Campeões paralímpicos são suspeitos de competirem em categoria errada
Lucas Prado, Silvânia Costa e Ricardo Costa de Oliveira, medalhistas em importantes competições paralímpicas, são suspeitos de terem capacidades visuais superiores ao permitido pela categoria em que competem.
Lucas foi ouro nos nos 100m, 200m e 400m em Pequim-2008, Silvânia foi ouro no salto em distância em Tóquio- 2020 e Rio-2016; Ricardo Costa foi ouro no salto em distância na Rio-2016,
O que aconteceu
Os três participam de torneios na categoria T11, que é destinada aos atletas com menor capacidade visual.
O Esporte Espetacular, da Rede Globo, mostrou vídeos dos três atletas com movimentos fora das áreas de competição.
As imagens foram analisadas por oftalmologistas especializados em visão subnormal ou baixa visão, que constaram que há movimentos incompatíveis com quem tem menos de 2.6 LogMar — tabela de referência para o grau de deficiência.
Lucas Prado
Lucas Prado, por exemplo, aparece em um vídeo olhando para um relógio e informando o tempo de um percurso percorrido ao ser acompanhado em uma bicicleta. Em outro, pega um copo em cima de uma bandeja em um movimento direto, e há ainda outro que mostra ele atravessando a pista em uma treino, superando um pequeno obstáculo no chão sem dificuldade e depois pega um objeto na mochila.
"Você pode dizer: 'Ele pegou o copo por aproximação da massa, uma pessoa chegando mas aqui não tem nada disso. Ele olha o relógio e fala, informa. Ela tem visão. Impossível não ter visão e fazer isso", disse Maria Aparecida Onuki Haddad, integrante da Sociedade Brasileira de Visão Subnormal, na reporatgem exibida pelo EE.
"Não tem como o cego olhar o relógio. Existe um relógio para cegos que tem sinal sonoro, mas olhar e dizer, assim como ele falou, não pode", aponta Helder Alves da Costa Filho, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Visão Subnormal e classificador habilitado pelo Comitê Internacional.
Um ex-funcionário do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), que falou em anonimato, apontou outro comportamento suspeito. "O caso que presenciei foi de um atleta se alimentando, pegando comida na bancada de uma forma como se estivesse enxergando. Está caminhando, vendo a comida. Passando e pegando, e seguindo. Sentando na própria cadeira... Foi o Lucas Prado".
Ele teria sido repreendido por outro funcionário ao questionar. "Fica em paz, segue sua vida, o seu trabalho. Você não está aqui para questionar".
Lucas Prado tem conquistas como ouro nos 100m, 200m e 400m nos Jogos Paralímpicos Pequim-2008 e prata nos 100m e nos 400m de Londres-2012. Também tem ouro nos 100m no Mundial Dubai 2019; ouro nos 100m nos Jogos Parapan de Lima-2019; ouro no revezamento 4x100m e prata nos 100m nos Jogos Parapan- de Toronto-2015; ouro nos 100m e nos 200m no Mundial Lyon-2013, dentre outras.
Silvânia Costa
Silvânia também aparece em vídeos com atos que não se encaixavam com o grau da deficiência alegada. Ela, desde criança, foi diagnosticada com Doença de Stargardt.
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Quero receber"Eu já vi a Silvânia atravessando a rua sozinha em uma rua muito movimentada, e está classificada com T11", disse uma pessoa que não quis se identificar.
Um vídeo, de abril de 2021, mostra a atleta participando de uma competição olímpica. Ela se posiciona no bloco sem auxílio, corre em linha reta e desacelera após passar pela linha de chegada, sem precisa de um guia.
"O 11 nunca corre sem guia. Tem de correr com guia. Isso está esquisito nessa filmagem", ressalta Helder Alves.
"O que intriga é que ela foi muito bem na própria rota. E por que competir em uma competição olímpica se é uma pessoa que precisa, de forma comprovada, de ajuda de outra pessoa?", apontou Maria Aparecida.
A participação de Silvânia na prova também foi questionada em um grupo de técnicos do esporte paralímpicos.
Silvânia foi medalha de ouro no salto em distância nos Jogos Paralímpicos de Tóquio- 2020 e Rio-2016; nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto-2015; e no Mundial de Doha-2015
Ricardo Costa
Ricardo é irmão de Silvânia, e foi afetado pela mesma doença, e também compete na T11.
"Você consegue ver o Ricardo andando pelo Jabaquará sem bengala, numa boa. Muita gente já viu isso", disse Felipe Gomes, da T11.
Imagens mostram Ricardo no trajeto de casa ao centro de treinamento. Ele anda sem auxílio, e, em outro momento, entra em um carro no banco do passageiro.
"A pessoa com deficiência visual é a que entrou no carro agora? E ela fala que é cega? Não... Não pode. Sendo cega, fazendo esse movimento? Ela foi direto na maçaneta do carro, sem tatear", afirma Maria Aparecida.
"Ela foi diretamente na maçaneta do carro, e ali tem um desnível. Normalmente, o deficiente visual mapeia muito os ambientes", informa Helder Alves.
Em outro vídeo, Ricardo desvia de objetos que estavam na rua devido a uma obra.
Ganhos esportivos
O Esporte Espetacular mostrou que os índices alcançados pelos atletas quando conquistaram medalhas de ouro na T11, seriam insuficientes para o topo do pódio caso estivessem na T12 (atletas com capacidade de visão restrita a um raio de menos de 5 graus e/ou a capacidade de reconhecer um objeto).
Explicação
Atletas Paralímpicos precisam passar por avaliação que definem o grau de deficiência e em qual categoria eles vão competir. No caso de um atleta cego, é obrigado a apresentar documentos pelo Comitê Paralímpico Internacional.
Os exames não obrigatoriamente são feitos por médicos vinculados ao comitê, mas o laudo é avaliado, o que faz com que eles disputem com o aval da organização dos jogos.
"Basicamente, a classificação visual é baseada em dois fatores subjetivos: acuidade visual, e/ou campo visual, que é visão periférica", explica Helder Alves.
"A gente não tem essa pretensão de que não vai ser enganado. A gente pode ser enganado. O que a gente faz, como no doping, é tentar dificultar de ser enganado. E se temos dúvida, o atleta não compete", completou.
Outro lado
O Esporte Espetacular tentou contato com os atletas. Ricardo Costa não respondeu aos contatos.
Lucas Prado questionou as denúncias. "Atletas que têm classes diferentes, que se sentem... Que não têm onde ir e querem chamar a atenção. Pode publicar a reportagem que vou conversar com meu advogado".
Silvânia conversou com a Globo por vídeo. "Eu sou T11, sou considerada como cega, mas não quer dizer que só vejo escuridão. Existe um resíduo de 5% no qual esse meu resíduo é que utilizo no dia a dia, nas minhas dificuldades. A gente vai perdendo a visão, vai ficando bom de audição, tato, comunicação".
"Uso bengala conforme a dificuldade. Tem dia que estou bem e dia que não estou bem. Quando tem muita gente no mesmo local, fazendo barulho, não me dá informação"
"Exitia uma arbitragem lateral que gritava o tempo todo. Aquilo para mim já era minha visão, não precisava estar vendo para eu correr", disse, sobre ter participado de uma competição olímpica.
O CPB respondeu ao EE por e-mail e reforçou que o processo de classificação é conduzido pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC), que atletas e nem o próprio CPB têm poder de definir em qual classe cada atleta competirá.
A entidade disse ainda que já solicitou em mais de uma oportunidade, a reclassificação dos atletas, que tiveram seus status confirmados pelo IPC.
O Comitê Paralímpico Internacional respondeu à Globo em nota.
"Os detalhes da classificação individual do atleta são confidenciais, e a WPA não está apta a comentar especulações sobre o assunto.
De acordo com as regras de classificação da WPA, deturpar intencionalmente técnicas ou habilidades e/ou o grau da deficiência é uma séria infração disciplinar. Qualquer evidência de uma deturpação intencional deve ser enviada diretamente para a WPA por email para info@worldparaathletics.org. Todas as alegações recebidas são investigadas pela WPA e as devidas medidas são tomadas, incluindo, se necessário, consulta com classificadores, consultores jurídicos e outros especialistas. Se a evidência de deturpação intencional existir, a WPA irá cobrar os envolvidos e abrir procedimentos disciplinares junto ao Painel de Recursos de Classificação.
As consequências para um atleta ou qualquer outra pessoa que for encontrada cometendo essa deturpação intencional incluem um período de vários anos de suspensão e desclassificação de resultados em competições, medalhas e prêmios conquistados."
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