Topo

UOL Esporte Histórias

Podcast de investigação sobre histórias marcantes do esporte


Áudios de Robinho Ep. 6: 'Já falei tudo que tinha para falar', diz jogador

Adriano Wilkson e Janaina Cesar

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Milão (Itália)

04/07/2023 04h00

Esta reportagem é imprópria para pessoas com menos de 18 anos, reproduz termos chulos e depreciativos usados em um contexto de violência sexual contra a mulher e pode servir como gatilho.

Eu já falei aquilo que eu tinha que falar, né?"

Alguns dias antes da publicação do primeiro episódio de "Os grampos de Robinho", a reportagem do UOL ligou para o ex-jogador e foi isso que ele disso para a repórter Janaina Cesar. Ela tentava falar com ele sobre os áudios que seriam publicados e queria saber se ele gostaria de falar sobre o que se lembrava.

Ele não aceitou, mas fez um pedido: "Espero que vocês divulguem tudo o que é verdade, divulguem também as questões. Enfim. Acho que é melhor você falar com o meu advogado, com a minha assessoria. É melhor."

Com isso, o único registro de Robinho falando sobre a noite de 22 de janeiro de 2013 é uma entrevista que o jogador deu para o UOL em 2020, logo depois que partes do processo foram divulgados.

Os pontos principais do episódio

Em contato com o UOL, Robinho diz que já falou tudo o que tinha para falar e não aceitou ser entrevistado: "Não sei como é o jornalismo de vocês. Não sei se vocês divulgam aquilo que é verdade. Hoje em dia não dá para confiar mais em ninguém."

Na entrevista de 2020, o jogador admitiu uma "relação entre homem e mulher", mas não sexo. "Não, não tive relação sexual com ela, não. A gente, né, teve relação entre homem e mulher, relações que o homem é tem com a mulher, mas não chegou a ter nenhuma relação sexual, nenhuma penetração, nada disso."

Durante todo o tempo, ele queria mandar a mensagem que o que aconteceu foi com consentimento da mulher. "Uma garota se aproximou de mim, a gente começou a ter contato, com o consentimento dela e meu também. E ficamos ali poucos minutos e depois eu fui embora pra casa. Isso que aconteceu", disse.

Robinho também insistiu que os áudios, captados com autorização da Justiça da Itália, foram usados no processo fora de contexto. "Sinceramente, faz muito tempo isso, entendeu? Eu sei que saiu muita frase fora de contexto. Eu não sei se essa tá fora de contexto, entendeu? Eu sei que saíram muitas coisas, vazaram áudio, né?", responde, especificamente sobre Robinho afirmar que um de seus amigos ejaculou dentro da vítima.

No final, ele também ataca "as feministas": "Infelizmente, existe esse movimento feminista, que não sei o quê. Muitas mulheres não são nem mulheres, pra falar português claro."

Olha, eu me arrependo de ter traído a minha esposa. Esse é o meu arrependimento. Com relação a frases que saíram fora de contexto, pra vender jornal, pra vender revista, obviamente que eu mudei muito de sete anos pra cá. Isso aí aconteceu em 2013 e o ser humano muda. Então, eu mudei pra melhor. A questão é: qual foi o erro que eu cometi? Qual foi o crime que eu cometi? O erro que eu cometi foi não ter sido fiel à minha esposa."
Robinho, em 2020, em entrevista ao UOL.

Em contato com a reportagem, o assessor Fernando Mello enviou uma nota em que afirma:

  • Foi contratado pelo Santos para fazer a gestão de crise do caso. Indicou a interrupção do contrato do jogador e fez um intenso media training com ele. O jogador, porém, mudou de postura durante a entrevista.
  • A única condição apresentada ao UOL para a realização da entrevista foi a duração: 20 minutos.
  • Os repórteres chegaram à entrevista pré-determinados a atacar Robinho, que naquele momento ainda não havia sido condenado em última instância.
  • Causa surpresa que o UOL desrespeite uma regra sagrada do jornalismo, o OFF.
  • Como assessor, ele não fez parte da entrevista e não autorizou o uso de suas falas.
  • A íntegra da nota pode ser lida abaixo do roteiro.

UOL Esporte Histórias - Os grampos de Robinho

Você pode ouvir o episódio completo no arquivo acima e ler a transcrição dele abaixo. UOL Esporte Histórias também está disponível no Youtube de UOL Esportes, no Spotify, na Apple Podcasts e em todas as plataformas de podcast.

Episódio 6: Uma entrevista com Robinho. Ou quase isso

Os grampos de Robinho - Episódio 6 - UOL - UOL
Imagem: UOL

Janaina Cesar
Alô?

Robinho
Alô?

Janaina Cesar
Alô, é Robinho?

Robinho
Quem é?

Janaina Cesar
Oi, Robinho. Quem tá falando aqui é Janaína. Eu sou uma jornalista, trabalho pro UOL.

Robinho
Pois não.

Janaina Cesar
Oi. É o Robinho que tá falando?

Robinho
Sim.

Narrador
Uma semana antes da gente lançar esse podcast, eu liguei pro celular do Robinho. A gente queria avisar ele sobre os áudios que a gente tinha conseguido no tribunal de Milão.

Janaina Cesar
A gente tá fazendo uma reportagem sobre o que aconteceu aqui na Itália, sobre o processo que condenou você. A gente vai estar divulgando alguns áudios que fizeram parte do contexto das investigações. Eu queria saber se você quer falar com a gente, quer dar uma entrevista...

Narrador
No jornalismo, quando você publica uma reportagem que traz uma denúncia contra uma pessoa, uma das regras básicas é que você deve procurar essa pessoa e oferecer a ela a oportunidade de se explicar, de se defender.

Narrador
Mas nem sempre as pessoas aceitam.

Robinho
Você pode falar com a minha assessoria, com todos aqueles que me defendem, com meus advogados, você pode falar com todos eles, não tem problema nenhum.

Janaina Cesar
É.. mas seria interessante falar com você, né?

Robinho
Não, mas não conheço você, não sei como é o jornalismo de vocês. Não sei se vocês divulgam aquilo que é verdade. Hoje em dia não dá para confiar mais em ninguém.

Narrador
Mesmo com a negativa, eu insisti porque a gente considera importante saber o que ele tem a dizer dos áudios que a gente publicou.

Janaina Cesar
Você não quer mesmo falar, Robinho?

Robinho
Não, não.

Janaina Cesar
A gente vai estar divulgando alguns áudios das conversas de vocês.

Robinho
Olha, sem problema, sem problema nenhum. Espero que vocês divulguem tudo o que é verdade, divulguem também as questões, enfim. Acho que é melhor você falar com o meu advogado, com a minha assessoria, que é melhor.

Narrador
Foi uma conversa rápida. De maneira educada, o Robinho recusou o pedido de entrevista e disse que mandaria o contato da assessoria de imprensa dele. Naquele mesmo dia, eu falei com a assessoria, expliquei sobre o nosso podcast e eles disseram que iam conversar com o Robinho sobre o assunto.

Janaina Cesar
Tá bom. É que seria interessante a gente escutar você, né Robinho, sabe?

Robinho
Eu já falei aquilo que eu tinha que falar, porque vocês também, eu já falei aquilo que eu tinha que falar, né?

Narrador
A assessoria do Robinho acabou não retornando sobre o pedido de entrevista. A gente também falou com os amigos dele, que foram acusados de estuprar uma mulher albanesa em 2013 ou com representantes deles.

Narrador
Mas até agora, no começo de julho, no último episódio deste podcast, nenhum deles topou gravar uma entrevista com a gente.

Robinho
Não sei como é o jornalismo de vocês. Não sei se vocês divulgam aquilo que é verdade. Hoje em dia não dá para confiar mais em ninguém.

Narrador
A gente quis falar com o Robinho e com os amigos para saber se as lembranças deles sobre aquela noite em Milão mudaram depois da revelação dos áudios.

Narrador
E pra saber se toda a repercussão levou eles a refletir sobre o que viram e o que fizeram dez anos atrás.

Robinho
Tá bom.

Janaina Cesar
Obrigada, tá?

Robinho
Nada, um beijo.

Narrador
Eles não aceitaram falar. Mas a gente vai poder mostrar um pouco do que o Robinho pensa sobre o processo e sobre a condenação porque ele já deu uma entrevista pra gente. Em 2020, depois que ele foi condenado em primeira instância, o site "Globoesporte" publicou trechos da sentença e a transcrição de alguns grampos, que foram a base dela.

Narrador
Talvez você lembre. Isso gerou uma grande crise de imagem e levou o Santos a romper um contrato recém-assinado com o Robinho. Naquele mesmo dia a assessoria de imprensa do Santos procurou o UOL e ofereceu uma entrevista com ele.

Cinegrafista
Áudio gravando.

Eder Traskini
Podemos começar então?

Cinegrafista
Vou gravar essa câmera aqui e a gente já inicia.

Narrador
Foi uma entrevista incomum, confusa. Os jornalistas Eder Traskini e Talyta Vespa falaram com o Robinho por mais de 40 minutos sobre a acusação e sobre a condenação em primeira instância. Como o Robinho tava recorrendo, ele disse que não podia entrar em muitos detalhes pra não prejudicar a defesa dele na Itália.

O Robinho apareceu cercado de assessores e advogados, que interromperam a entrevista pra dizer o que ele podia ou não podia falar.

Narrador
E dizer o que os jornalistas podiam ou não podiam perguntar.

Cinegrafista
Quando quiser.

Marisa Alija
Eder, não abusa, Eder. Você tá com moral, mas nem tanto. Não abusa.

Eder Traskini
Vamos lá então. 3, 2, 1... Robinho, eu queria te perguntar, pra você responder pra mim, mas não só pra mim, porque é o que todo mundo quer saber nesse momento. Se você, nesse processo, é inocente ou se você é culpado.

Robinho
Inocente.

Narrador
Nos grampos que a gente ouviu nos cinco primeiros episódios, o Robinho sempre se mostrou muito preocupado com a sua imagem pública. Essa entrevista que ele deu em 2020 foi uma tentativa de minimizar o estrago que a condenação tinha feito na carreira dele. É sobre essa entrevista e sobre o que Robinho pensa do processo que a gente vai falar agora.

Eder
Mas a gente tem que perguntar, Marisa.

Talyta Vespa
Essas são as frases que a gente comentou, que vazaram hoje...

Marisa Alija
Sim, vazaram. Mas o que ele pode falar...

Fernando Mello
Mas se perguntar frase por frase, não tem condição...

[confusão, várias vozes ao mesmo tempo]

Abertura

Episódio 6: Uma entrevista com Robinho. Ou quase isso

Narrador
Antes de mostrar a entrevista, a gente vai fazer um resumo de tudo que já ouvimos até aqui. E também do que aconteceu na carreira do Robinho até essa entrevista de 2020.

Narrador
Em janeiro de 2013, Robinho e os amigos cometeram o que a Justiça considerou um estupro coletivo contra uma mulher de 23 anos em Milão. Em maio, o advogado dela fez a denúncia no Ministério Público.

Narrador
Entre janeiro e abril de 2014, os brasileiros foram grampeados pela polícia. E nessas gravações eles comentaram sobre o crime, admitiram o que viram e o que fizeram.

Narrador
Em agosto, enquanto policiais e procuradores investigavam os fatos, Robinho assinou um contrato de empréstimo com o Santos e foi jogar na Vila Belmiro. Em 2015, ele se transferiu pra China. Em 2016, aos 32 anos, Robinho voltou pro Brasil e assinou com o Atlético-MG.

Narrador
No final de 2017, quando o Robinho tava no Galo, ele foi condenado em primeira instância por violência sexual de grupo. Os torcedores, e principalmente as torcedoras atleticanas, fizeram pressão contra ele. Mas a diretoria manteve o contrato, sob o argumento de que Robinho ainda estava recorrendo da condenação. E que esse era um assunto pessoal.

Narrador
Depois que saiu do Atlético, quando o contrato dele acabou no fim de 2017, o Robinho foi jogar na Turquia e defendeu dois times de lá. Em outubro de 2020, enquanto a segunda instância analisava um recurso da defesa dele, o Santos resolveu recontratar o antigo ídolo da torcida.

Narrador
Eles acertaram o salário, fecharam o acordo e o Robinho chegou a treinar com o time. Mas aí a Globo conseguiu as primeiras transcrições dos grampos feitos pela Justiça em 2014. A torcida santista intensificou os protestos contra a contratação, e os patrocinadores ameaçaram abandonar o clube caso o vínculo não fosse desfeito.

Narrador
No dia 16 de outubro de 2020, o Santos divulgou que estava suspendendo o contrato assinado. Uma decisão tomada, segundo o clube, em "comum acordo", pra que ele pudesse se dedicar à sua defesa.

Narrador
Foi nesse contexto que o Robinho e o Santos procuraram o UOL. Eles queriam que a gente mostrasse o outro lado daquela acusação. Os jornalistas foram a um escritório na região da Avenida Paulista, em São Paulo, para ouvir o que ele tinha a dizer.

Eder Traskini
Eu queria que você falasse pra gente?

Narrador
Esse é o repórter Eder Traskini.

Eder Traskini
Sobre aquela noite e explicasse o que de fato ocorreu na sua visão dos fatos.

Robinho
Naquela noite eu tava na discoteca, né, com amigos e a minha esposa. A minha esposa acabou indo pra casa antes, né, e eu fiquei com os meus amigos pouco tempo depois. E aí uma garota se aproximou de mim, a gente começou a ter contato, né, com o consentimento dela e meu também. E ficamos ali poucos minutos e depois eu fui embora pra casa. Isso que aconteceu.

Quando eu fui embora pra casa, no outro dia, eles me falaram que tiveram contato com a garota, que a garota era super animada, que tiveram relação com a garota, com o consentimento dela também, que saíram daquela discoteca, foram pra outra discoteca, junto com essa mesma garota e só isso.

Narrador
Como a gente já contou, o Robinho apareceu nessa entrevista cercado de assessores e advogados. Também estavam ali o então presidente do Santos, o policial civil Orlando Rollo, e Mario Badures, membro do comitê gestor do clube na época. Dava pra perceber nas respostas que o Robinho foi muito preparado por essa equipe. Ele passou pelo que a gente chama de media training, um treinamento pra falar com a imprensa.

Narrador
Os jornalistas escreveram depois uma reportagem contando como foram os bastidores dessa entrevista. A gente vai deixar o link pra ela na descrição desse episódio, vale a pena conferir. Essa matéria, assinada pela Talyta e pelo Eder, conta que o Robinho tinha uma visão ampla dos assessores e dirigentes do Santos durante toda a entrevista.

Narrador
Eles guiavam o jogador durante as perguntas dos jornalistas.

Narrador
Uma palavra que o Robinho repete bastante na entrevista é "consentimento". Nas respostas, ele tenta deixar claro que tudo o que fez com a mulher que acusava ele foi feito com o consentimento dela.

Eder Traskini
Você teve relação sexual com essa mulher ou não teve?

Robinho
Não, não tive relação sexual com ela, não. A gente, né, teve relação entre homem e mulher, relações que o homem é tem com a mulher, mas não chegou a ter nenhuma relação sexual, nenhuma penetração, nada disso.

Robinho
Na verdade eu saí, né, eu fui antes pra casa e eles me contaram depois o que eles fizeram, com o consentimento da garota, a gente fez isso, isso, isso, isso, isso, e realmente eles me contaram depois.

Eder Traskini
Você não tava presente.

Robinho
Não, não, não.

Narrador
Naquela época, Robinho admitia que tinha tido uma relação "homem e mulher" com a vítima, mas não uma relação sexual --o que deixa tudo muito confuso. Ele também negava qualquer ato criminoso. Nessa hora, ele foi questionado sobre as frases que tinham vindo a público naquele mesmo dia, de manhã

Narrador
O que foi publicado naquele dia foi a transcrição em texto dos grampos e não os áudios em si. Foi uma reportagem muito relevante, um furo, como a gente diz, assinado pelo colega Lucas Ferraz, do Globoesporte. Ele revelou o conteúdo das escutas, conforme as falas dos acusados apareceram na sentença condenatória.

Quando as falas vieram a público em texto, o Robinho dizia que elas tinham sido mal traduzidas ou tiradas de contexto.

Eder Traskini
Eu queria passar algumas frases, que você me explicasse pra gente poder esclarecer o que tá fora de contexto e o que foi traduzido errado. Então eu vou ler alguma frase aqui. Uma frase que você fala que: O "nome do amigo 1" tenho certeza que gozou dentro dela. Essa frase está correta ou foi traduzida errada?

Narrador
Aqui está o áudio que deu origem a essa transcrição. O "amigo 1" que o Eder menciona é o Clayton Santos, o Claytinho. Esse áudio foi mostrado no episódio 4:

Robinho
O Claytinho, com certeza ele gozou dentro da menina. Claytinho e Rudney gozaram dentro da menina, certeza.

Narrador
Só pra esclarecer. As conversas grampeadas eram em português. Os investigadores traduziram tudo pro italiano. E foi em italiano que elas entraram na sentença. Quando a imprensa brasileira teve acesso a esse material, a gente retraduziu pro português nas reportagens de 2020. Nessas idas e vindas linguísticas, a forma do que foi dito mudou um pouco, mas não o conteúdo.

Narrador
De volta à entrevista:

Robinho
É, eles traduziram muita coisa fora de contexto. Na verdade, isso faz muito tempo. E em conversas de WhatsApp a gente fala, a gente... mas nunca com falta de respeito, nunca por desrespeitar as mulheres. Eles falaram o que homens conversam entre si, né? Que teve relação sexual com a mulher, com o consentimento dela, porque ela quis, e exatamente isso.

Eder Traskini
Tá, então essa frase tá correta.

Robinho
Qual é a frase, desculpa?

Eder Traskini
O "nome do amigo 1" tenho certeza que gozou dentro dela.

Robinho
Olha, irmão, sinceramente faz muito tempo isso, entendeu? Eu sei que saiu muitas frases fora de contexto. Eu não sei se essa tá fora de contexto, entendeu? Eu sei que saíram muitas coisas, vazaram áudio, né?

Narrador
O Robinho continua alegando falta de contexto, até que o Eder repete outra frase dele, hoje já muito conhecida.

Eder
Uma conversa sua com o Jairo, que você fala: "Estou rindo porque não estou nem aí."

Narrador
Esse é o áudio original, que a gente mostrou no episódio 1:

Robinho
Por isso que eu estou rindo, eu não estou nem aí. A mina, a mina estava extremamente embriagada, não sabe nem quem que eu sou.

Adriano
De volta à entrevista, a advogada Marisa Alija, que já trabalhava pro Robinho em Milão na época das investigações, interrompeu a pergunta do jornalista do UOL.

Eder Traskini
"Estou rindo porque não estou nem aí."

Marisa Alija
Eder, na boa, você já começou a entrar no mérito do processo logo no primeiro. Isso é tudo mérito do processo.

Narrador
Essa foi a primeira interrupção, mas não a última. A defesa do Robinho não queria que ele comentasse a fundo as declarações atribuídas a ele. Eles alegavam que o caso estava em segredo de Justiça e por isso o Robinho não podia comentar em público o mérito do processo. O Eder insistiu e argumentou que ele não podia fazer uma entrevista sem abordar o conteúdo dos grampos.

Fernando Mello
Vocês podem perguntar.

Marisa Alija
Pode perguntar...

Fernando Mello
Agora, se você perguntar "e isso? E isso? E isso?" A gente vai ficar 20 minutos respondendo coisas sobre o processo.

Narrador
Essa voz é do Fernando Mello, o assessor de imprensa contratado pelo Santos para intermediar o contato do Robinho com os jornalistas.

Marisa Alija
Eu queria que você entendesse que isso é mérito do processo.

Eder Traskini
Não, eu entendo. É que assim, se a gente vier aqui e eu não perguntar pra ele sobre essa frase, depois vão falar: "O jornalista foi lá, entrevistou e não perguntou sobre..."

Fernando Mello
Você pode perguntar, mas de uma maneira genérica. Você lembra do que você conversou há uma semana? Com a sua namorada, com a sua esposa?

Narrador
Esse foi o começo de um longo debate sobre o tipo e a forma das perguntas, sobre o que Robinho podia ou não podia responder. Ele passou a maior parte do tempo calado. De acordo com o que os jornalistas escreveram depois, nessas horas, enquanto os assessores interrompiam a entrevista, na tentativa de proteger o cliente, o Robinho parecia perdido, olhando pro teto.

Narrador
Quando todos chegaram a um consenso, ficou decidido que a entrevista deveria ser refeita do começo e as câmeras foram reiniciadas.

Cinegrafista
Eu tô zerando, tá gente? Vamos lá? Gravando. A gente vai recomeçar?

Eder Traskini
Então, três, dois, um? Robinho, te agradecer o seu tempo de atender a reportagem, e falar primeiro sobre a questão que todo mundo quer saber e aí eu quero que você responda pra todo mundo e não só pra mim que tô aqui, que é se você é inocente ou se você é culpado nesse processo.

Robinho
Inocente. Totalmente inocente.

Narrador
O jornalista repete as primeiras perguntas sobre as frases, e Robinho repete as primeiras respostas sobre a falta de contexto. Até que surge um assunto novo.

Eder Traskini
Muitas das coisas que saíram, tem alguma delas que você leu e você se arrepende de ter dito?

Robinho
Olha, eu me arrependo de ter traído a minha esposa. Esse é o meu arrependimento. Com relação a frases que saíram fora de contexto, pra vender jornal, pra vender revista, obviamente que eu mudei muito de 7 anos pra cá, isso aí aconteceu em 2013, e o ser humano muda, então eu mudei pra melhor. Então, a questão é, qual foi o erro que eu cometi? Qual foi o crime que eu cometi? O erro que eu cometi foi não ter sido fiel à minha esposa.

Narrador
No final do terceiro episódio aqui do podcast, ele também disse algo parecido, quando rezou e pediu perdão a Deus por ter traído a mulher.

Narrador
O Eder questionou então sobre um dos principais pontos da acusação: o estado de embriaguez da vítima, o que tornou ela uma pessoa vulnerável, incapaz de consentir ou resistir ao ataque.

Eder Traskini
Quando aconteceu essa abordagem dela, na sua mesa, com os seus amigos, foi oferecida bebida alcoólica a ela com o intuito de deixá-la sem consciência?

Robinho
Jamais. Primeiro, eu sou jogador de futebol. E quando a gente tá em discoteca, em local público, a gente não fica com bebidas. E eu nunca dei bebida nem pra ela, nem pra nenhuma outra pessoa. Quem quer beber sabe o caminho que deve beber. Então, isso aí nunca existiu. Nunca. E já respondendo um pouco mais longo a tua pergunta, assim, se ela tava tão embriagada, como disse aí na tua reportagem, como que ela saiu dali e foi pra uma outra discoteca com os outros garotos? Então, não sei se ela tava tão embriagada, né? Mas, tudo bem...

Narrador
A gente vai lembrar aqui que foi o próprio Robinho que disse que a mulher estava embriagada naquela noite no Sio Café. Aqui está o que ele disse no episódio 1:

Robinho
A mina, a mina estava extremamente embriagada, não sabe nem quem que eu sou.

Narrador
Na entrevista, Robinho insistiu que a mulher não podia estar tão alcoolizada assim.

Robinho
Quando você fica embriagada, você não lembra de nada. É engraçado que ela lembra de algumas coisas e de outras ela não lembra. Né? Então, respondendo a sua pergunta. Ela não lembra do meu nome? Ela não lembra do que aconteceu com ela? Então, como que ela não conseguia andar, não conseguia... Então, tá meio controverso aí.

Adriano
O Eder então repete a frase dita pelo Robinho em 2014.

Eder Traskini
Uma das aspas, que foi a que mais repercutiu hoje, foi a que você foi mais questionado, foi que: "Estou rindo porque não estou nem aí, a mulher estava completamente bêbada e não sabe o que aconteceu." Isso configura um deboche? Você se arrepende de ter falado essa frase?

Robinho
Olha, assim, eu não sei qual o contexto dessa frase, mas assim, quando você não fez nada de errado, a resposta que você dá: "Pô, não estou nem aí." Não foi no sentido de desrespeitar uma mulher. Eu tenho três mulheres na minha casa. A minha mãe, que é minha rainha, a minha esposa e a minha filha. Então, eu nunca faltei com respeito com nenhuma mulher. Talvez, se eu falei isso, foi porque eu não fiz nada de errado. Então, não tem por que correr, não tem por que mentir. Entendeu? Então, não foi no contexto de desrespeitar uma mulher. Foi no contexto de que quem não deve, não teme.

Narrador
O tema do estado de embriaguez da vítima voltou a ser abordado mais pra frente, depois que Robinho respondeu sobre o fim do contrato dele com o Santos e sobre a saída dos patrocinadores. O Eder ofereceu ao Robinho a oportunidade de elaborar mais sobre isso, e o Robinho respondeu assim:

Robinho
Quando ela se aproximou de mim ela não estava embriagada, até porque ela lembra do meu nome, ela lembra quem sou eu. A pessoa que bebe ela não lembra de nada, ela lembra. E pelo fato de ela ter saído também depois com os garotos pra uma outra discoteca isso mostra que ela não foi abusada, a pessoa que recebe um abuso... Eu nunca recebi... nem ninguém da minha família, graças a Deus, que é algo muito sério, ela jamais sairia dali pra ir pra um outro lugar com esses mesmos garotos.

Narrador
Esse argumento motivou um comentário da repórter Talyta Vespa.

Talyta Vespa
Eu queria só fazer uma pergunta. Porque o Robinho comentou que em caso de uma mulher ser abusada ela não vai pra outro lugar com as pessoas. E... enfim, eu posso te dizer por experiência própria, infelizmente, que a gente se sente tão coagida que a gente acaba até indo. E muitas vezes durante um ato de abuso você tá... você se sente... no caso de uma embriaguez você não consegue reagir a isso, né? E nas frases que a gente tem é nítido que ela estava embriagada, que ela não conseguia andar pelo que foi dito ali.

Narrador
Mas quem respondeu agora não foi o Robinho e sim a advogada Marisa.

Marisa Alija
Mas que parte que vocês não entenderam que as coisas estão fora de contexto? Então, você já tá afirmando que pelas frases é aquilo que tava acontecendo.

Talyta Vespa
Não, não, tô fazendo uma pergunta de acordo com a resposta dele.

Narrador
Outro que respondeu foi o assessor Fernando.

Fernando Mello
Mas ele já respondeu, Talyta. Desculpa, desculpa. Eu não quero derrubar a sua pergunta, mas ele já respondeu que ela não estava embriagada.

Talyta Vespa
Mas então por que ele diz que ela estava?

Fernando Mello
Quem disse?

Talyta Vespa
Ele, nas frases.

Fernando Mello
Mas isso foi fora do contexto. Por que ele falaria uma coisa aqui e uma coisa lá?

Talyta Vespa
Então, o que tá escrito ali é mentira?

Fernando Mello
Mas, Talyta, a gente acabou de dizer que não pode comentar a frase. Aí é duro. Aí desculpa.

Narrador
O que a gente teve depois disso foi mais um longo debate sobre o que os jornalistas podiam ou não podiam perguntar. A equipe de Robinho argumentava que ele não estava autorizado a comentar diretamente as conversas e nem dar informações que estavam no processo. Até que os microfones captaram o seguinte diálogo entre o Robinho e os jornalistas do UOL.

Robinho
Pra internet, pro jornalista da Globo. Eu sou condenado, eu estuprei a menina, eu forcei. E eles me condenaram mais do que na Itália. Eu já sou condenado. Então, assim, quando eu não posso responder, parece que eu tô fugindo da resposta.

Talyta Vespa
Só queria que você entendesse, Robinho, que nossa intenção aqui de forma alguma é atacar, julgar. A gente, na verdade, quis esclarecer isso que foi trazido hoje. Apenas.

Eder Traskini
É que a gente não pode chegar aqui também e só passar a mão na cabeça.

Robinho
Claro, claro.

Robinho
Até não é legal isso.

Fernando Mello
Mas também não pode vir aqui só dar porrada, né?

Narrador
Esse é o assessor de imprensa Fernando.

Eder Traskini
Mas a gente não deu porrada agora.

Fernando Mello
Um pouquinho de carinho, né? Não, Talyta, na hora que você fala "Eu, como mulher", aí você coloca todas as mulheres, como se... Você sabe que é isso. Hoje existe...

Robinho
Talyta, com todo respeito a você. A gente tá se conhecendo agora, você pode virar minha amiga, infelizmente, existe esse movimento feminista.

Robinho
Que não sei o quê. Muitas mulheres não são nem mulheres, pra falar português, claro. E que se levantam contra... porque... coisas que homem...eu acabei de responder agora.

Narrador
"Infelizmente existe esse movimento feminista". Em uma entrevista em que o Robinho se disse impedido de se defender plenamente por orientação dos advogados, ele falou uma frase que traduziu um pouco a forma dele de pensar.

Narrador
A gente vai contar qual foi o papel do movimento feminista no fim da carreira do Robinho depois do intervalo.

Intervalo

Narrador
A irritação do Robinho com as feministas tem uma explicação. Em 2017, ele jogava no Atlético-MG. Dias depois dele ser condenado na primeira instância, duas faixas foram erguidas nos arredores da sede do clube. Uma delas dizia: "Um condenado por estupro jogando no Galo é uma violência contra todas as mulheres!". A outra dizia: "Galo, seu silêncio é violento! Não aceitaremos estupradores!"

Narrador
As duas faixas eram assinadas por um grupo chamado "Feministas do Galo".
Foi o primeiro movimento organizado por torcedores contra a associação com Robinho.

Narrador
A presença de um homem condenado por estupro incomodou as torcedoras atleticanas, mas não a diretoria do clube e nem os outros jogadores do elenco, que bancaram e apoiaram a permanência do Robinho no Atlético.

Narrador
Segundo uma reportagem do Victor Martins, do UOL, o clube quis renovar o contrato dele, mas o Robinho não aceitou uma redução de salário e preferiu deixar o time. Ele recebia R$ 800 mil por mês na época.

Ele foi pra Turquia, e quando o contrato dele acabou lá, ele ficou livre no mercado. Em outubro de 2020, o Santos anunciou que tinha fechado um acordo de cinco meses com ele.

Narrador
Mas dessa vez a reação foi muito maior.

Narrador
Começou na internet. Grupos feministas fizeram campanha contra o anúncio. O coletivo santista Bancada das Sereias foi um dos mais vocais, mas o movimento teve aliadas em grupos de torcedoras rivais, como o Toda Poderosa, do Corinthians, e o Força Feminina Colorada, do Internacional. Jornalistas populares da TV, como o André Rizek e a Ana Thaís Matos, também postaram contra a contratação.

Narrador
Logo o movimento afetou os patrocinadores do Santos. A Orthopride, uma rede de franquias de aparelhos odontológicos, foi a primeira a encerrar contrato com o clube. Num efeito cascata, outros nove patrocinadores ameaçaram romper ou suspender repasses de dinheiro caso o Santos não demitisse o Robinho.

Narrador
Sem ter alternativas, o Santos suspendeu o contrato apenas seis dias depois de ele ter sido assinado. O vínculo foi encerrado definitivamente no começo de 2021, depois que Robinho foi condenado de novo, na segunda instância. Desde então, ele nunca mais conseguiu jogar em nenhum time profissional.

Narrador
Em 2022, ao ser procurado pelos repórteres do UOL Gabriela Brino e Eder Traskini, o mesmo que tinha entrevistado ele dois anos antes, o Robinho anunciou que estava se aposentando do futebol. Vinte anos depois de surgir como o maior símbolo do futebol-arte no Brasil e na Europa, ele se recolheu ao litoral paulista.

Narrador
Hoje, ele aguarda os juízes do STJ, o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, decidirem se ele vai ou não cumprir a pena de nove anos de prisão por estupro coletivo.

Robinho
Talyta, com todo respeito a você. A gente tá se conhecendo agora, você pode virar minha amiga, infelizmente, existe esse movimento feminista.

Robinho
Que não sei o quê. Muitas mulheres não são nem mulheres, pra falar português, claro. E que se levantam contra... porque... coisas que homem... eu acabei de responder agora. Eu não sou bonito. Sou casado com a minha esposa. Mas se eu sair na rua e a mulher fala "Oi, lindo, gostoso", tem uma conotação. Se eu mexer com você com falta de respeito, é totalmente diferente a conotação.

Talyta Vespa
Aham. Claro.

Adriano
Oi, tudo bem? O próximo pra Santos, por favor.

Atendente
Tá bom. Você vai querer com seguro ou sem seguro?

Adriano Wilkson
Com seguro.

Atendente
Seu documento, por favor.

Narrador
No mesmo dia que a gente lançou o segundo episódio do podcast, o Clayton Santos me ligou. O Claytinho era um dos amigos que estavam no Sio Café naquela noite, um dos quatro que foram denunciados na Itália, mas não responderam ao processo porque não foram encontrados.

Atendente
Posso ter o documento, por favor? Pode ser a poltrona 39 na janela?

Adriano Wilkson
Pode ser.

Narrador
O Claytinho parecia aflito pelo telefone. Ele disse que estava tendo muito problemas no trabalho e entre os amigos depois que a gente publicou os primeiros áudios. Ele é o único dos seis cuja voz não aparece nos grampos, mas ele foi apontado pelos outros como um dos principais participantes do estupro.

Eu disse que eu poderia encontrar ele em qualquer lugar pra gravar uma entrevista e ouvir ele se defender das acusações que os amigos fizeram contra ele. O Claytinho disse que ia pensar. Mais tarde, o advogado dele me ligou e me chamou pra tomar um café em Santos e conversar sobre a possibilidade da entrevista.

Adriano Wilkson
Bom dia. Pra Santos?

Motorista
Isso. Documento, por favor. Obrigado.

Narrador
Eu fui.

Adriano Wilkson
Que horas chega lá?

Motorista
Uma hora e dez depois que sai. Até a rodoviária de Santos.

Narrador
Mas o Claytinho não quis falar. Eu tive uma longa conversa com os advogados dele, que também são os advogados do Rudney Gomes. Argumentei que seria importante ouvir a versão dos dois. Eles disseram que iam conversar com os clientes e me dariam uma resposta nos dias seguintes. Essa resposta ainda não chegou.

Narrador
O Claytinho não foi o único. Antes de lançar esse podcast, a gente ligou pra todos os amigos acusados do crime.

Adriano Wilkson
Alô. Alex?

É Fabio Galan?

Alô, é Rudney? Quem fala é Adriano. Eu sou jornalista do portal UOL aqui em São Paulo. Tudo bem?

Narrador
Ninguém topou dar entrevista pra gente, pelo menos até agora. Com o Ricardo Falco, que foi condenado junto com o Robinho, a gente não conseguiu falar diretamente. Mas a gente falou com parentes dele e com os advogados que estão atuando no processo que tá correndo no STJ.

Narrador
Os advogados mandaram uma nota, dizendo que não tiveram acesso aos áudios e nem ao processo completo que condenou o Falco na Itália. Eles disseram ter pedido ao STJ que a Itália envie a íntegra do processo, porque só assim eles poderiam defender o cliente de maneira apropriada.

Os advogados Fábio Gomes da Costa e Lorena Machado escreveram: "A defesa aduz que só poderá se manifestar sobre qualquer fato que envolva o seu constituinte mediante o exercício dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, basilares da Constituição Federal e da Convenção Americana de Direitos Humanos."

Narrador
O Falco e o Robinho contrataram, sempre separadamente, novos advogados nesse ano de 2023, quando o caso deles foi parar em Brasília, onde os ministros analisam se eles vão cumprir a pena no Brasil. Os outros, que, vale sempre lembrar, são inocentes do ponto de vista jurídico, começaram a pensar em uma defesa só agora, depois do lançamento do podcast.

Narrador
O primeiro episódio desse podcast foi lançado no dia 14 de junho de 2023. Naquela altura, o processo que analisa se Robinho vai ou não cumprir a pena no Brasil estava parado desde o dia 24 de abril, porque um ministro pediu vistas. Só lembrando: como o Robinho não pode ser extraditado, a Itália pediu pra pena ser cumprida aqui. Horas depois do primeiro episódio ser lançado, o STJ anunciou que incluiu o processo na pauta do tribunal do dia 2 de agosto.

Esse julgamento de agosto não vai ser um julgamento definitivo, mas apenas o de um recurso da defesa do Robinho. Depois desse dia, os advogados do Robinho ainda vão ter tempo pra apresentar uma defesa, que vai ser analisada pelo STJ e aí sim os ministros vão marcar uma nova data pra julgar se a pena que ele recebeu na Itália pode ser cumprida no Brasil.

Narrador
Depois que eu saí do escritório dos advogados do Claytinho e do Rudney, eu fui dar uma volta na praia de Santos com o meu amigo Diego Garcia, também jornalista do UOL, que mora lá.

A gente foi ver o local onde funciona a barraca do Fábio Galan. O Fábio Galan é um dos melhores amigos do Robinho e aparece nos grampos que a gente mostrou. Como era uma quarta-feira à tarde, a barraca não estava montada, mas a gente encontrou lá a rede de futevôlei onde o Robinho costuma jogar de manhã cedo. Nos suportes da rede, tinha o nome dele e o da barraca do Galan.

Foi nessa hora que o meu telefone apitou. Era uma mensagem de áudio no WhatsApp.

Rudney
Adriano, tudo bem? Deixa eu te perguntar... Meu advogado te procurou aí, a respeito da causa? Quando puder me liga aí fazendo o favor.

Narrador
Eu liguei na mesma hora.

Rudney
E aí Adriano. Boa tarde.

Adriano Wilkson
Boa tarde, Rudney, tudo bem?

Narrador
A gente marcou de se encontrar. O Rudney estava na calçada de uma rua movimentada ali perto, tomando uma Skol, fumando um cigarro e vestindo uma camisa do Corinthians. O Corinthians estava na cidade pra enfrentar o Santos pelo Campeonato Brasileiro, e o Rudney tava se preparando pra ver o jogo. Ele se mostrou chateado com a publicação dos áudios, mas me tratou com respeito e educação. Ele pediu pra eu não gravar nossa conversa. E como ele tem esse direito, eu não gravei.

O Rudney ficou de retornar caso decidisse dar uma entrevista. Isso não aconteceu até hoje.

Narrador
Nenhum dos amigos denunciados pelo crime quis conversar com a gente pra esse podcast. Mas tinha uma pessoa com quem eu ainda queria falar.

Eu peguei o trem de alta velocidade e desembarquei em Milão, atrás do endereço que eu tinha visto em uma das páginas do processo. Enquanto os passarinhos cantavam nos jardins de um bairro na periferia, eu toquei a campainha de um dos prédios da rua.

Mulher [em italiano]
Quem é?

Janaina Cesar [em italiano]
Oi, bom dia. Eu sou uma jornalista, procuro este senhor, Jairo Chagas, é um músico brasileiro.

Narrador
O Jairo, você deve se lembrar, foi a testemunha mais importante do processo que condenou o Robinho e o Falco. Ele não participou do estupro, mas ele acabou processado e condenado por falso testemunho.

Narrador
A mulher que atendeu o interfone do endereço dele estava me dizendo que ele não morava ali.

Janaina Cesar [em italiano]
Ele mora aqui?

Mulher [em italiano]
Não.

Janaina Cesar [em italiano]
Não?

Mulher [em italiano]
Não conheço ninguém com esse nome, não.

Narrador
Já com medo de ter perdido a viagem, eu resolvi tentar de novo um número que eu tinha na agenda do celular.

Janaina Cesar
Alô.

Jairo
Alô. Oi.

Janaina Cesar
Jairo?

Janaina Cesar
Jairo, quem tá falando quem tá falando aqui é a Janaína. Eu sou uma jornalista trabalho para o UOL. A gente se falou pelo Instagram um tempo atrás, quer dizer eu entrei em contato contigo, eu vi que você visualizou as minhas mensagens. Tá lembrado?

Jairo
Não tô lembrando. Mas esse número é da onde? Esse número é da Itália?

Narrador
Eu queria falar com o Jairo para saber se ele tinha outras informações sobre o crime e pra entender melhor como foi a participação dele no processo.

Janaina Cesar
Eu tô em Milão, eu queria saber se você poderia bater um papo comigo sobre aquela história do processo do Robinho, da condenação dele.

Jairo
Ainda isso, Janaina?

Janaina Cesar
Não, Jairo. Jairo, deixa eu te falar uma coisa. A gente tá fazendo um podcast e a gente teve acesso aos áudios das interceptações e a gente vai estar divulgando isso e seria muito interessante, se você falasse com a gente para contar a tua versão da história, porque você até agora foi a única pessoa que, assim, você foi condenado. Você pagou por ter testemunhado em falso e você não tinha nada a ver com essa história?

Narrador
O Jairo era o dono da banda de pagode que tocava naquela noite no Sio Café. Não existe no processo nenhuma indicação de que ele tenha participado do crime. Nas ligações gravadas, ele aparece dizendo que viu o Robinho e os amigos violentando a vítima. Depois, quando o Jairo foi chamado a depor, ele negou que tenha dito o que disse nas ligações gravadas. Foi por isso que ele foi condenado por falso testemunho.

Narrador
No telefone, o Jairo disse que se arrependia dos comentários que fez com o Robinho sobre o crime. Ele também falou que mencionou esse arrependimento ao juiz do processo e que aceitou a pena que recebeu. O Jairo foi condenado a prestar serviços comunitários e disse que, depois disso, conseguiu a documentação pra morar legalmente na Itália. Hoje ele continua fazendo shows de pagode, e é um artista conhecido na comunidade brasileira de Milão. Ele chegou a autorizar que a gente mostrasse aqui a nossa conversa, mas depois desistiu e pediu pra gente não mostrar.

Narrador
O Jairo ficou na Itália e pagou sua dívida com a Justiça. Mas e os outros? Muita gente que ouviu os áudios gravados pela polícia em que os amigos brasileiros comentam o estupro de uma mulher de 23 anos veio falar depois com a gente que sentiu nojo, repulsa, revolta e uma sensação de enjoo que fez o estômago revirar.

Muitos que ouviram os áudios consideraram esses caras uns monstros.

Narrador
Mas será que eles são monstros? Talvez a gente deva ver essas pessoas que cometem crimes hediondos menos como causas e mais como consequências. Mais como frutos de um ambiente e uma cultura que permitem, toleram e até incentivam esse tipo de crime. Esse tipo de desprezo contra a vida e os corpos das mulheres.

Narrador
Depois de 2013, os homens que se envolveram nesse crime voltaram a ter uma vida normal. A vida seguiu pra eles e continua seguindo. O Robinho jogou em vários times depois disso, assinou contratos milionários, deu entrevistas, fez gols e ganhou títulos. Toda semana ele é visto jogando bola em Santos. Um vídeo de um lance dele na pelada com amigos apareceu pra mim outro dia no Instagram.

Narrador
O Falco saiu da Itália, morou nos Estados Unidos, voltou pro Brasil, abriu uma lanchonete de açaí e depois uma hamburgueria em São Paulo. Fez doações de alimentos na pandemia e desfila todo ano no Carnaval de São Paulo.

Narrador
O Claytinho e o Rudney também abriram empresas, tocaram em bandas de pagode e rechearam os perfis nas redes sociais de fotos em festas, em restaurantes, em bares e na praia. Pessoas normais, fazendo coisas que pessoas normais fazem.

Narrador
O Alex joga e dá aula de futevôlei. Na rede dele já apareceram outros jogadores famosos, levados lá pelo Robinho.

Narrador
E o Fábio Galan, que é dono daquela barraca badalada na praia, segue inseparável do amigo, que ele conheceu quando os dois eram crianças. No final de 2022, ele e o Robinho tiraram fotos em uma manifestação golpista contra o resultado das eleições do ano passado. O Robinho estava disfarçado, e o Galan segurava uma placa dizendo: "Intervenção federal".

Narrador
Enquanto eles seguiam a vida deles, ela tentava reconstruir a dela. Depois de denunciar os brasileiros, a mulher albanesa voltou pra faculdade que ela tinha abandonado. E hoje, aos 33 anos, acabou de se formar em direito. Como advogada, ela pretende agora ajudar outras mulheres que passaram pelos horrores que ela passou.

Narrador
Ela talvez nunca consiga esquecer o que os amigos brasileiros fizeram com ela naquela noite de janeiro de 2013.

Narrador
Mas graças à denúncia que ela fez depois, os brasileiros também nunca vão esquecer.

Narrador
O que a gente espera desses homens? Dez anos depois do ataque a uma mulher embriagada em Milão, a gente poderia esperar que eles pelo menos tivessem tirado um tempo pra refletir, pra pensar em tudo o que aconteceu. E pra articular uma resposta que mostrasse pelo menos algum tipo de autocrítica. Algum tipo de sentimento que não fosse simplesmente a certeza que eles estão certos, e o mundo todo, errado.

Narrador
No final daquela entrevista em 2020, o repórter do UOL se preparava para se despedir e desligar o microfone. Foi uma entrevista confusa, cheia de pausas, perguntas interrompidas e respostas evasivas.

Narrador
Eu achei que essa poderia ser uma boa oportunidade pro Robinho refletir com mais calma sobre tudo o que disse antes, sobre tudo o que lembra, sobre tudo o que falou na entrevista e nos áudios em que ele comenta o crime de 2013.

Narrador
Mas nessa hora, em vez disso, o Robinho levantou a voz.

Eder Traskini
Beleza. Tá bom? Fechou então, gente. É isso. Tenho certeza que você gostaria de falar muito mais coisa e eu gostaria de perguntar...

Robinho
Muito. Que a Globo é um lixo e o Bolsonaro tem razão. Pode falar isso aí?

Eder Traskini
Eu já ouvi você falando hoje. Nos grupos...

Robinho
Vou fazer muitos gols ainda com essa camisa.

Narrador
A entrevista tinha acabado, o microfone foi desligado.

Narrador
E a voz do Robinho não foi mais ouvida.

Narrador
Esse foi o último episódio de UOL Esporte Histórias - Os Grampos de Robinho. A gente queria agradecer muito a você que chegou até aqui e ouviu com a gente esses áudios difíceis.

Se você foi vítima ou conhece uma mulher que esteja passando por alguma forma de violência de gênero, a gente incentiva você a pedir ajuda. Você pode ligar no número 180 de qualquer telefone e falar com Central de Atendimento à Mulher, um serviço que funciona em todo Brasil e também no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita.

Também é possível acionar esse serviço pelo WhatsApp no número 61 99656-5008. Repetindo: 61 99656-5008.

Mulheres vítimas de estupro podem buscar os hospitais de referência em atendimento para violência sexual para tomar medicação de prevenção de ISTs, ter atendimento psicológico e fazer a interrupção da gestação legalmente.

UOL Esporte Histórias - Os Grampos de Robinho

  • Apresentação, pesquisa e roteiro: Adriano Wilkson e Janaina Cesar.
  • Desenho de som e montagem: João Pedro Pinheiro.
  • Trilha sonora original: João Pedro Pinheiro.
  • Trilhas adicionais: Epidemic Sound.
  • Produção: Adriano Wilkson, Janaina Cesar e Natália Mota.
  • Design: Eric Fiori.
  • Motion design: Leonardo Henrique Rodrigues.
  • Direção de arte: Gisele Pungan e Renê Cardillo.
  • Coordenação: Bruno Doro (UOL Esporte) e Juliana Carpanez (MOV). Antoine Morel (gerente geral de MOV) e Vinícius Mesquita (gerente geral de Esporte). Murilo Garavello (diretor de conteúdo do UOL).
  • O podcast é um produto de UOL Prime, com coordenação de Diego Assis, Leonardo Rodrigues e Patrícia Junqueira.

A captação da entrevista com o Robinho foi do cinegrafista Marcelo Ferraz.

Nota de Fernando Mello

O Santos FC nos contratou no dia daquela entrevista justamente por sermos referência em gestão de crise. A imagem do Robinho já era crítica, e a solução que demos foi a interrupção imediata do seu contrato com o clube e duas entrevistas para que o atleta desse sua versão. Negociei com ele e sua advogada a suspensão do contrato e fizemos um extenso media training, mas Robinho mudou totalmente de postura durante a entrevista ao UOL.

Quem lê a transcrição e não conhece os bastidores da comunicação não consegue entender que, em uma entrevista crítica como esta, tudo é negociado com os editores e repórteres dos veículos.

A entrevista foi oferecida ao editor Vinicius Mesquita por mim com apenas uma condição: duração de 20 minutos, um pedido dos advogados.

O veículo enviou uma dupla de repórteres, que chegaram ao escritório pré-determinados a atacar o Robinho. Independentemente do que ele fez na Italia, naquele momento ele ainda não havia sido condenado em última instância. Não é papel de entrevistador atacar o entrevistado, faltando com o respeito, como se estivéssemos em um interrogatório ou em uma sala de delegacia. O UOL ofereceu um espaço para que o atleta se defendesse e desse sua versão, nas palavras de seu editor de Esportes a mim. O que se viu foi um tribunal de inquisição, um show de ativismo, especialmente por parte da repórter Talyta Vespa.

Por fim, causa enorme surpresa para mim, dois anos depois, ver que o UOL desrespeitou mais uma vez uma das regras mais sagradas do jornalismo: o off. Evidente que eu, como assessor de imprensa, não fazia parte da entrevista. Nunca fui entrevistado nem dei autorização para que minhas falas fossem reproduzidas.

Como cidadão, tenho minha opinião e repudio de forma categórica o que Robinho e seus amigos fizeram. Se ele já estivesse condenado em último grau, não teria nem sequer aceitado o trabalho.

Como assessor de imprensa, me limitei a fazer meu papel profissionalmente, como sempre fiz, defendendo os interesses do Santos FC e de seu então atleta.