Desenho tático e 'bandeira apito': o Botafogo na areia com jogadores surdos
A bola estufa a rede, o árbitro levanta a bandeira e tem início a comemoração, com movimentos incisivos das mãos. O treinador aproveita, toca no ombro de um dos jogadores e pede a atenção. Com sinais manuais, passa instruções, lembra do desenho feito na areia momentos antes do duelo, e recebe um "ok" com a cabeça.
Essa é uma das cenas que pode ser observada por quem passa pela orla de Copacabana, no Rio de Janeiro. Trata-se do treinamento do time de futebol de areia do Botafogo com atletas surdos.
O projeto é encabeçado por Carlos Dreux, Coordenador Geral da modalidade no Alvinegro, e conta com jogadores filiados à Federação de Surdos.
"É muito importante os esportes se abrirem à inclusão. Aqui no Botafogo Beach Soccer, por exemplo, temos o trabalho com surdos e com o PCD's [pessoas com deficiência]. Trabalho tem todo o apoio do clube", disse.
A bandeira levantada após o gol poderia causar dúvidas, mas Dreux explica que essa é uma das adaptações feitas para o jogo com os deficientes auditivos.
"Eles são totalmente capazes, têm todas as habilidades e boa capacidade de percepção. Adaptamos mais a parte visual. O árbitro não apita, ele usa uma bandeira para as sinalizações. O jogo para, vez ou outra eles perguntam o que houve, há a explicação, e segue a partida", conta.
A iniciativa tem o apoio de Juninho, coordenador no Glorioso e ex-seleção brasileira de beach soccer, e do técnico Rafael Cobra.
Dreux, vez ou outra, encontra dificuldade para passar algumas orientações. Às vezes, usa a "artimanha" de jogar areia na canela de jogadores do seu time para chamar a atenção, e, a partir daí, conseguir dar as explicações necessárias.
"Fiz alguns cursos de libras para melhorar esse contato e passar melhor a parte técnica e tática a eles. Quando tem alguma dificuldade maior, tenho a sorte de ter dois atletas que conseguem se comunicar melhor e se tornam meus auxiliares", brinca.
No dia em que a equipe do UOL esteve no treino, a equipe venceu um amistoso com jogadores da base do próprio Botafogo por 4 a 3.
Antes da bola rolar, Dreux reuniu os atletas e fez desenhos na areia para mostrar a formação e modo de jogo que queria. Em certos momentos, Thiago Monteiro, de 28 anos, faz o papel de auxiliar.
Thiago foi acometido por uma meningite quando tinha nove anos, já escutava e falava quando acabou perdendo a audição. Atualmente, tem facilidade na leitura labial e consegue entender o que é dito.
"O professor Carlinhos tenta explicar ao máximo para a gente, e eu busco ajudar, passar para eles. Eu consigo fazer esse papel, e acabo jogando e sendo da comissão. Desde pequeno jogo futebol e comecei na praia em 2020, me adaptei e fiquei", lembra.
Competições diversas
A Confederação Brasileira de Desportos de Surdos e a Federação Desportiva de Surdos do Estado do Rio de Janeiro organizam campeonatos de diversas modalidades ao longo do ano, desde futsal ao vôlei de praia, passando por tênis de mesa, judô e atletismo.
Alguns clubes, inclusive, disputam competições de futsal e de beach soccer com a mesma equipe. Há revezamento na agenda de treinos.
No fim do ano, vai ser organizada a Surdolimpíada Nacional, em Cascavel, Paraná. O evento será apenas para as modalidades individuais.
"A importância da inclusão de atletas surdos no esporte em geral é demonstrar que, mesmo com a barreira auditiva, eles podem ser atletas de alto rendimento e mostrar seu valor. No paradesporto dos surdos, as modalidades praticadas são disputadas sem a necessidade de mudança de regra ou adaptação específica ao ambiente", aponta Paulo Mousinho, treinador da federação.
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