Mico francês: o que aconteceu quando tentei correr 5 km pelas ruas de Paris
Correr em Paris, ah, que maravilha! Calçar um par de tênis, passar um desodorante porque o frio não é suficiente para segurar o suadouro; sair perambolante pelas margens do Rio Sena, com pernas afoitas, sentindo na pele os efeitos da endorfina: um combo perfeito.
A ideia parecia praticável até para mim, que não corro mais que dois minutos consecutivos e que só pratico quando dou de cara com uma barata. Mas, em meio a dezenas de corredores — todos convidados pela Adidas para um evento de divulgação dos novos lançamentos da marca — pensei que seria patético recusar a corrida.
Até tentei. Sugeri acompanhar o percurso e os colegas corredores de bike — não que também seja uma esmera ciclista, mas me garanto um pouco mais do que nas pernas. "Ah, mas tenta correr, você vai gostar", insistiu a assessora. Me senti desafiada e contemplada. O coração sussurrou "por que não?" enquanto a cabeça respondia: "porque não!!!!!!!!!".
Estávamos a poucos dias da Meia Maratona de Paris. Os termômetros oscilavam entre 1°C e 2°C, um solzinho tímido compunha o cenário. Pelo menos ficar esbaforida com fumacinha saindo da boca é chique. Os corredores, todos animados, aqueciam (eu imitava), se alongavam (eu também), davam uns pulinhos (eu pulava junto).
Os instrutores de corrida Ayo e Emma, animadíssimos (nunca vi tanta animação pra correr naquele frio), deram o grito de largada e lá se foram os corredores. Eu atrás. Trotando e fingindo costume. É claro que não demorou muito para que eu ficasse beeeeeem para trás. A sorte é que Eduardo, um jornalista do Chile com cinco filhas e algumas décadas de idade, também ficou. "Eu adoro correr, mas não posso. Preciso fazer uma cirurgia nos joelhos", disse ele a mim. Foi tudo o que eu precisava.
"Pois então não vou te deixar para trás, Eduardo. Vou caminhar com você para que não fique sozinho". Empatia, a desculpa perfeita para justificar minha incompetência atlética. Eduardo tem o dobro da minha idade. E só não pôde correr porque estava prestes a ser operado nos joelhos. Então, caminhemos juntos.
Eu trotava para fingir que a ausência de velocidade era intencional para ser a companhia de Eduardo. Trotava tão devagar que até os passos de caminhada dele eram mais rápidos que os meus. O cenário era realmente espetacular: cinco quilômetros pelo centro de Paris, com o Sena à margem e vários pontos turísticos pelo percurso. Eduardo me contava, então, sobre suas cinco filhas, sobre seu ateísmo e sua tendência política à esquerda. Eu só concordava com a cabeça porque a voz já não saía, tamanho cansaço e despreparo. Um trotezinho já acabou comigo.
Um quilômetro e meio depois do início do trajeto, um carro aguardava quem já tinha ido de arrasta pra cima, como dizem os jovens (morrido, como dizem os não-jovens). Eduardo se sentiu aliviado. "Vamos, Talyta?". Mas Talyta estava deslumbrada e achou que (por que não?) poderia continuar o percurso sozinha. Os corredores de verdade já estavam tão longe que meus olhos míopes sequer alcançavam o vulto desse povo.
"Eduardo, vou continuar, me animei". Nos despedimos e lá fui eu, agora sozinha, sem Eduardo para corroborar minha versão lenta e empática. Pensei 'o povo todo já tá lá na frente, ninguém vai ver o tamanho do meu despreparo'. Ledo engano. Do nada, absolutamente do nada, surge de algum lugar Emma — a super instrutora do começo deste texto. "Vou correr com você". Era tudo que eu não queria. E explico por quê.
Quem corre de verdade não gosta de perder a frequência. Eu, que nem deveria estar ali, precisava parar para me recompor a cada cinco metros. "Emma, querida, não precisa. Eu tenho intercalado com a caminhada, não quero atrapalhar sua corrida. Vai nessa". Precisei insistir um pouco porque ela, imagino, não queria deixar uma retardatária para trás, podendo se perder do povo e dar ruim. Mas ela foi.
Achei que estava livre para praticar a minha incapacidade. Trotava, bufava, parava, andava, tirava fotos do rio Sena (já mencionei que é lindo?). Até que, pá. Outra instrutora. "Vou correr com você!". Adoraria poder mencionar neste texto o palavrão que minha cabeça soltou nesse momento. O mico quando pago sem público dói menos. Joguei o papinho para a outra moça. Expliquei que estava sem pressa, que ela precisava manter sua frequência e que, por mim, estava excelente continuar o percurso sozinha. Ela se convenceu e apressou o passo.
Olhei para trás e não vinha mais ninguém — ufa! Arrisquei um trotezinho mais rápido, ah que cenário lindo. 'Paris, Je t'aime', pensava. Até que enxergo, no único trajeto possível, um túnel comprido. Ele era a continuação da rua que margeava o Sena, e eu não tinha para onde correr (literalmente, nesse caso). Minha cabeça pensou em outro palavrão não-reproduzível.
Fiz um cálculo — prática em que, como na corrida, também sou péssima — e decidi aumentar a velocidade para cruzá-lo o mais rápido possível. Meu respiro foi perceber um corredor avulso pronto para percorrer o mesmo trajeto que eu. "Se eu correr na mesma velocidade e minimamente próximo dele, vai parecer que estamos juntos", calculei.
Agora uma breve nota da edição para quem não é mulher: é completamente desesperador entrar em um túnel sozinha, ainda mais quando, nesse túnel, há diversos homens morando.
Adentrei o túnel enquanto o corredor ainda estava atrás. Ficamos lado a lado por um segundo. O homem despontou que nem um foguete na minha frente. Esbaforida, meti bala nas minhas pernas curtas. A respiração ofegante fazia eco dentro do túnel e, quanto mais eu corria, mais longe o homem ficava de mim. O desespero tomou conta de um jeito tão ostensivo, imagino eu, que o francês corredor percebeu minha estratégia e, sem que trocássemos uma palavra sequer, começou a correr em círculos até que eu o alcançasse. Gentilíssimo. Ao fim do túnel, ele seguiu seu caminho. Não sei seu nome, nem lembro da sua cara, mas fica aqui meu merci beaucoup ao moço.
Dois quilômetros e meio depois da largada — e faltando outros dois e meio para o fim do percurso —, decidi jogar a toalha como os boxeadores cansados de tomar porrada. Pedi um carro de aplicativo rumo ao hotel — o ponto final da corrida. Rezei para todos os santos de todos os credos para que os amigos corredores ainda não tivessem chegado e não presenciassem o fim do meu W.O. Mas como Murphy não é meu amigo, é óbvio que quando o carro estacionou na porta do hotel, todos os colegas estavam do lado de fora batendo papo.
Estavam do lado de fora num frio impossível de aguentar. Vê se não é a cereja do bolo da vergonha? Desci do carro tentando me esconder. Não adiantou. O povo gritou e riu. A assessora disse que estava preocupada. Até pensei em inventar um sequestro ou uma lesão, como a dos joelhos de Eduardo, mas achei menos arriscado assumir o fracasso e levar a história pra casa.
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