O atacante Antony, 23 anos, do Manchester United está sendo investigado pela Polícia Civil de São Paulo por violência doméstica contra sua ex-namorada, a DJ e influencer Gabriela Cavallin, também de 23.
O UOL teve acesso a fotos, vídeos, conversas e depoimentos de testemunhas que acompanham o inquérito.
Os registros revelam ameaças, intimidações e agressões físicas feitas pelo jogador, que atuou na Copa de 2022 e é um dos destaques da última convocação da seleção brasileira.
Com os documentos, o UOL entrou em contato com a DJ, que deu sua versão sobre os dois anos em que conviveu com o jogador.
Na última sexta-feira, ela apresentou uma segunda denúncia contra Antony, desta vez à polícia de Manchester, na Inglaterra.
Um dos vídeos do inquérito a que o UOL teve acesso mostra uma lesão que expôs os ossos dos dedos da mão de Gabriela, no que teria sido a última agressão do atleta.
Procurado pela reportagem, Antony preferiu não se pronunciar sobre as acusações. A assessoria do jogador disse que o caso está em segredo de Justiça e será julgado por via oficial.
Hoje, após a publicação do texto, o atleta escreveu nas redes sociais que as acusações são falsas. Representantes do atleta também enviaram um posicionamento do empresário Júnior Pedroso.
"O que se pode observar é que ela aparece na mídia sempre nos momentos que ela sabe que pode prejudicar o Antony. Como no dia da convocação para seleção brasileira e agora no momento da apresentação. Mas os fatos expostos são os mesmos que estão sendo tratados no processo investigatório", diz Pedroso em comunicado.
O UOL também questionou a CBF e o treinador Fernando Diniz sobre a decisão de convocar o jogador para a primeira rodada das eliminatórias da Copa de 2026, e ambos não se manifestaram.
A reportagem apurou que a seleção não tinha acesso ao processo e seus detalhes e tomou a decisão com base em reportagens publicadas em junho. O atacante vem atuando normalmente na Inglaterra, sem a adoção de nenhuma medida preventiva pelo Manchester United.
Cabe lembrar que o meia Lucas Paquetá, que atua no West Ham, também da Inglaterra, ficou de fora da lista após virar alvo de uma investigação envolvendo apostas esportivas.
Namoro, crises de ciúmes e gravidez interrompida
Era junho de 2021. Antony, que começou a carreira no São Paulo, já atuava no Ajax, da Holanda, mas estava passando dias no Brasil.
"Um amigo nosso em comum me chamou para ir em um churrasco na casa dele. Conheci [o Antony] lá. A gente conversou a noite inteira e teve a conexão. Na hora de ir embora, dei um beijo nele. Ele pegou meu celular, me seguiu no Instagram e a gente manteve contato desde então", conta Gabriela, em entrevista exclusiva ao UOL.
As coisas evoluíram rapidamente. Gabriela passou a morar na Holanda menos de um ano depois. Em março de 2022, ela engravidou.
Gabriela diz ter sido agredida fisicamente pela primeira vez no dia 1º de junho de 2022, quando estava grávida, durante férias no Brasil.
Segundo ela, o jogador teve uma crise de ciúmes após uma postagem que mostrava a DJ em uma casa noturna —eles passavam por um breve momento de separação.
Ela conta que, na saída, ele, que estava na mesma boate, a colocou no carro, a agrediu repetidamente e ameaçou jogá-la do veículo em alta velocidade.
Ele falou que, se eu não ficasse com ele, eu não ficaria com ninguém. Que eu estava grávida de um filho dele. Ou eu ficaria com ele ou morreria eu, ele e nosso filho. Eu falava pra ele que estava grávida, que ele estava me assustando, fazendo meu coração acelerar. Tremia de medo.
Gabriela Cavallin
A influencer foi ao hospital no dia seguinte. Um story postado no Instagram no dia 2 de junho mostra Gabriela recebendo soro intravenoso.
O episódio é documentado no inquérito policial que apura as agressões com várias trocas de mensagens no celular. Em uma delas, enviada às 9h30 do dia seguinte, Antony indica que pretende desaparecer: "Ninguém vai me achar, você fez isso comigo. Eu disse coisas que não deveria, e você não me perdoou. Cuide da neném".
Gabriela perdeu o bebê após cerca de 16 semanas de gravidez, no dia 21 de julho, ainda de férias no Brasil.
Eu passei minha gravidez toda no hospital. Eu ia três, quatro vezes por semana no hospital tomar soro, fazer exame, porque eu sangrava quase todo dia, até o dia que eu perdi o bebê. Foi uma série de acontecimentos, foi complicado
Apesar disso, ela continuou se relacionando com Antony e, em agosto, retornou à Holanda.
Montanha-russa, Copa do Mundo e novo episódio de agressão
Gabriela conta diz que Antony era inconstante e controlador. Alternava momentos de carinho com explosões de agressividade. Depois, se desculpava.
Há documentos no inquérito que ilustram essa versão: em um dia, o jogador envia, em um período de menos de um minuto, 13 mensagens com ofensas como "ridícula", "nojenta" e "destruidora de vidas". "Eu nunca mais quero te ver na frente na minha vida. Ridicula. Macho não pode ver. Sua nojenta. Ainda sai do whats. Quem está ai? Que meninas? Atende. Sínica (sic). Destruídora de vidas", diz a sequência de mensagens. Em outra ocasião, ele diz "Já era eu e você. Tomara que você morra, vai se foder. Até saiu do whats, que nojenta que você é mesmo, em?". Em seguida, tenta telefonar, mas Gabriela não atende.
Em outro momento, irrita-se porque ela curtiu nas redes sociais fotos de quatro anos antes de Neymar com o "parça" Gil Cebola. "O que não entendo é que tudo que o Gil Cebola postou de Neymar você curtiu. Por mais que seja foto antiga. Até foto comentada tem".
Áudios aos quais a reportagem teve acesso mostram Antony se desculpando após episódios de irritação. Em alguns, o jogador se mostra carinhoso e declara amor. Em outros, é agressivo, diz que já pediu as desculpas devidas e questiona o que considera a incapacidade de Gabriela de perdoá-lo.
O segundo semestre de 2022 foi mais calmo, com grandes acontecimentos na vida de Antony. Ele transferiu-se do Ajax para o Manchester United, da Inglaterra, e disputou a Copa do Qatar.
Gabriela o acompanhou na mudança para a Inglaterra, mas não foi à Copa. Diz que tentou aproveitar a distância provocada pelo Mundial para terminar de vez o relacionamento, mas não conseguiu. Depois da competição, eles reataram.
O torneio terminou para o Brasil no dia 9 de dezembro de 2022. No dia 15 de janeiro, houve um novo episódio.
Gabriela conta à Justiça e à reportagem ter sido ferida por Antony com uma cabeçada, que causou um corte na sua cabeça.
O jogador teria ainda deslocado a prótese de silicone da jovem com outra agressão.
Eu não lembro exatamente por causa de quem era a briga, mas era alguém que eu já tinha ficado anos atrás. Ele me deu um soco no peito e meu silicone virou. E aí eu vim para o Brasil operar. Tinha que trocar a prótese. Ele falava 'não quis te machucar, foi sem querer, não foi um soco, eu só te empurrei, eu só te segurei na parede'.
Nesse dia, a DJ recebeu atendimento de uma médica inglesa chamada Hina Tehseen em seu quarto no hotel Hyatt, em Manchester. A conversa com a profissional no próprio dia —ela levou medicamentos ao quarto da influencer— é uma das evidências do inquérito policial.
Ferimento que expôs o osso, medo e fuga ao Brasil
Os meses que se sucederam ao episódio de janeiro foram, segundo Gabriela, um crescendo de agressões que terminaram com um ferimento grave, o retorno ao Brasil e a busca por proteção.
Uma amiga do casal presenciou Antony tendo comportamento possessivo e ofendendo Gabriela de forma agressiva na frente de várias pessoas em uma festa que aconteceu no mês seguinte.
O depoimento dessa testemunha, que também afirmou ter visto o atleta destruindo o celular da então namorada em duas ocasiões, foi incluído como prova no inquérito.
"Eu sabia que eu tinha que sair, mas não conseguia. Eu gostava muito dele. Tinha muita esperança. Eu era muito apegada ao começo do nosso namoro, com as coisas que ele era para mim no começo. Nesse último dia [8 de maio de 2023], foi muito grave. Eu realmente fiquei com medo de não conseguir sair de dentro da casa".
Gabriela diz que Antony tentou agredi-la no rosto com uma taça de vidro. Ela defendeu-se com a mão, e o resultado foi um ferimento no dedo expondo ossos. Um vídeo da lesão foi anexado ao inquérito como prova.
Antony trancou a porta de casa e não deixava eu sair, e eu com o dedo aberto, toda machucada. Quebrou as minhas coisas, pegou meu passaporte. A mãe dele e o padrasto dele até prenderam ele dentro da quadra de futebol, ele tinha uma quadra de futebol dentro da sala de casa, envolta por grade, assim, como se fosse um alambrado mesmo. Ele transtornado, tentando sair de dentro da quadra de qualquer forma, jogando bola de futebol em mim, jogando celular em mim. Ele falava que ia me matar, que ia se matar.
A reportagem teve acesso a várias conversas de Gabriela com a mãe, com a irmã e com amigas ocorridas nessa noite. Ela enviava imagens dos ferimentos e dizia precisar sair dali. Em outra conversa, com um agente de viagens, Gabriela tenta comprar às pressas passagens de volta para o Brasil. "Por favor, não dorme sem emitir as passagens. Preciso sair daqui, antes que ele me mata (sic)."
Processos no Brasil e na Inglaterra
Assim que retornou ao país, Gabriela acionou a Justiça. "Ele estava vindo para o Brasil também de férias, e eu fiquei com muito medo de ele vir atrás de mim. Aí resolvi ir na delegacia". Em junho deste ano, a DJ obteve medidas protetivas que impedem que Antony se aproxime ou tente contato.
"Minha advogada já teve contato com o civil do Manchester, da CBF e a gente já obteve respostas muito rápidas do Manchester e da polícia da Inglaterra. A polícia de São Paulo também está agindo rápido e dando toda a atenção em relação ao caso. Estão ajudando a gente lá com tudo que a gente vai levar, todo material do processo", diz ela.
Hoje eu me sinto para cima de novo, eu me sinto uma pessoa boa, eu me sinto uma boa companhia. Antes, não me sentia uma boa companhia para minhas amigas, hoje me sinto de novo. Me sinto uma boa filha, me sinto, sabe? Tenho tempo para mim. Eu me sinto melhor realmente. Me sinto livre.
O que fazer em caso de violência doméstica?
Se você está sofrendo violência doméstica, seja ela física ou psicológica, ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Ela funciona em todo o país e no exterior, 24 h por dia. A ligação é gratuita.
O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico.
O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 9610-0180.
Para denunciar formalmente, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.
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