Avancini decidiu parar após depressão: 'Grato por querer estar vivo hoje'

Um longo processo de aceitação e luta contra a depressão culminou em um anúncio surpreendente de Henrique Avancini, maior ciclista do Brasil na atualidade. Ontem, ele anunciou sua aposentadoria das competições e contou ao UOL detalhes do pesadelo que viveu. No momento, o mais importante para ele é sua saúde mental.

"Eu sempre tive muita dificuldade de aceitar [a depressão], de não conseguir lidar com alguma coisa. Nunca tive muito filtro para me expor, sempre fui uma pessoa e um atleta bastante aberto, mas quando eu tive dificuldades mentais, foi algo muito complicado. Eu não conseguia falar isso com ninguém. Passei um período bem longo sem conseguir pedir ajuda. Fui me afundando cada vez mais, até chegar no meu limite", descreveu Avancini.

A saúde mental tem ganhado cada vez mais relevância no esporte. Desde que Simone Biles, favorita ao ouro nos Jogos de Tóquio, desistiu de competir para cuidar de sua cabeça, o esporte viu algo novo emergir. Campeões como o surfista Gabriel Medina deixaram as disputas de lado para olhar para dentro de si. Avancini foi um deles.

"Graças a Deus, eu estou aqui hoje. Ainda é um pouco complicado falar sobre o tema, porque acho que envolve tanta coisa: vida profissional, vida emocional, vida pessoal, além de outras pessoas. É difícil. Hoje eu sou muito grato de ter conseguido superar esse período que foi bastante longo e extremamente pesado e por, hoje, querer estar vivo", acrescentou o ciclista.

No futuro, Henrique Avancini pretende abraçar um projeto de aconselhamento de jovens e falar sobre saúde mental, o que antes era um tabu para ele. Após a superação da depressão, o ciclista se aprofundou sobre o tema e entende a importância da comunicação e apoio a quem sofre com o mesmo.

"O meu episódio de saúde mental (ou a falta dela), mexeu bastante comigo. Durante algum tempo, alguns anos, eu tive a oportunidade de ser conselheiro de adolescência. E eu sempre me senti muito capaz de aconselhar jovens, pessoas em geral, em quase tudo da vida, mas quando as pessoas falavam de saúde mental, que estavam com dificuldades, com depressão, eu não conseguia me ver naquilo. Não conseguia me ver tendo esse tipo de fragilidade", comentou.

"Depois que eu passei por isso, meus olhos se abriram. É uma coisa que eu tenho vontade de me preparar profundamente para poder contribuir com pessoas, com atletas, em relação ao cuidado da saúde mental", destacou.

O ciclista de 34 anos tomou a decisão da aposentadoria antes de conquistar o bicampeonato mundial de Mountain Bike na categoria Maratona, em prova disputada em Glasgow, na Escócia. Ele não participará, portanto, dos Jogos Pan-Americanos de Santiago em outubro, nem das Olimpíadas de Paris, em 2024.

Avancini lançou um documentário para esclarecer a decisão pela aposentadoria e também menciona a depressão. A produção "Meu Motivo" foi exibida à imprensa ontem e já está disponível no YouTube.

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"Eu não preciso ser o único"

Avancini é considerado o maior ciclista brasileiro: tetracampeão brasileiro, bicampeão pan-americano e Mundial e campeão sul-americano. Nos últimos anos, ele dedicou sua vida ao esporte, com uma rotina intensa de treinos, fisioterapia e exercícios respiratórios. Antes das Olimpíadas de Tóquio, em 2021, ele construiu uma réplica da pista de mountain bike usada nos Jogos.

O atleta é referência no ciclismo, mas não quer carregar esse título eternamente. O que Avancini mais quer é abrir espaço para novos ídolos na modalidade.

"A minha motivação para chegar longe foi justamente me ver em uma posição, comparado aos melhores do mundo, completamente abaixo. Eu não era top 10 do mundo e virei número 1. Eu não estava nem entre os 100. Eu colocava na cabeça: consigo melhorar, consigo fazer mais, eu vou conseguir cavar até chegar no meu melhor. Essa é a mensagem, é o exemplo que eu espero que as outras pessoas se agarrem", destacou Avancini.

"Não quero que olhem onde o Henrique terminou. Eu estou terminando campeão mundial, mas olha onde o Henrique começou, e se agarra muito mais a isso. Eu espero que, de verdade, o meu esforço, a minha jornada, possa ser muito mais lembrado pelas pessoas do que o que eu ganhei ou deixei de ganhar", concluiu.

O que vem por aí

Avancini pegou muita gente de surpresa — inclusive seus patrocinadores — com o anúncio da aposentadoria logo após a conquista de um campeonato mundial e às vésperas de competições importantes, como o Pan de Santiago, e do ano olímpico. Convicto de sua decisão, o ciclista ainda vai continuar projetos iniciados.

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"Tomei a decisão sabendo que eu deveria arcar com os possíveis prejuízos. Meu objetivo, agora, é tentar atender os meus parceiros, quem acreditou nesse projeto e quem acreditou em mim como indivíduo, da melhor forma possível e fazer essa transição de uma forma que seja positiva para eles também", disse Avancini.

Parar de pedalar, ele não vai. A ideia é continuar praticando o esporte que tanto ama, trabalhando por ele, mas sem competir em alto rendimento.

"Viro atleta amador agora", brincou Avancini. "Eu vou ter que aprender a lidar com o fato de abrir mão do frenesi, que são as competições, toda aquela intensidade, a pressão, coisas que eu sempre amei sentir. Acho que eu vou conseguir matar essa vontade trabalhando em projetos diferentes, trabalhando pelo esporte, fazendo outras coisas. Eu nunca me vi parando de competir para ficar com as pernas para cima, na praia ou coisas do tipo", concluiu.

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