontrou no banheiro, sentada no chão, chorando. Ele tentou me acalmar, conversou um monte comigo. Eu entrei, estava em um buraco mental que qualquer erro no jogo parecia o fim do mundo. Eu fui errando e indo para o buraco, para o buraco. A crise voltou e pedi para sair do jogo."

Mas o terceiro e último jogo foi o mais traumático. "Duas jogadoras fecharam em mim, me afundaram e me deram porrada. E o juiz ainda determinou que fui eu quem tive jogo violento e me tirou do jogo". A brasileira não ficou nem para jogar as quartas de final do torneio.

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Imagem: Simon Plestenjak/Folhapress

Recomeço

De volta ao Brasil, Iza foi diagnosticada com depressão e medicada. "Eu não estava feliz, estava apática. Não queria contato com meu namorado da época nem com ninguém. Chegava na piscina e tinha vontade de chorar", conta.

Ela retornou à Itália para jogar a fase final do Campeonato Italiano da temporada 2021/2022, mas novamente sofreu com a violência. Levou uma cotovelada de uma ex-colega da seleção italiana no primeiro jogo do playoff semifinal, sofreu um corte, e teve que atuar o resto do torneio com uma máscara. "Até hoje eu tenho um sonho recorrente, de que estou brigando com as meninas da seleção. Já sonhei até que estava tacando cadeira".

Foi só em 2023 que o prazer de jogar voltou. Poderia ter ido ao Mundial do ano passado com a seleção, em Budapeste, mas não estava bem. Agora é diferente, diz. "Estou me sentindo muito melhor em questão de treinar e jogar. Às vezes tem umas fases ruins, mas estou com esse objetivo de voltar para a seleção e ser protagonista, jogar bem o Pan e falar: essa é a Izabella Chiappini de antes."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi informado no texto, Iza Chiappini é filha de Raquel Maizza Chiappini, e não de Camila Pedrosa. O erro foi corrigido.