Estádio da abertura do Pan foi usado como prisão pela ditadura do Chile

A Cerimônia de Abertura dos Jogos Pan-Americanos de 2023 vai acontecer às 20h (horário de Brasília). Hoje palco de sorrisos e esperança para diversos torcedores e atletas, o Estádio Nacional de Chile já foi o cenário de torturas e assassinatos cometidos pela ditadura militar comandada por Augusto Pinochet, implantada após golpe que completou 50 anos em 11 de setembro.

O local foi usado como uma prisão em um período de repressão crescente. Estima-se que, em determinado momento, o complexo esportivo chegou a ter 7 mil prisioneiros, e diversos espaços eram usados como espécies de celas. Há indicações que entre setembro e novembro de 1973, 40 mil pessoas por ali passaram.

Um relatório entregue em 2011 apontou 40.280 vítimas oficiais entre executados, desaparecidos e torturados durante os 17 anos do regime.

Por pior que fosse tal período, o povo chileno não deixou que caísse no esquecimento e virasse apenas uma história distante nos livros escolares. Não à toa há um setor no estádio que destoa. Na "Escotilla 8" (saída 8), pode-se observar arquibancada de madeira — estrutura conservada como em 1973, ano do golpe — e a seguinte frase: "Un pueblo sin memoria es un pueblo sin futuro", ou "Um povo sem memória é um povo sem futuro".

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Imagem: Evandro Teixeira, Acervo IMS/Coleção Evandro Teixeira

A escolha não foi aleatória. Os presos acreditavam que, dali, podiam ver os familiares que se juntavam aos montes no lado de fora. "Os presos tiravam uma peça de roupa reconhecível e a levantavam nos braços para que seus entes mais queridos ficassem tranquilos depois de dias procurando por eles", explicou Wally Kunstmann, presidente de grupo de ex-presos políticos, em entrevista ao "El País", em 2015.

O UOL conversou com alguns chilenos que passaram aos arredores do Estádio Nacional. Segundo eles, o fato de a cerimônia de abertura do Pan acontecer justamente nesse local tem muito significado, pois corresponde à vitória do Chile após anos de sofrimento.

"É o resultado de muitos anos de democracia e da luta que se estendeu através das gerações. Hoje é um momento feliz, que simboliza o progresso que o Chile teve como sociedade, tanto na parte esportiva como na parte cultural. Agora, nos abrimos para receber os países do resto do mundo, podemos cada vez mais nos distanciar do que foi a ditadura", destacou o jovem Alexander Santibáñez, de 19 anos,

Mercedes Silva, 72 anos, estava deixando o Estádio Nacional quando conversou com a reportagem. A senhora fica triste ao relembrar do passado violento do local.

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"Foi uma etapa muito dolorosa e que eu acho que não é o momento de recordá-la. Hoje, quero estar aqui sem me lembrar daquele momento, porque a todos os chilenos, de qualquer tendência política, representa muita dor. E isso que estão fazendo aqui hoje, com a cerimônia de abertura e as competições, de alguma maneira, ajuda a mudar a nossa dor quando entramos", falou a chilena.

"Hoje é um dia importante não só para Chile, mas também para a América do Sul. O que aconteceu aqui anos atrás foi ruim, muito ruim. Mas isso já é parte do passado, queremos viver o presente e nada melhor que algo tão lindo que está acontecendo hoje: uma inauguração de um Pan em nosso país", destacou o ciclista chileno Marco Linco, de 56 anos.

Futebol 'ajudou' a dar fim à prisão

O Estádio Nacional do Chile só deixou de ser utilizado pelos militares como um local para torturar e matar oponentes políticos por causa de um jogo de futebol.

O local foi evacuado para ser utilizado como palco do duelo entre Chile e União Soviética, pela repescagem para a Copa do Mundo de 1974. O primeiro encontro terminou com um empate sem gols, em Moscou. Na volta, os soviéticos se recusaram a entrar em campo por questões políticas, e também certo temor do que poderia lhes acontecer, uma vez que integravam ideologia contrária. Os chilenos venceram por W.O. e ficaram com a vaga.

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