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'Vida do meu irmão se foi por causa de R$ 100', diz parente de atleta morto

Patrícia Calderón

Colaboração para o UOL, em Fortaleza

13/10/2023 16h42

Essas lutas são um total absurdo. Não sei nem o que dizer, principalmente depois da tragédia com meu irmão. Não queríamos que ele participasse. Todos ficamos com o coração na mão, minha mãe pediu pra ele não participar por achar perigoso, pressentiu que algo mais grave poderia ocorrer. Falamos, mas ele pediu nosso apoio, aí não tivemos escolha. Quem ganhasse a luta levava R$ 100, quem perdesse recebia R$ 50. A vida do meu irmão se foi por esse valor, infelizmente.

É com a frase acima que Lilia Maria da Penha, irmã do jovem de 23 anos que morreu após sofrer um nocaute em um evento amador de luta em Jericoacoara, no Ceará, desabafou sobre o ocorrido. O jovem foi atingido por um soco na região da cabeça e sofreu traumatismo crânioencefálico. Ele ficou cinco dias internado em estado grave na Santa Casa de Sobral, mas não se recuperou da lesão e foi enterrado na tarde de ontem (12).

Socorro no local do evento

Segundo relatos de testemunhas, os primeiros socorros foram feitos ainda no local do evento e o lutador chegou a reagir. João sentou-se aparentemente consciente, mas teria piorado no caminho para o atendimento médico.

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O atleta foi levado para a UPA de Jericoacoara e, de lá, foi encaminhado para um posto de saúde em Cruz, município vizinho, para receber mais oxigênio antes de chegar em Jijoca. Entretanto, o atleta precisou ser novamente transferido, desta vez para o município de Sobral, distante três horas do local do evento, onde o hospital teria mais estruturas para avaliar a gravidade do caso. Parentes explicam que ele só foi propriamente atendido ao chegar na Santa Casa da cidade.

Evento tinha estrutura precária

Segundo Lilia, o evento não tinha nenhum tipo de estrutura. A mulher alega que o organizador ligava para as academias locais e convidava alunos para participarem do evento para "lutarem sem perder a amizade", bastando apenas passar o nome e a inscrição era feita. Nenhuma avaliação física ou examés prévios foram solicitados.

"Deveriam ter avaliado que ele não estava preparado para isso, ele estava treinando há pouco tempo. Meu irmão treinava muay thai e foi lutar boxe neste evento, totalmente sem equipamentos de proteção. Nem inscrição teve", alega Lilia.

A parente de João ainda afirma que ninguém ligado à organização do evento entrou em contato para falar sobre o ocorrido ou prestar solidariedade pela morte do atleta. No entanto, Lilia diz que a família ainda tem dúvidas sobre o caminho a seguir a partir de agora.

Uma hora a gente se revolta e pensa em fazer algo, outra hora a gente pensa que nada trará meu irmão de volta. Não sei nem o que dizer, estou em choque. Minha família está devastada, meus pais estão traumatizados. Estamos sem norte, a gente dorme e acorda atordoados achando que está em um pesadelo e é tudo mentira, lamentou Lilia.

João sonhava ser pai e já se "despedia" da família

João posa ao lado de familiares Imagem: Arquivo pessoal

Lilia relata que, nos últimos dias, o atleta teve atitudes que levaram a mãe a sentir que alguma coisa estava errada. João voltou a dormir na casa da mãe, fez a barba do pai e disse coisas que não costumava dizer no dia a dia.

"Ele disse pra minha mãe o quanto amava a família, as tias. Minha mãe acredita que ele já estava sentindo alguma coisa, que ali já era o meu irmão se despedindo da gente. É muito dolorido, dói demais", revela Lilia.

Tia de uma criança de três anos, Lilia diz que a jovem era a paixão de João. O lutador também era fanático pelo Flamengo e tinha o sonho de ser pai e construir a própria família.

"Ele estava super ansioso para terminar a construção da casa dele, e infelizmente não terminou. Tinha comprado uma motinho, pagando com o próprio suor, estava quase terminando de pagar. Estávamos nos organizando em família para assistir ao jogo do Flamengo em Fortaleza no mês que vem, já que ele era fanático. Ele estava extremamente ansioso, agora também não vai conseguir realizar este sonho", se emociona Lilia.

O que diz a organização do torneio

Em contato com a reportagem, a organização do UFC-Jeri disse que o evento esportivo foi autorizado pela prefeitura de Jijoca em um ofício. O evento ainda acrescenta que foi solicitado o apoio de uma ambulância e que havia enfermeiros presentes no local.

Ainda segundo a organização, o campeonato foi realizado todo seguindo as regras de boxe para lutas "casadas e combinadas com antecedência" com professores e alunos. Os atletas estavam equipados com luvas tamanho 14, consideradas luvas grandes e de boa espessura para treinos, o que garantiria ainda mais a integridade do atleta.

A UFC-Jeri ainda alega que alterou a regra para dimunuir o tempo dos rounds de três para dois minutos e que os atletas foram orientados sobre a proibição de socos na região da nuca. A luta foi mediada por um árbitro central, além de dois árbitros de mesa.

A organização ainda diz ter um áudio enviado por Marcio Marcelo Santos, ex-secretário do Esporte, em que o evento era autorizado pelo executivo. No entanto, nenhum documento foi assinado ou firmado oficialmente.

O que diz a prefeitura de Jijoca e a polícia

Em nota, a prefeitura afirma que o secretário de Esporte, Marcio Marcelo Santos, foi exonerado no dia 02 de outubro, portanto não tinha mais autonomia em ter fornecido qualquer autorização em nome da prefeitura.

O texto ainda diz que um processo administrativo será aberto para apuração dos fatos e das responsabilidades e que a prefeitura só tomou conhecimento do evento depois da fatalidade, reiterando que nenhuma licença ou autorização prévia foram emitidas para realização do evento, que ocorreu sem alvará de funcionamento.

Também em nota enviada à reportagem, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) afirma que investiga as circunstâncias da morte e que o caso está a cargo da Delegacia Municipal de Jijoca de Jericoacoara.

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