Fabiola Andrade detalha últimos dias ao lado do marido, vítima de câncer

Era fim de outubro de 2022. O Edu começou a ter dores fortes na cabeça com muita frequência. Tomava remédios, mas o incômodo logo voltava com força total. No sábado, 29, nós decidimos almoçar num restaurante japonês e quando foi à noite, ele falou: "Vamos comprar um gyoza?".

Eu questionei. Afinal, tínhamos acabado de almoçar no japonês. Então, o Edu comentou: "Não, já tem uns 15 dias que não comemos". Fiquei paralisada e relembrei da nossa última refeição. Ele ficou paralisado também. Não eram só dores de cabeça. Alguma coisa estava muito errada.

Decidimos pegar as bikes no domingo e partir para um passeio na serra da Cantareira. Imaginávamos que a pane tinha a ver com estresse no trabalho. Não era. Segunda-feira, ele voltou a ter confusão mental, escreveu um email com frases desconexas e pedi para ele voltar para casa. O Edu entendeu, porque também percebeu que estava atrapalhado.

Fomos para o hospital, e eu crente que era um AVC e que logo tudo iria ficar bem. O Edu fez os exames e precisou ir para a cirurgia às pressas. Somente quando ele voltou, eu descobri o que estava acontecendo: glioblastoma grau quatro, um câncer no cérebro absurdamente agressivo.

A partir deste momento, eu prometi ao Edu que ficaríamos de mãos dadas até o momento da cura, até o último segundo. E foi assim. Após oito meses em que vivi uma tristeza infinita misturada com certa revolta até chegar na compreensão, o amor da minha vida partiu de mãos dadas comigo.

Este é o relato da repórter e comentarista Fabiola Andrade. Ao UOL, a profissional do grupo Globo descreveu a história de amor que viveu com o marido Eduardo Azevedo até perdê-lo em oito meses para um câncer extremamente agressivo. Edu descobriu a doença no fim de outubro de 2022 e morreu em 3 de julho de 2023, aos 47 anos, um dia antes de seu aniversário.

Amor pelo futebol uniu amor de outras vidas

Eduardo era um são-paulino fanático, daqueles que frequentava o Morumbi em praticamente todos os jogos, independentemente de ter companhia ou não. Esse amor pelo futebol foi o que levou o empresário paulistano Edu à mineira Fabiola. Os dois se conheceram pelas redes sociais em 2018 e passaram a falar do esporte preferido até que resolveram finalmente se encontrar no ano seguinte.

"A gente marcou um café para falar do Tricolor, foi bem na época em que Daniel Alves estava voltando ao São Paulo. E aí começou assim... E sabe de uma coisa? Já bateu ali de cara, foi assustador como a gente se conectou. Edu e eu somos espíritas, e deram explicações para a gente sobre esse nosso encontro. A gente acredita que já estamos juntos há milhares de anos. É um amor de outras vidas, outras dimensões", descreveu Fabiola.

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Fabiola Andrade e o marido Eduardo de Azevedo
Fabiola Andrade e o marido Eduardo de Azevedo Imagem: Arquivo Pessoal

A melhor audiência do mundo

Em 2020, quando a pandemia de covid-19 começou, a relação de Edu e Fabiola se intensificou. A jornalista começou oferecendo uma gaveta de seu armário ao namorado até que fez o convite para Edu se mudar definitivamente para o seu apartamento.

"Juntamos as escovas de dentes, e ele estava esperando por esse convite, até porque o apartamento era o meu. A gente morou um pouco lá e, depois de um tempinho, ele falou: 'Acho que quero ter o nosso apartamento, quero me casar'. Eu topei na hora e, então, colocamos nossas casas à venda", contou Fabiola.

O novo lar do casal representava tudo o que eles sonhavam: área verde que brilhou os olhos de Fabi e um cantinho especial para Edu cozinhar e receber os amigos do casal. Claro que também não poderia faltar uma salinha de TV onde ele pudesse acompanhar todos os jogos que Fabiola estivesse trabalhando e, depois, esperar pelo retorno dela.

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"Ele tinha um orgulho absurdo de mim, era um cara que me jogava sempre para cima. Não importava se era um jogo do sub-17 que eu estava comentando, o Edu dava um jeito de ligar a TV lá do escritório dele e me mandar fotos. Quando ia para jogos à noite, ele não deitava enquanto eu não chegasse. E assim que entrava em casa, ele falava: 'Você foi muito bem, mas olha, ainda pode melhorar nisso aqui'. Era a melhor audiência do mundo", comentou a jornalista.

"Foi um grande impacto para mim quando ele passou mal em casa e não voltou mais. Essa foi uma das infinitas dores. Eu chegava do trabalho e custava a crer que ele não estava mais aqui. Teve um dia específico em que eu fui para Santos, fazer um jogo na Vila Belmiro, e quando voltei, olhei para essa casa e falei: 'Não acredito que ele não está aqui, não acredito'.", descreveu Fabiola emocionada.

O diagnóstico

Quando Fabiola pediu para Eduardo deixar o escritório e voltar para casa, naquela segunda-feira, 31 de outubro de 2022, já estava apavorada. A jornalista telefonou para o pai de sua filha — que se tornou um grande amigo — e pediu ajuda.

"Ele acionou o tio da Giovana (filha da Fabiola), o Christian Felizola, que é cardiologista e foi um anjo em nossas vidas. Quando eu cheguei no hospital com Edu, o Christian já tinha pedido para o médico de plantão solicitar uma tomografia. E aí eu comecei a achar tudo muito estranho, porque o médico voltou com resultado e perguntou se o Edu já tinha um médico", disse Fabíola.

A jornalista perguntou o que estava acontecendo e o médico preferiu conversar com outro colega primeiro. "Eu ainda achava que era um AVC. Eu sou otimista por natureza. Pensei que era um AVC, mas eu via o Edu bem, andando. Bom, então, na minha cabeça, logo iriam operar e resolveriam isso", continuou.

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Na manhã seguinte, o médico Christian explicou a situação e falou que Edu passaria por uma cirurgia emergencial para a remoção do tumor, o glioblastoma. O empresário retornou para casa com direito a uma recepção calorosa da enteada Giovana no início de novembro, mas teve de voltar ao centro cirúrgico no dia 6 de dezembro, porque o tumor reapareceu em um tamanho ainda maior.

"Eu tinha acabado de descobrir o tumor, e os médicos falaram que ele poderia morrer na primeira cirurgia. Naquele momento, eu me revoltei, porque aquilo me aterrorizou. Entrei no nosso quarto para fazer a malinha dele, lembro que estava só eu e Maia — a nossa cachorrinha — e comecei a gritar: 'Eu vou trazer ele de volta, vocês estão me ouvindo? Eu vou trazer ele de volta para casa!'. Eu discutia com o câncer, ainda não tinha ciência do quão agressivo era. Eu tinha certeza de que eu ia conseguir", falou Fabiola.

"Aí a gente fez a ressonância no comecinho de dezembro para começar o tratamento de químio e de radioterapia. Só que o tumor estava maior do que no começo de novembro e ele precisou de uma nova cirurgia em menos de um mês", acrescentou.

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Imagem: Arquivo Pessoal

Oito meses de uma tristeza infinita

Edu fez todo o tratamento e completou as últimas sessões de químio e radioterapia em 2 de fevereiro de 2023. Ele estava pronto para começar a recuperação com fisioterapia quando, no fim de março, teve uma convulsão no novo apartamento do casal

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"Ele foi para o hospital e virou paciente paliativo. Os médicos falaram que fizeram tudo o que a medicina entende que poderiam fazer, mas não surtiu efeito. O tumor era muito maior do que nas duas outras vezes. O oncologista contou ao Edu o que estava acontecendo, e foi nesse momento que ele olhou para a janela do hospital, não quis saber mais nada e se fechou", contou Fabiola.

Aquele foi o último dia de Edu no lar que tanto sonhou com Fabiola. Ele morou naquele apartamento por três meses e, depois, precisou ficar em uma clínica. Durante os oito meses entre a descoberta do câncer e a partida, a jornalista fazia questão de frisar ao seu amor que nunca o abandonaria.

"Lá na clínica, eu sentei na frente dele, abaixada e falei: 'Eu queria que você soubesse que eu não posso ir com você. Eu desejei muitas vezes ir com você, mas eu não posso porque eu não estou pronta, mas eu fico muito preocupada, meu amor. Eu te amo tanto, eu fico preocupada. Como você tá? Como está seu coração?'. Ele se fechou, ele não falava mais, mas eu queria saber como ele estava, eu queria ajudá-lo no máximo que eu conseguia e, então, ele respondeu: 'Tá leve'", revelou Fabiola.

"Só uma pessoa que tem um nível de compreensão do que a gente está fazendo aqui nessa viagem que chama vida é que pode se sentir leve numa situação dessa. O Edu é luz", completou a jornalista.

Despedidas

Fabiola pôde vivenciar duas despedidas com seu amor: uma na casa deles e outra no último dia de Edu.

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Lembro da data certinha: 23 de março de 2023. Eu estava dando banho nele, na cadeira, porque ele já não ficava mais em pé. E foi um banho muito divertido. Ficava zoando com o chuveirinho, e ele: 'Para de jogar água em casa'. Caímos na risada. Então tirei o Edu de lá, coloquei na cadeira de rodas ao lado da nossa cama e declarei: 'Queria dizer que amo estar com você, amo cuidar de você, amo dar banho em você, queria dizer que você é maravilhoso'. Ele passou a mão no meu rosto e falou: 'Lindeza da minha vida!'. Ali eram as nossas almas se abraçando. Aí na hora que eu levantei ele da cadeira para colocá-lo sentado na cama, ele convulsiona e nunca mais volta. Foi a despedida daqui de casa.

Eu ia pra clínica geralmente 14h, 15h. Mas no dia 3 de julho, me deu um negócio. Fui mais cedo sem ninguém me falar nada. Ele já estava mais branquinho. A circulação estava parando e a cuidadora falou que ele estava indo. Pedi licença pra eu conversar com o Edu. Dei a mão e beijei ele. Falei: 'Tá vendo essa luz? É a sua luz, segue meu amor. Obrigada por tudo, por ter cuidado de mim, da Maia, que é a nossa filha, da Giovana (filha da Fabiola), que é apaixonada por você. (...) Obrigada por tudo. Vai em paz, você vai morar pra sempre no meu coração. Eu vou ficar bem. A Giovana vai ficar bem, vai ficar tudo bem. E eu só queria te fazer um pedido. Se eles concederem, quando chegar o meu dia, a primeira pessoa que eu quero ver é você. Ele partiu 30 minutos depois que eu cheguei.

Fabiola Andrade e a cachorrinha Maia no apartamento que ela e Edu sonharam juntos
Fabiola Andrade e a cachorrinha Maia no apartamento que ela e Edu sonharam juntos Imagem: Beatriz Cesarini/UOL

Quero ajudar as pessoas assim como ajudaram

Fabiola conta que viveu 80 anos naqueles oito meses. Ela se transformou. Hoje, ela vive dia a dia se reerguendo em busca de voltar a ser totalmente a pessoa otimista que sempre foi. Tem o apoio de amigos, família e da cachorrinha Maia, que chegou em sua vida junto com o marido.

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"Estou trabalhando em resgatar a minha essência. Foi a primeira vez que vivi um luto como esse. Ao mesmo tempo, entendo — com ajuda de terapia — que é normal passar por um processo com dias ruins e dias melhores. Foi tudo muito rápido, muito agressivo. Demora para você entender o que está acontecendo, eu agia o tempo inteiro: trabalhando, cuidando, processando plano de saúde, tomando decisões, indo para a clínica... A minha vitória recente é voltar a nadar, algo pelo qual eu era apaixonada, mas do qual me afastei, porque era uma atividade que eu e Edu fazíamos juntos", disse.

Além disso, a jornalista entende que tem uma missão, um propósito, que é ajudar as pessoas assim como os anjos — como ela intitula — que apareceram nesse período. Fabiola já é procurada nas redes sociais por famílias que estão sofrendo o que ela passou e ela se sente pronta para poder compartilhar a experiência e acrescentar ao máximo.

"Também estou procurando meu propósito dentro de tudo isso que eu vivi. E eu quero ajudar as pessoas, quero que me procurem, quero me colocar à disposição da sociedade para falar com famílias que vivem situação semelhante. A Mariana Kotscho foi essa pessoa para mim, e a mãe dela faleceu exatamente da mesma doença que o Edu. Ela foi maravilhosa, colocou meus pés no chão, me deu apoio. Sou muito grata e quero ser, para as pessoas, o que a Mariana foi para mim", destacou.

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