'Salvou minha vida': Raíssa Machado brilha no atletismo após depressão

Raíssa Machado, da classe F56 (atletas que fazem lançamentos sentados em cadeiras), chega ao Parapan-Americano de Santiago dias depois de atingir a melhor marca em 2023 — 23,42m, no fim do mês passado —, e sob a expectativa pelo bi, uma vez que foi ouro em Lima-2019.

Apesar das metas, ela não esconde que o esporte integra uma perspectiva pessoal que ultrapassa números, cor de medalha ou degrau no pódio. Na verdade, se tornou um companheiro, e o que reluz nas medalhas é um brilho que voltou aos seus olhos.

Todos nós, com deficiência, muitas vezes temos uma dificuldade de se aceitar. Demora, e talvez não venha. Quando entrei no esporte, entendi que tinham outras pessoas com deficiência. Eu reclamava muito e cheguei a tentar suicídio, e o esporte me mostrou que não estava sozinha. O esporte salvou minha vida
Raíssa Machado

Questionamentos

Raíssa nasceu com má-formação congênita nas pernas, o que faz com que ela utilize uma cadeira de rodas. Ainda na infância, deixou Ibipeba, na Bahia, e foi para Uberaba, em Minas Gerais, para a realização de cirurgias.

Nos anos seguintes, foram diversos os questionamentos que fez a si, em busca de compressão para a sua condição. "Eu não me aceitava, perguntava porque vim, porque sou assim. Muitos 'por quês'".

Ela entrou no balé. Depois, partiu para a ginástica. Até que, com 13 para 14 anos, começou a praticar lançamento de dardo, e os resultados começaram a chamar a atenção.

"Logo que entrei, me destaquei. As pessoas falavam: 'Você nasceu para ser atleta', e eu não entendia. Eu não queria ser atleta. Falava: 'não vou ser atleta coisa alguma'. E agradeço às pessoas que insistiram para isso, porque não estaria aqui hoje".

Aos poucos vieram as medalhas e as expectativas aumentaram na mesma escala. Mas, aos 20 anos, um tombo. "Eu ia para as competições, nacional e internacional, e conseguia medalha, independentemente da cor. No Rio, nas Paralimpíadas, foi tenso. Eu tinha expectativa por medalha, mas levei um soco. Fiquei em sexto. Ali doeu", lembra.

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Derrota e volta por cima

A derrota fez ela repensar. Raíssa conta que já não se reconhecia mais e voltou para Uberaba, mas percebeu que estava entrando em depressão.

"Entendi que não me conhecia de verdade, não conseguia olhar no espelho. Pensei: 'tem algo de errado, estou entrando em depressão'. Já tinha desistido do esporte. O treinador [Igor] vinha falar comigo, e disse que não queria mais, que queria estudar para ser delegada, um dos meus desejos de pequena", conta.

"Mas falo que foi a pior competição da minha vida, mas foi a melhor competição da minha vida também. A chave virou e entendi o que Deus queria para mim. Compreendi não apenas que eu amava o esporte, mas diversas outras coisas. O esporte me escolheu, era o meu destino", diz

Ela conta que quando "todo mundo tinha desistido", o elo de confiança fez ela voltar ao circuito. O objetivo era claro: estar entre as três melhores do mundo. Isso quando menos esperavam. 'Fiz 21,11m. Quase bati o recorde das Américas e fiquei entre as três melhores do mundo. Pensei: 'Agora, eu voltei'". Houve, então, o convite do CPB para ir para São Paulo.

No Parapan de Lima, foi ouro. Já em Tóquio, Paralimpíadas seguinte à grande frustração no Rio, conquistou a prata. Além disso, ficou com a segunda colocação no Mundial Paris 2023.

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Transformação

A chave virou não apenas no esporte. Em meio ao momento de reflexão, Raíssa também mudou fisicamente. O cabelo, até então alisado, foi cortado e ganhou os tons naturais. Esse foi apenas um dos exemplos.

Surgiram, em meio a esta caminhada, as redes sociais. Inicialmente, para divulgar o lançamento de dardo, mas que fizeram surgir convites que ajudaram a realizar um outro sonho de infância: ser modelo.

"Queria dar visibilidade para a minha modalidade e comecei com as redes sociais. Mas aí as coisas foram acontecendo e levei até um susto. Você vê que não precisa ter 1 milhão de seguidores para chamar a atenção de uma marca boa. Não sei porque chamo a atenção. E aí entra o esporte. Além dele ter salvo a minha vida, ele me ensinou a me aceitar com a minha deficiência, como mulher negra, de cabelo cacheado, e que posso chegar onde eu quero", afirma.

"E que preciso ajudar outras pessoas a se ajudarem. Quando entendemos nosso propósito, a gente começa a entender também o que aconteceu lá atrás. Acho que estou no caminho certo. O esporte salva vidas, não apenas a das pessoas com deficiência, mas também das famílias das pessoas com deficiência".

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Experiências em outras modalidades

Raissa começou no atletismo, mas também experimentou outras modalidades. "No basquete, quando vi aquelas mulheres correndo atrás de mim, larguei a bola e saí. O vôlei sentado acho lindo, mas dói a bunda (risos). Mas é no atletismo que meus olhos brilham mesmo".

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